vinte e dois | s e g r e d o
— Como você está se sentindo? — Me sento na poltrona cinza, ao lado de sua cama.
— Física ou psicologicamente falando? — Tyler sorri fraco.
— As duas formas.
— Estou enjoado, zonzo, suando feito um porco e com a boca tão seca quanto o deserto do Saara.
— Bom, acho que é normal, levando em conta todas as medicações e os procedimentos a que você foi submetido. — Aponto com os olhos para seu braço.
— É... Deve ser.
— E psicologicamente falando?
Tyler suspira.
— Estou uma merda. — Ele sorri amargamente.
— Se quiser conversar ou... Sei lá, desabafar.
— Você quer mesmo ouvir os lamentos de um riquinho mimado e inconsequente?
— Estou entediada, então... — Dou de ombros.
Tyler sorri.
— Meu pai surtou quando descobriu que eu não regi as reuniões da empresa. Nós discutimos. Ele fez questão de jogar na minha cara que eu sou uma vergonha para a família e eu, como resposta, o culpei por todas nossas frustrações. Aí, ele me expulsou de casa.
— Caramba.
— É. — Ele suspira. — Foi mais emocionante do que parece.
— Idiota. — Dou uma pequena risada.
— Como eu cheguei aqui?
— Meu amigo, Alex, te trouxe.
— Alex? O bombadinho marrento?
Dou uma risada.
— O próprio. Ele te encontrou desacordado e rodeado por sangue em uma rua sem saída e te trouxe para cá.
— Parece que estou devendo uma a ele, então.
— Uma? Você deve sua vida a ele!
— Também não precisa exagerar. — Faz uma careta.
Acabo rindo.
— Você é tão ingrato, Tyler Abrams!
— Calma, só estou brincando. — Ele se defende, ajeitando-se com dificuldade na cama. — Acho que o efeito da anestesia passou.
— Dói?
— Só quando respiro.
Sorrio.
Tyler retribui e ergue a roupa hospitalar, revelando um grande curativo do lado direito de seu abdômen.
— Quem você irritou, afinal?
— Um cara grande com um canivete.
— Deixa eu adivinhar... Você beijou a namorada dele?
— Por incrível que pareça, não. — Ele ri, fazendo uma careta em seguida.
— Certo. Descanse um pouco, então. Eu já volto, ok?
— Onde você vai?
— Fazer uma ligação.
— Para quem?
Encaro-o, com um meio sorriso.
— Não me diz respeito, não é?
— Exatamente. — Aponto.
— Certo. Me desculpe.
Tyler fecha os olhos e eu fico o observando por alguns segundos, antes de sair.
Já do lado de fora do quarto, sorrio. Sem motivo ou razão aparente.
Caminho para fora e disco o número de Alex.
— Fala, pequena.
— Alex, Tyler acordou.
— E como o playboyzinho está?
— Bem, na medida do possível. Conversei com o médico e ele me disse que Tyler sofreu um choque hipo alguma coisa, por conta da perda de sangue.
— A coisa foi realmente séria, então?
— Foi. Graças a Deus você o encontrou, Alex. Acho que ele não teria resistido se o socorro demorasse mais.
— Que nada! Vaso ruim não quebra, Lisa. Nunca ouviu o ditado?
— Alex!
— Só para descontrair, — ele ri abafado — foi mal. Que bom que eu ajudei.
— Sempre soube que você levava jeito para herói.
— É claro. Sempre fui o seu!
Dou uma risada, revirando os olhos.
— E não revire os olhos, você sabe que é verdade.
— Como você sabe que eu...? Ah, esquece.
Alex ri.
— Alex, os hambúrgueres estão virando carvão! — Ouço a voz de Bill gritar do outro lado. — Onde você está com a cabeça hoje, rapaz?
— Foi mal, Bill! — Alex se desculpa. — Lisa, preciso desligar, antes que eu cause um incêndio aqui na cozinha. Nos falamos mais tarde, ok?
— Está bem. Beijo.
— Outro. Se cuida.
Desligo e encaro a tela do celular por alguns segundos.
Eu preciso contar.
Disco o número da mansão.
— Residência dos Abrams. — Victoria atende no segundo toque.
— Victoria, sou eu, Elisa.
— Oi Elisa. Então, como está o seu amigo?
— Ele... Está se recuperando.
— Que bom. Você estava tão preocupada.
— Pois é. — Suspiro. — Victoria... Eu... Eu menti.
— Mentiu? Como assim, Elisa? Mentiu sobre o quê?
— Não é um amigo meu que está internado. É o Tyler.
— O... O quê? Tyler... Internado?
— Fique calma, ele está bem. Agora está tudo bem.
— Pelo amor de Deus, Elisa. O que aconteceu?
— Meu amigo, Alex, encontrou Tyler desacordado aqui em uma rua do Brooklyn. Parece que ele se envolveu em uma briga e...
— Meu Deus! Estou indo imediatamente para aí, me passe o endereço.
— Van Siclen Avenue, Healt's Clinical.
— Até já, Elisa.
— Até.
Suspiro e, depois de pegar um copo de água na recepção, volto para o quarto.
Tyler dorme, mas dessa vez, com uma expressão bem mais serena.
— Apliquei um analgésico, ele estava reclamando de dores. — A enfermeira explica. — Quando ele acordar, vai estar se sentindo melhor.
— Certo, obrigada.
Ela consente com um pequeno sorriso e deixa o quarto.
Me sento novamente na poltrona e observo Tyler. Seus cabelos loiros estão uma bagunça e seus lábios, sempre rosados, estão agora secos e opacos.
Aproximo minha mão lentamente e toco seus cabelos com leveza. Tyler não acorda com meu toque.
Observo seu rosto mais de perto. Há um corte superficial em sua testa e dois outros mais profundos pouco abaixo de seu olho direito.
Engulo em seco.
O que há de errado comigo?
Eu deveria odiá-lo. Ou ao menos, me manter o mais longe possível da encrenca que Tyler é.
Suspiro, lhe acariciando os cabelos.
Eu nunca fui boa em me manter longe de encrencas.
— Ai, meu Deus! — Victoria entra no quarto e se choca ao ver Tyler, que ainda dorme. — O que houve com ele, Elisa?
— Parece que Tyler se envolveu em uma briga e acabou levando a pior. Um dos caras tinha um canivete e... Enfim.
Ela vai até a cama de Tyler e lhe acaricia os cabelos.
— Você disse que foi seu amigo Alex quem o achou?
— Foi sim. Alex o encontrou jogado em uma rua sem saída, sangrando. Foi quando ele me ligou, avisando que havia trazido Tyler para cá.
— Meu Deus! Eu estava mesmo com um pressentimento ruim. — Victoria volta sua atenção a Tyler. — Meu menino, o que fizeram com você?
Mordo meu lábio e observo em silêncio.
Victoria age exatamente como uma mãe. E de alguma forma, aquilo me emociona.
Por um minuto, lembro da minha mãe. O olhar preocupado, o carinho na hora certa, as palavras acalentadoras.
Que saudade.
— Tyler?
Desperto de meus pensamentos e o vejo acordando.
— Como você está se sentindo?
— Victoria? — Ele a encara, confuso. — Eu... O que você faz aqui?
— Elisa me ligou. Vim o mais depressa que pude.
Tyler me olha.
Fito meus sapatos em resposta.
— Você está se sentindo bem?
— Defina "bem". — Tyler sorri torto.
— Ele está bem. — Concluo.
Victoria sorri.
— Bom, vou conversar com seu médico. Já volto, ok?
Tyler consente.
Quando Victoria alcança a porta, ele a chama.
— Ei, Vic.
Ela gira nos calcanhares.
— Sim?
— É bom ver você.
Victoria sorri e sai, porta afora.
— Ela parece se preocupar muito com você. — Comento, segurando meus braços.
— Victoria é o mais próximo de uma mãe que conheço.
Engulo em seco.
— Não faça essa cara. — Tyler sorri fraco.
— Que cara?
— De pena.
— Não estou com pena. — Me apresso em afirmar.
Ele sorri torto.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, até Tyler me perguntar:
— Sua mãe... Como ela é, Elisa?
— Minha mãe? Ah, ela é incrível. — Sorrio. — Forte, inteligente, gentil. Tem sempre uma palavra de consolo ou um conselho sábio na ponta da língua.
— E ela e seu pai se dão bem?
— Muito. Eles são o casal perfeito, sabe? Se completam, se entendem, se respeitam. Eles definitivamente são minha meta de relacionamento.
Tyler sorri.
— E você sente falta deles?
— Muita. Todos os dias, na verdade.
— Há quanto tempo não os vê?
— Deve ter uns oito, nove meses.
Tyler consente em silêncio.
Minutos depois, Victoria volta ao quarto.
— E então Vic, quando poderei ir embora? — Tyler pergunta.
— Logo, meu querido. — Victoria sorri. — Por mim, eu já o levaria para casa agora mesmo, mas o médico disse que você precisa ficar em observação por essa noite.
— Eu vou ter que dormir aqui? — Tyler olha em volta.
— Pare de reclamar. — Encaro-o. — Você estava dormindo até agora mesmo.
Victoria contém um sorriso.
Tyler me encara com uma sobrancelha erguida.
— Será só por essa noite. Vai passar rápido.
— Não tenho outra escolha, tenho? — Ele se dá por vencido, encolhendo os ombros.
— Eu trouxe roupas e itens de higiene para você. — Victoria mostra a bolsa marrom pendurada ao ombro. — E claro, um bom livro para mim.
— Obrigado Vic, mas você não precisa ficar aqui. Sei que tem um milhão de coisas para resolver naquela casa.
— Coisas que podem esperar um dia. — Ela rebate, quase maternal.
— Meu pai sabe que você está aqui? Que eu estou aqui?
Victoria vacila.
— Foi o que pensei. — Tyler sorri fraco. — Vá para casa, cuide de tudo por lá. Elisa pode ficar aqui comigo, não pode?
— Elisa? — Victoria se vira para mim.
— Eu? — Arregalo os olhos, surpresa. — Ah, eu... Posso, claro... — Me sinto ruborizar. — Se não tiver problema.
— Você estará em boas mãos. — Ela apoia sua mão em meu ombro, olhando para Tyler.
Agradeço com um pequeno sorriso.
O céu escuro e melancólico avisa que uma tempestade está por vir.
Fecho a cortina em tom pastel e me sento na poltrona, com o livro de Victoria nas mãos.
— Você prefere mesmo ler a conversar comigo?
Abaixo o livro e encaro Tyler, que sorri.
— Livros são instrutivos, interessantes e não reclamam a cada cinco minutos.
— Eu estou com um rasgo na barriga! Tenho direito de reclamar!
Reviro meus olhos, sorrindo, e volto minha atenção à leitura.
— Ei, Elisa...
Abaixo o livro novamente.
— Estou com frio. Será que você poderia...?
Levanto e pego um cobertor no armário branco, cobrindo-o até a cintura.
— Quer que eu afofe seu travesseiro também?
— Ah, seria ótimo!
Franzo o cenho e me sento novamente.
— Certo, isso foi cruel.
— Você mereceu. — Rebato.
— Wow. Vingativa. E rancorosa.
Pisco.
Ele sorri, mordendo o lábio em seguida.
Finjo não ver e volto minha atenção ao livro.
Tyler fica em silêncio e quando me dou conta, estou observando-o assistir ao jornal na TV, me esquecendo completamente da leitura.
Apesar de estar em uma cama de hospital, debilitado e machucado, Tyler está mais descontraído do que jamais o vi. Vulnerável, acessível, à vontade.
E nesse momento, resolvo fazer uma pergunta que me assombra desde o primeiro dia em que pus os pés em sua casa.
— Ei... Tyler.
— Sim? — Ele tira os olhos da TV e me olha.
— Por que sua irmã não pode sair de casa? — Disparo.
O semblante de Tyler muda completamente. Ele parece... Triste.
— Acho que meu pai tem medo.
— Medo do que?
— De perdê-la. Assim como perdeu minha mãe.
— Eu não entendo... Sua mãe, ela...
— Está morta?
Consinto, constrangida.
— Seria mais fácil se ela realmente estivesse.
Encaro-o.
— O que você está dizendo?
— Minha mãe está viva, Elisa.
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