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trinta e sete | e s t r a d a

Me aproximo de seu ouvido.

— Você sabe que ainda tem um longo caminho a percorrer, até isso acontecer, não sabe?

Tyler solta um pequeno riso.

— Você é impossível, Elisa Hattaway.

— Talvez seja por isso que você goste tanto assim de mim. — Sorrio.

— Convencida.

Dou uma piscadinha e tomo um gole do refrigerante. Depois, fico observando Theo e Kim conversarem animadamente.

— Ei, Lisa. — Bill me chama. — Você pode vir aqui comigo, um minuto?

— Claro.

Me levanto e, em silêncio, sigo Bill até sua sala. Ele destranca a porta e vai até a mesa no meio do cômodo, repleta de notas fiscais, tabelas e sulfites rabiscadas com telefones, nomes de fornecedores e valores.

Bill destrava o pequeno cofre escondido dentro de um armário e me estende um maço de dinheiro cintado.

— Com juros. Me desculpe pela demora, Lisa.

— Relaxe, Bill. E não precisa me pagar juros de nada.

— É claro que preciso. Você é um pouco resmungona, mas sempre foi uma ótima funcionária.

Dou uma risada.

— Obrigada, eu acho.

Ele coloca o maço de dinheiro em minha mão e sorri.

— Não vá gastar tudo nas lojas da Fifth Avenue, certo?

— Fique tranquilo, eu jamais compraria uma blusa tão cara. — Ironizo o custo absurdo das roupas de lá. — Além disso, esse dinheiro já tem destino certo.

— O que houve? — Tyler me pergunta, logo que volto ao salão.

— Vem comigo? Preciso fazer uma coisa.

— Fazer o quê?

— Só vem comigo, ok? Kim, — me viro em sua direção — eu já volto. Não chore de saudade.

— Não garanto nada.

Sorrimos uma para a outra e depois saio puxando Tyler pela mão. Caminhamos em silêncio, até que pergunto:

— O que está rolando?

— Não era eu que deveria estar perguntando isso?

— Talvez. — Meneio a cabeça. — Mas, enfim... Theo. Ele está interessado na Kim ou é impressão minha?

— Não sei. Mas talvez ele esteja. Tem algum problema nisso?

— Não gosto da ideia de Theo estar interessado nela.

— Por que não?

— Kim é uma boa garota. E Theo não presta.

— Sabe que dizem isso de nós também, não é?

— E estão cobertos de razão.

Tyler para de andar e posta as mãos na cintura, ofendido.

— Não é porque trocamos alguns beijos, que eu esqueci tudo o que você já aprontou. E não adianta fazer essa cara. 

Ele me encara por alguns segundos, depois acaba sorrindo.

— Ok, eu mereço isso.

Voltamos a caminhar.

— É claro que merece. Assim como Theo merecerá a longa sessão de tortura que eu mesma regirei se ele cogitar aprontar algo com minha amiga.

Tyler consente em silêncio.

— Certo... Será que agora você pode me contar onde nós estamos indo?

— Ali. — Aponto para o pequeno prédio no meio do quarteirão.

— Fantástico. — Ele encara a fachada, ainda confuso. — Uma pensão.

— Eu morava ali, antes de ir trabalhar na sua casa.

Tyler olha para o prédio de tijolos aparentes por alguns segundos. Depois corre os olhos ao redor, até pousá-los na Levain Bakery.

Você morava ali?

— Sim.

— Legal.

Sorrio.

— Você já esteve aqui?

— Provavelmente.

— E já quase atropelou uma garota cheia de caixas, que estava atravessando nessa faixa?

Tyler fica em silêncio, depois sorri.

— É claro que era você. Quem mais mostraria o dedo do meio para um motorista tão correto como eu?

Dou uma gargalhada.

— Ridículo.

— Você já estava no meu destino há muito tempo, Elisa. Isso está bem claro agora.

Sorrio e pego sua mão.

— Vem.

Subimos pelas escadas de concreto até o hall, que como sempre, se encontra vazio. Toco a campainha de mesa e aguardo. Como não obtenho resposta, estapeio a base várias vezes, até ouvir Sra. Bell resmungar que "esses arruaceiros adoram atrapalhar o sossego dessa pobre velha".

Tyler me olha pelo canto do olho e sorri.

— Lisa?

— Oi, Sra. Bell. Desculpe pela barulheira.

— Ora, tudo bem, tudo bem. — Ela gesticula, sorrindo. — O que a traz aqui?

Tiro o maço de dinheiro do bolso do meu jeans e estendo à ela.

— Espero que isso quite minha dívida.

— Ah, Lisa...

— Desculpe pela demora. Mas é como dizem, não é? "Antes tarde do que nunca".

— Lisa, eu... Eu despejei você.

— Em todo seu direito. Se fosse eu no seu lugar, teria feito muito antes. Ande, pegue logo.

Ela aceita o dinheiro, com os olhos repletos de lágrimas.

— Eu nem sei o que dizer.

— Diga: "Finalmente!"

Ela ri e estende os braços em minha direção. Abraço-a e consolo, pedindo que não chore.

— Muito obrigada, Lisa.

— Não tem nada o que agradecer. Se cuide, Sra. Bell.

— Você também, Lisa.

Sorrio e giro nos calcanhares. Tyler faz um gesto de despedida com a cabeça, antes de me seguir.

— Ela realmente ficou emocionada.

— Sra. Bell é uma mulher batalhadora. Ela toca esse lugar todo sozinha, desde que perdeu o marido. A vida dela não é fácil.

— A sua também não me pareceu ser.

— Eu perdi o controle da minha vida quando entrei para a faculdade. Quis abraçar um mundo que não cabia nos meus braços.

— E seus pais?

— Eles sabem apenas do necessário.

— Por que?

— Eu não gosto de deixa-los preocupados. Não com coisas que eu posso resolver sozinha.

— Entendi. — Ele coloca as mãos nos bolsos. — E sabe, gosto disso em você. Essa postura de mulher independente, dona de si e de suas vontades.

Sorrio.

— Nunca tinha me visto dessa maneira.

— Deveria. É exatamente assim que você é.

Fito meus sapatos, ruborizada.

— Certo. Obrigada.

— Aqui é bem bonito. — Tyler olha por nossa volta.

— É incrível.

Paramos em frente a um extenso muro todo grafitado com críticas sociais em forma de desenho, letras de músicas e muitas cores. Por sua volta, sobrados geminados construídos com tijolos aparentes e lojas de todos os departamentos, com vitrines e toldos coloridos.

— Vem comigo.

Tyler me pega pela mão e me leva até uma loja de variedades, uma das poucas ainda abertas.

Andamos pelos corredores, procurando por algo que não faço ideia do que seja. Diferente de mim, Tyler sorri, erguendo o objeto como se fosse um prêmio.

— Uma caneta pilot?

— Uma caneta pilot.

Ele vai até o caixa e paga por ela.

— O que você vai fazer com isso? — Pergunto, enquanto caminhamos de volta ao muro grafitado.

Tyler não me responde. Apenas destampa a caneta preta e se agacha, escrevendo algo.

— O que você está fazendo? — Repreendo-o, em um quase sussurro.

— Nada. — Ele responde com um sorriso, se levantando.

Cedendo à curiosidade, me abaixo e leio o que ele acabou de escrever.

— "Always".

— Sua música preferida merece ser eternizada nesse muro.

Encaro seus olhos azuis e seu sorriso perfeito.

— Achei que seria melhor do que te comprar flores. — Ele se explica.

— E foi. Muito melhor.

Tyler sorri e me puxa pela cintura.

— Vamos dar uma volta?

— Para onde?

— Para onde quisermos. Ou para lugar nenhum. Só... Dirigir por aí.

Encolho os ombros.

— Não estou fazendo nada mesmo.

— Certo... Eu esperava uma resposta mais gentil.

— E quem disse que eu sou gentil?

Ele sorri torto.

Em seu carro, agora conversível, Tyler dirige pela estrada, enquanto ouvimos U2, sua banda preferida.

O vento frio faz meus cabelos voarem para trás e a sensação de liberdade me preenche completamente.

Me ajoelho no banco de couro e abro os braços.

Tyler sorri.

De olhos fechados, canto a plenos pulmões "I Still Haven't Found What I'm Looking For", acompanhada por Tyler, que também batuca no ritmo da música ao volante.

Não há ninguém além de nós, o céu estrelado e a estrada infinita.

Esse é o momento.

E é tão único e tão nosso.

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