Capítulo 1 - Um Local Perfeito
O mesmo barulho o acordava todos os dias. Um bip estridente seguido de uma voz feminina robótica e delicada. "Hora de acordar, não perca o cronograma do dia. Saiba que hoje está frio, com 18° graus de temperatura, se proteja."
O garoto se espreguiçou quando a luz foi acesa em seu rosto, o fazendo fechar os olhos. Ele se levantou da cama de macios lençóis brancos e andou pelo quarto médio com seu corpo esguio. Retirou a camisa e calças brancas e ficou apenas de cueca.
A primeira coisa que fez, como mandava o protocolo, foi andar pelo chão frio e liso e se posicionar em frente ao espelho, um dos poucos adornos que havia no quarto.
O objeto simples e retangular, se acendeu e começou a análise de seu corpo através de um scanner. Em poucos segundos, a voz foi ouvida novamente :
"Reconhecido : Indivíduo: V064, Idade :20 anos, etnia : negra, Sangue :O+, estado atual : sonolento. Rosto : Não contém cicatrizes, queimaduras, marcas de nascença, verrugas ou imperfeições; estado : Perfeito. Corpo : Magro mas, dentro do padrão; Não contém cicatrizes, queimaduras, marcas de nascença, verrugas ou imperfeições; estado : Perfeito. "
Ao termino da analise, V064 foi em direção ao banheiro, assim como mandava o protocolo e se repetia todos os dias. Ele fez a sua higiene matinal e tomou um banho rápido de 5 minutos, afinal, era o unico tempo que o chuveiro permanecia ligado e apenas era ligado novamente às 18:00 da tarde.
O guarda roupa foi aberto por V064 e com um bocejo, ele pegou sua camiseta branca confortável , suas calças da mesma cor e uma jaqueta. E claro, um tênis de corrida branco. Ele olhou com certa monotonia para o seu guarda roupa mas, se conformou que não havia o que fazer.
V064 saiu do quarto exatamente às 7:20 e se preparou para a sua corrida matinal. O lado externo não era tão diferente do de fora, completamente branco com poucos móveis fechados à cadeados que apenas os auxiliares possuíam acesso.
Nas paredes, cartazes com os dizeres : Uma vida saldavel é uma vida feliz."," Um corpo perfeito, é um corpo saudável. ", " Uma mente perspicaz, é uma mente perfeita."," Ser perfeito, é ser feliz. " Estavam colados como lembretes.
V064 parecia não se importar com nada que estava escrito naqueles papéis, afinal, ele já estava acostumado a estar ali e a seguir aqueles dizeres.
Logo no final do corredor, havia diversas pessoas um pouco mais jovens ou mais velhas, vestidas exatamente como ele. Todas enfileiradas de acordo com a sua chegada.
À frente deles estavam seres robótico, esguios, com mantos brancos com detalhes dourados, olhos totalmente azuis cibernéticos, tomando da pupila até o branco do olho que era tomado pelo azul. E uma face branca como pó de arroz. Todos possuíam cabelos brancos das mais diversas texturas mas, era a única característica que os diferenciava além do formato mais "masculino" ou "feminino."
Os olhos dos robôs analisaram cada um deles. Na vez de V064, a máquina disse : "V064, permissão para se exercitar hoje, o seu tempo permitido é de 40 minutos."
"Obrigado." V064 sorriu e saiu em direção à saída ansioso para se movimentar.
"Ei, V, espera" Uma voz feminina o chamou.
V064 olhou para trás e sorriu. Os amigos ali, eram escolhidos à dedo. Ele tinha sorte que N065 era uma delas. O garoto parou para que ela pudesse se aproximar.
Hoje os cabelos da amiga estavam presos em um rabo de cavalo e aquele era o único acessório que era permitido ser usado. Afinal, a vaidade levava ao declínio.
Os auxiliares robóticos, os escancaram mais uma vez e permitiram a sua passagem. O lado de fora também era totalmente branco. Mas, pelo menos possuía verde em meio ao caminho onde iniciaram a sua corrida.
No alto, haviam diversos telões com o mesmo programa. Uma mulher de terno branco, cabelos channel ruivos e um olhar confiante dizendo que a seguinte mensagem :
"A saúde física é o sinal de saúde mental. E a saúde mental é o sinal de saúde física. Um corpo perfeito significa uma mente perfeita e vice-versa. Dessa maneira, cuidando do nosso corpo e mente, sem distrações e com foco, continuaremos perfeitos. Eu sou sou Aline Conner e estou com vocês nessa jornada."
Após a propaganda, um símbolo de uma mulher bela de cabelos ruivos aparecia escrito : Indústrias Conner, o melhor para a sua sobrevivência.
Os jovens continuaram correndo e conversando brevemente. N065 deu um sorriso travesso e V sabia que algo permitido não sairia de seus lábios.
"Não me venha com alguma travessura, N." Ele a alertou mas, mesmo assim, sorriu.
Os olhos grandes de N o fitaram com ironia e sua pele vermelha brilhou no sol, quando ela disse :
"Tenho uma fofoca." Ela sussurrou e se aproximou, o fazendo sentir o cheiro de sabonete.
"Você sabe que fofocas não são permitidas, elas são fúteis e causam discordia." Ele ironizou com um sorriso.
"E daí? Mas, você quer saber não quer?" N sussurrou com um sorriso travesso. E ao notar a curiosidade do amigo, ela continuou : "Eu soube que algo aconteceu ontem no setor 4D, disseram que dois jovens desapareceram, o T026 e o R052. Eles foram internados ou algo assim, com algum tipo de doença estranha."
V064 parou por um instante mas, ao perceber os auxiliares os observando, fez sinal para N, continuar correndo. Ele não queria ser punido.
Seus pensamentos foram tomados por algum instante por aquela informação, o que o fez perguntar :" Eles foram enviados para o centro médico D5, não? Os doentes são enviados para lá, para se recuperarem."
"Costuma ser mas..." N065 deu uma pausa e sussurrou : "Já faz um mês que eles não retornaram e você sabe que a nossa tecnologia pode curar qualquer doença ou ferimento em até 1 semana."
V064 quase parou novamente mas, se forçou a continuar seu percurso. O choque era evidente em seu rosto, isso nunca havia acontecido antes. Mas, os auxiliares costumavam comunicar tudo a eles. O que havia de diferente dessa vez? Esse pensamento perdurou por sua mente durante toda a corrida.
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O tempo passou rápido e sem que percebessem, o almoço chegou. Ovos, proteína animal , salada, arroz e suco de laranja sem nenhum açúcar era o padrão diário. Hoje, a proteína do dia era frango.
V não possuía vontade de comer, sua mente analítica ainda tentava desvendar o mistério do desaparecimento porém, ele tinha que se controlar para não bisbilhotar por aí, afinal, saber o que não deve, não o ajuda a manter sua vida.
N se recostou na cadeira branca, dando um suspiro de tédio. Ela olhou ao redor e disse em uma voz monótona :
"Você não acha chato todos aqui serem iguais?" Ela perguntou, o olhando com curiosidade e esperando uma resposta.
"Não somos iguais, N. Eu sou um homem, você uma mulher. Você tem cabelo liso e eu crespo. Não tem como sermos iguais."
N bufou nesse momento. "Como você é chato." Ela exclamou. "Não estou falando disso. Eu e você e todos os outros temos a mesma altura, o mesmo corpo magro e claro, usamos as mesmas roupas feias."
V riu com o comentários sobre as roupas e respondeu, após comer um pedaço de ovo cozido : "Bem... Acho que não existem essas pessoas como você citou. Talvez existiram mas, foram pego pelo vírus. Estamos aqui para sermos protegidos dele. Talvez, essas pessoas não conseguiram sobreviver.
N desviou o olhar e com um suspiro cansado finalmente aceitou a resposta :" É, você deve ter razão, deve ser isso mesmo."
" Claro que sim, agora tome o seu suco. Temos apenas 2 minutos para o início da aula e não podemos perder a aula de etiqueta. " V disse com um sorriso sincero.
O sinal tocou alertando da aula e quem chegasse atrasado, ficaria preso em uma cápsula até desmaiar.
" Que chato, pena que ainda falta 2 anos para sermos transferidos para o trabalho." N065 reclamou.
V apenas riu e respondeu : "Isso é para o nosso bem, com certeza."
"Só você acha." N bufou. "Todo certinho, como sempre."
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A aula foi chata como de costume, e os amigos estavam aliviados ao sair dali. O próximo passo, era a academia para uma musculação rápida.
Hoje o local possuía poucas pessoas, os minutos passaram em restaram apenas V e N. Ela se sentou no chão, guardando os pesos e bebendo um grande gole da garrafa d'água.
"Ei, ouviu isso?" Ela chamou V para averiguar.
"Não ouvi nada." Ele disse, confuso. Até que o barulho pôde ser ouvido por V.
O som vinha da parede, eles deveriam chamar ajuda porém, curiosidade era maior que a obrigação.
Os amigos se aproximaram da parede até ouvir um som mais alto e se afastarem. V foi chamar ajuda, no entanto, algo prendeu N ali e segundos depois, um grito foi ouvido.
V064 e os auxiliares chegaram e o local estava pegando fogo, com fios eletrônicos à mostra vindo da parede, exatamente da direção do barulho.
E em meio ao caos, estava N065. Ela gritava e não conseguia se mover, o fogo já havia se alastrado pelo seu cabelo. V correu para ajudar a amiga mas, foi impedido.
"Não se mova, nós lidamos com isso." Um dos auxiliares, um de rabo de cavalo e feminino, disse e afastou V.
"Mas..." Ele tentou dizer e os olhos frios e robóticos o fitaram, o forçando a ficar quieto.
N gritava de dor, ajoelhada no chão. O fogo havia sido apagado porém, ela ainda estava machucada e se debatendo. O cheiro de queimado podia ser sentido. E a fumaça preenchia o local todo. V não podia fazer nada, apenas assistir.
Os auxiliares scannearam o rosto de N mas, a resposta parece não ter sido positiva pois, minutos depois, seres parecidos com eles mas, com olhos negros se aproximaram da jovem moça e disseram com sua voz robótica : Indivíduo danificado. Chance de recuperação até a perfeição : 0%. Indivíduo deve ser removido. "
" Ei, o que isso quer dizer?" V tentou se aproximar mas, foi segurado pelos auxiliares." Ei, me soltem. Para onde vão levar ela?" Ele gritou em pânico, não gostava da palavra" removido".
N foi pega pelos indivíduos novos e enquanto se debatia, ela olhava para V e chorava, a parte direita de se rosto estava queimada. Seu amigo tentou ajuda - la porém , os robôs eram mais fortes do que ele.
Um deles tocou a testa de V064 e algo o fez se sentir mole e cansado, seus olhos se fecharam sozinhos e ele sussurrou:N. Mas, quando finalmente apagou, aquele nome parecia ser desconhecido. Como se N nunca houvesse existido.
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