trinta e três | r e a p a r e c i m e n t o
Tyler dirige em silêncio até o hospital. Logo que ele estaciona, desço apressadamente do carro e subo as escadarias, indo direto até a recepcionista.
— Oi.
A mulher tira os olhos do computador e me fita por cima dos óculos de grau.
— Oi.
— Você poderia me informar em qual quarto a paciente Kimberly Cooper está?
— Nenhuma Kimberly Cooper deu entrada aqui. — Ela responde, após uma breve análise nas fichas.
— Como... Como não? Eles disseram que a trariam para cá.
— Sinto muito. Não há nenhuma Kimberly aqui.
— Ei, Elisa. O que está havendo? — Tyler me alcança.
— Kim não está aqui.
— Não?
— A moça acabou de consultar as fichas.
— Certo... — Ele reflete por um instante. — Deixa que eu cuido disso.
Tyler pisca para mim, antes de se dirigir à recepcionista.
— Olá.
— Oi.
— Nossa amiga, Kimberly, acabou de passar por uma experiência bem traumática. Ela foi feita refém pelo próprio pai em sua casa. Os bombeiros a trouxeram para cá, a fim de tratar seus ferimentos físicos e emocionais. Nós estamos preocupados e só gostaríamos de ter certeza que está tudo bem.
A recepcionista suspira.
— Por favor. — Tyler sorri torto.
— Quarto 110, terceiro andar. — Ela nos entrega dois crachás de visitantes.
— Obrigado, — ele se aproxima da moça — Gwyneth. Você é muito gentil.
Ela sorri, ruborizando.
Tyler pisca e faz um gesto para segui-lo.
— Você não cansa de fazer isso?
— Isso o quê? Ser educado?
— Flertar com toda e qualquer mulher que encontra pela frente.
Tyler faz um bico e dá de ombros.
— O que posso fazer? É um dom.
Reviro os olhos e entro no elevador. Ele sorri e me segue.
— Se eu não te conhecesse, diria que ficou com ciúmes, Elisa.
Dou uma risada.
— Eu? Com ciúmes de você? Ah, se enxerga, Tyler!
Ele ergue as mãos, se calando. Mas estampa um sorriso debochado nos lábios.
O elevador chega no terceiro andar.
Penduro o crachá em minha blusa e saio procurando pelo quarto 110.
— Aqui, querida. — Tyler aponta o quarto logo às minhas costas.
Me viro e antes de entrar, resmungo:
— Eu não sou sua querida.
Tyler ri.
— Isso é plágio, sabia?
Sorrio, mas prefiro fingir que o ignorei.
Bato à porta do quarto e espero a aprovação de alguém para entrar.
— Sim?
Uma enfermeira jovem e bonita, com duas longas tranças feitas em seus cabelos negros, abre a porta e sorri para mim.
— Oi. Kim está aqui?
— Está. Você é a Elisa?
— Sim.
— Ela perguntou muito por você. Entre.
Adentro o quarto em silêncio e logo avisto Kim deitada na cama.
Ela nota minha presença e esboça um sorriso. Seu braço direito está ligado ao soro que pinga lentamente para sua veia.
— Ela está medicada, então pode ficar sonolenta ou confusa. É normal, ok? Não se assuste.
— Ok.
Me aproximo de sua cama e sorrio fraco.
— Ei, Kim. Como você está se sentindo?
Ela fixa seus olhos nos meus. Eles são pura dor.
— Eu não sei, Lisa. São emoções demais para serem sentidas.
Suspiro e a abraço.
Ela retribui, afundando seu rosto em meu ombro.
— Isso vai passar. — Sussurro. — Tudo vai ficar bem.
Seguimos assim por alguns minutos, até Kim se soltar de meus braços.
— Como chegou a esse ponto?
— Eu não sei. Ele simplesmente entrou em casa berrando que iria matar minha mãe. E eu realmente achei que isso fosse acontecer, Lisa. — Ela respira fundo. — Ele a socou tantas vezes no rosto, enquanto eu escondia meus irmãos.
Uma lágrima escorre inconscientemente de meu olho, enquanto a ouço.
— Quando voltei até a sala para ajudar minha mãe, ele me acertou. Eu caí no chão, zonza. E quando minha mãe tentou me ajudar, ele a pegou pelo pescoço e bateu ainda mais, gritando barbaridades. — Ela enxuga as lágrimas, antes de continuar. — Eu me levantei e, em total desespero, peguei uma estátua de aço que enfeita a mesa de centro e o acertei na cabeça. Ele caiu. Foi quando pedi forças a Deus e ergui minha mãe do chão. Eu a carreguei até o quarto, onde meus irmãos estavam. Tranquei a porta e liguei para a polícia, pedindo por ajuda. Segundos depois, ele acordou. Esmurrou e chutou a porta várias e várias vezes. Foi quando te liguei. Fiz o que você pediu e continuei rezando. E meu pai... Bem, ele não desistiu. Continuou chutando e berrando. Quando percebeu que isso não resolveria, ele buscou uma arma. — Kim soluça.
Seguro sua mão com carinho.
— Ele ameaçou atirar se eu não abrisse a porta. Eu morri de medo, mas não abri. — Ela soluça. — Não sei como, ele conseguiu arrombar a porta. Naquele momento, eu pensei que ele mataria a todos nós. Mas, por Deus, a polícia chegou. — Kim suspira. — O resto, você e os jornais já sabem.
— Kim, eu... Eu nem sei o que dizer.
— Tudo bem, Lisa. Eu também não saberia.
Acaricio seu rosto.
— É pecado eu sentir alívio por saber que meu pai está morto? — Kim pergunta, alguns segundos de silêncio depois.
— Não, Kim. Não é.
Ela consente.
Instantes mais tarde, a porta se abre. É a enfermeira de volta.
— Kim, está tudo bem?
— Está sim.
— Vamos medir sua pressão?
— Vamos. Depois eu vou poder ver minha mãe e meus irmãos, certo?
— Eu vou pensar no seu caso.
Kim semicerra os olhos.
— Não me olhe com essa cara, mocinha. Você cuidou muito deles, agora é sua hora de ser cuidada.
— Eu assino embaixo. Se cuide, Kim. Sua mãe e seus irmãos estão fazendo o mesmo. Logo vocês poderão ficar juntos.
— Está bem, está bem. — Ela se dá por vencida, baixando os ombros.
— Eu vou deixar você fazer seu trabalho em paz. — Apoio minha mão no ombro da enfermeira. — Cuide bem dessa cabeça dura, ok?
— Deixa comigo. — Ela sorri.
— Volto mais tarde para ver você.
— Tudo bem, Lisa.
Mando um beijo para Kim, que retribui com um pequeno sorriso.
Quando estou prestes a alcançar a porta, ela se abre, me dando um baita susto.
— Puta merda!
— Olha a boca, menina! — Alex entra no quarto, indo direto até Kim. — E aí, champ!
— Oi, champ. — Ela retribui o apelido carinhoso deles e o abraça.
— Fiquei tão preocupado com você.
— Está tudo bem, Alex. Agora está tudo bem.
— Eu tentei subir no seu apartamento, mas a polícia não deixou. Eu poderia ter te ajudado, eu...
— Eu sei disso. E graças a Deus, não te deixaram subir.
— Sabe que eu enlouqueceria se algo te acontecesse, né?
— Não ouse. Você já é desmiolado o suficiente.
Alex ri.
— Puta merda, Kim. Que alívio.
Ele dá um outro abraço apertado nela, até a enfermeira pigarrear.
— Bonitão, eu preciso cuidar da sua Champ.
Kim e eu sorrimos.
— Ah, é claro. — Alex se afasta da cama. — Fique à vontade.
— Vem comigo, bonitão. — Chamo Alex para fora.
— Não flerte comigo, Lisa. Você não faz meu tipo.
— Ridículo.
Dou um tapa em sua nuca e o empurro para fora. Antes de fechar a porta, faço um aceno para Kim.
— Como ela está? — Tyler se levanta da cadeira e vem até nós, quando voltamos à recepção.
— Abalada, coitada. Eles passaram por verdadeiros momentos de terror.
Tyler consente, enfiando as mãos nos bolsos.
— Onde está o Mike? — Procuro com os olhos por nossa volta.
— Esperando lá fora. Disse que cheiro de hospital o deixa enjoado.
— É bem a cara dele mesmo. — Sorrio.
— Desde quando vocês ficaram tão amigos?
Abro a boca para responder, mas desisto.
— Vamos andando? Kim precisa descansar e hospital não é lugar para conversa fiada.
— Sempre fugindo, não é Elisa?
— O que posso fazer? É um dom.
Tyler sorri de meu deboche.
Alex, por sua vez, nos fita em silêncio.
— Ei, você! Não olhe desse jeito!
— Qual jeito? — Ele sorri torto, ainda com o mesmo olhar.
— Esse jeito! — Bato em seu ombro. — Escute, eu tenho que ir. Você que está mais perto, se souber de qualquer nova notícia, me avise, ok?
— Pode deixar, Lisa. Vou cuidar da nossa Kim.
Sorrio e o abraço apertado.
— Manhattan tem deixado você mais carinhosa ou é impressão minha?
— É impressão sua, babaca.
— Suspeitei desde o princípio. — Ele sorri.
— Hasta la vista, baby. — Bato uma continência, que Alex retribui com seriedade.
— Até logo, Alex.
— Tchau, mauricinho.
Tyler ri pelo nariz. Em seguida, desce ao meu lado pela escadaria.
— E então, como Kim está? — Mike pergunta, logo que me aproximo.
— Lidando com o turbilhão de emoções que está sentindo. Mas Kim é uma garota forte, vai ficar bem.
Mike consente.
— Certo... Vamos?
— Sim.
Caminhamos até o carro de Tyler e voltamos para Manhattan em silêncio. Tenho medo que ele comece a fazer perguntas sobre Mike, por isso evito ao máximo um diálogo.
A poucas quadras da mansão, Tyler diminui a velocidade e se dirige a mim.
— Tudo bem... Onde Mike vai ficar?
— Ah, Mike vai...
— Ficar na minha casa. — Ele completa. — Para onde mais eu iria?
— É claro. Para onde mais você iria? — Tyler resmunga e dirige até a casa de Mike.
— Está entregue.
— Valeu, Tyler. — Mike desce do carro e troca um breve olhar comigo.
— Ei, sua mãe brigou com o jardineiro?
— O... O quê?
— Seu jardim está um lixo. — Tyler aponta com os olhos para a grama crescida e maltratada da casa de Mike.
— Ah... É. Eu vou cuidar disso.
— Certo. Legal. Agora, será que podemos ir? Estou exausta.
— É claro. Se cuide, Baizen.
— Vocês também.
Aceno para Mike, fazendo um gesto discreto para ele seguir para a mansão.
Tyler dá partida no carro, pensativo.
— Baizen está escondendo algo. — Ele dispara.
— O... O quê? — Arregalo os olhos.
— Mike. Ele está escondendo algo. Todos sabem que o pai está atolado em dívidas de jogo. Alguns dizem até que ele fugiu do país. A julgar pela casa, essas pessoas parecem ter razão.
— Bobagem. Como um garoto como Mike se bancaria sozinho por tanto tempo?
— Eis a questão.
Desvio meus olhos para a rua e penso: "Merda. Justo o papo que eu não queria."
Tyler estaciona o carro na garagem de sua casa pouco depois.
Desço do automóvel, tentando fugir de uma extensão da conversa. Mas Tyler também desce e me encara.
— O que foi?
— Nada. Gosto de olhar para você.
— Certo. — Sorrio. — Mais uma vez, Tyler: obrigada.
— Mais uma vez, Elisa: não há de quê.
— Hora de ir para casa, não é? Tivemos emoções demais para um só dia.
— Com certeza, tivemos.
— Tchau, Tyler.
— Tchau, Elisa.
Caminho sem pressa até minha casa, porém ao chegar na porta, bato a mão nos bolsos e percebo que deixei a chave cair no banco do carro.
— Mas que merda!
Dou meia volta e vou até a garagem, onde olho pelo vidro do carro e vejo minha chave caída no carpete.
Sem ter outra escolha, bato à porta da mansão e após alguns segundos de espera, sou atendida por uma Victoria pálida.
— Victoria... Está tudo bem?
— Nem um pouco, Elisa.
— Você não tinha esse direito! — A voz de David ecoa pelo hall. — Não depois de todos esses anos!
Encaro Victoria, ainda sem entender. Ela, por sua vez, engole em seco e me deixa sozinha.
Cedendo à curiosidade, caminho silenciosamente até a copa, onde me deparo com uma mulher com ares de surfista parada no meio do cômodo, encarando a família Abrams.
— Eu precisava ver meus filhos uma última vez, David.
— Não ouse chamá-los de filhos, Nora! Você deixou de ser mãe no momento em que colocou os pés para fora desta casa!
— Eu precisei! — A mulher grita, chorando. — Você não entende!
— Não entendo. Realmente não.
— Mamãe está viva? — Isabelle chora, encarando a mulher.
— Essa mulher não é nossa mãe. — Cody a olha. — Não pode ser.
— Você era tão pequeno, Cody. — Nora Abrams sorri entre lágrimas para ele. — E você ainda mais, minha doce Izzy.
— E mesmo assim você não hesitou em nos abandonar, não é mamãe? — Tyler ironiza a palavra "mamãe" com um sorriso amargo nos lábios.
— Tyler, você não sabe o que eu passei. Não faz ideia do quanto sofri por deixá-los.
— Não mete essa, ok? Você nos abandonou! Você nos renegou não por uma, mas por duas vezes! Não venha falar de sofrimento para mim, Nora!
— Por que você voltou? — Cody pergunta.
Ela respira fundo, antes de responder.
— Eu estou morrendo.
O silêncio e o choque se instalam na sala. O único que reage é Tyler.
— Nenhuma novidade para nós. Eu sofri uma vez. Não vou sofrer de novo. Para mim, você morreu há dezesseis anos atrás, mãe.
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