trinta e nove | p e r d a
— Como assim? O que houve?
— Eu não sei. Eu... — Tyler fita os sapatos. — Eu não sei o que fazer, Elisa.
Seus olhos voltam de encontro aos meus, completamente apavorados.
Pego sua mão e o convido para entrar. Ele aceita automaticamente, se postando próximo ao colchão no chão da sala, onde Mike ainda dorme.
— Eu não acreditei quando ela disse que estava morrendo. Pensei que fosse apenas uma invenção triste para nos sensibilizar, mas... É real. O hospital ligou há pouco para nos avisar.
— Então vamos até lá. Se ela está mesmo morrendo, você precisa se despedir.
Ele trava o maxilar.
— Não sei se consigo.
— Você consegue. E precisa. Para sua própria paz de espírito.
— Eu não sei o que é ter paz de espírito há muito tempo, Elisa.
— Mais um motivo para se despedir. A não ser que você prefira lidar com o remorso pelo resto de sua vida.
Ele esfrega a testa, um misto de fúria e mágoa estampado em seu rosto.
— Ela me abandonou, Elisa! Sem nem pestanejar. Duas vezes! Duas!
— Esse é o inferno pessoal dela. Não torne isso o seu também.
Tyler seca as lágrimas que escapam de seus olhos com a manga da camisa.
— Você é muito melhor do que isso, Tyler. Você é mais do que sua mágoa.
Ele engole com dificuldade. Após alguns segundos em silêncio, ele finalmente pergunta:
— Você vem comigo?
— É claro.
Mike, que a essa altura já acordara, corre os olhos de Tyler para mim, sonolento e confuso.
— O que está havendo, Elisa?
— Longa história. Vou precisar sair, tudo bem?
— Ok. Ei cara, — ele se dirige a Tyler — não sei o que está acontecendo, mas... Força aí.
Tyler consente, ainda abalado.
A passos rápidos, me dirijo ao banheiro e me arrumo em um tempo recorde. Jogando uma bolsa sobre o ombro, volto para a sala e o encorajo a irmos.
— Certo... Vamos.
Lanço um pequeno sorriso triste para Mike, antes de fechar a porta.
O vento frio atinge minha pele como uma lâmina afiada. Passo os braços ao redor do corpo, numa falha tentativa de me aquecer.
Tyler percebe e, sem dizer uma palavra, me puxa para perto de seu corpo quente.
— Até parece que ele sabe, não é? — Ele se refere ao céu melancolicamente escuro que nos cobre.
— Talvez ele saiba.
Tyler estaciona o carro na porta do hospital, mas não desce, como eu previa.
— Está pronto?
— E quando é que alguém está pronto para dizer adeus?
Mordo meu lábio.
— Desculpe. Que pergunta idiota.
Ele brinca com uma mecha de meu cabelo entre os dedos.
— O que eu digo à ela?
— O que o seu coração mandar.
Tyler ri pelo nariz.
— Sei que é clichê, mas é exatamente isso. Quando a hora chegar, você saberá o que dizer.
— Certo.
— Seus irmãos já estão aqui?
— Já, sim. Eles vieram assim que recebemos a ligação.
— E seu pai?
— Está tão ou mais perturbado do que nós. Nora foi o grande amor de sua vida. Imagino como deve estar sendo doloroso perdê-la pela segunda vez.
Acaricio seu rosto com meu polegar e dou um rápido beijo em seus lábios. Tyler retribui com um pequeno sorriso e suspira.
— Acho que chegou a hora.
Consinto e desço do carro. Ele me aguarda e estende a mão. Entrelaço meus dedos aos dele, agora muito gelados, e entramos no hospital.
Tyler nos anuncia na recepção e, logo que recebemos o número do quarto, caminhamos em silêncio pelos longos corredores brancos.
— É aqui. — Aponto para a porta com um número 10 em metal pregado.
Tyler respira fundo, mas não solta de minha mão ao abrir a porta.
Todos os olhares no quarto se voltam para nós. Isabelle e Cody estão postados ao lado da cama de Nora, que nem de longe se parece com aquela mulher que chegou de surpresa na mansão. Sua pele está amarelada, seus olhos fundos e seus lábios, secos e esbranquiçados.
Ela sorri, emocionada, ao ver seu primogênito.
— Tyler, meu filho... Você veio.
Faço um suave gesto afirmativo com a cabeça, encorajando-o a se aproximar.
— Você realmente veio.
— É. Eu vim.
Ela estende a mão livre, tentando alcançá-lo. Ele hesita por um segundo, mas acaba aceitando seu toque.
— Eu sinto tanto, meu filho. Sinto tanto. Se eu pudesse voltar no tempo...
— Será que teria feito diferente?
Ela abre a boca, mas desiste de responder. Talvez, debilitada demais para isso.
— Ty, por favor. — Isabelle pede, chorosa.
— O que o médico disse? — Ele pergunta à mãe.
— Que meu fígado já está totalmente comprometido e meus rins estão indo pelo mesmo caminho. Estou também com um grave quadro infeccioso intra-abdominal.
— E o que se pode fazer?
— Dizer adeus.
Tyler trava o maxilar.
— Não devia ser assim.
— Talvez, não. Mas é tudo o que temos agora.
Cody e Isabelle observam o irmão e a mãe, em silêncio e abraçados.
Nora chora, segurando a mão de Tyler de forma sagrada.
— Eu tenho tanto para te falar, meu filho. Tanta coisa... — Sua fala é interrompida por uma crise de tosse.
— Ei, está tudo bem. Não precisa dizer nada. Se poupe, ok? Você... Você precisa descansar.
Nora fecha os olhos por um instante e balbucia algo.
Isabelle detém os olhos no medidor de pressão arterial. Ele marca 8/4.
— Baixa demais? — Cody pergunta.
— Para mim, sim.
— Vou chamar o Doutor Johnson.
Mas, antes que Cody consiga alcançar a porta, Nora vomita um líquido escuro e viscoso. Sangue.
— Ah, merda! — Tyler toma a frente e corre chamar um médico.
Ele volta instantes depois, acompanhado por Doutor Johnson, que já corre em socorro de Nora.
— O que está acontecendo, doutor? — Isabelle pergunta, tremendamente apavorada.
— Nora está se entregando.
— Não! — Ela se afunda no peito de Cody.
— Ei, ei Nora. Você pode me ouvir? — Tyler se inclina sobre ela, segurando seu rosto entre as mãos. — Nora!
Ela abre os olhos lentamente e parece focar aos poucos sua visão.
— Tyler... Eu não aguento mais. — Sua voz sai quase em um sussurro. — Onde estão Cody e Isabelle?
— Estamos aqui. — Os dois lhe seguram a mão.
— Meus filhos, me escutem... Eu preciso que vocês saibam que, mesmo longe, eu nunca esqueci ou deixei de amar vocês. Eu cometi erros terríveis durante toda a minha vida, é verdade. Mas abandonar vocês foi o mais cruel. Eu fui egoísta, mesquinha e fraca. Causei mais dor do que imaginava ser possível. Eu só posso lhes pedir perdão e agradecer por estarem aqui, apesar de tudo. Obrigada por serem diferentes de mim e não me abandonarem.
Cody e Isabelle choram silenciosamente com as palavras da mãe.
— Sejam felizes, realizem seus sonhos, lutem por aquilo que vocês acreditam e tenham pelo menos um amor inesquecível.
Seco minhas lágrimas, emocionada.
— E Tyler, eu espero, do fundo do meu coração, que você não seja mais atormentado pela sombra que eu cultivei em seu coração. E que um dia você consiga me perdoar.
Ele consente.
Doutor Johnson, que está ao meu lado, se atentar ao monitor de sinais vitais, ao qual Nora está conectada.
— O que está havendo, doutor? — Pergunto em um quase sussurro.
— Algo nada bom.
Ele se encaminha até Nora, medindo seus batimentos cardíacos e verificando sua temperatura.
— Eu estou bem, Doutor Johnson. Só preciso de mais alguns minutos.
— Você não tem mais alguns minutos, Nora. Eu preciso cuidar de você agora. Você está queimando em febre.
— Por favor, doutor. Eu me responsabilizo.
— Nora...
— Por favor.
O médico respira fundo e se afasta da cama.
— Acho que chegou minha hora. — Nora encara Tyler, chorosa.
— Não diga bobagens. Doutor Johnson, — ele se vira para o médico — faça o que for necessário...
— Não! — Ela o interrompe. — Não há mais tempo.
O medidor apita, mais lento do que o normal.
Deus, ela está morrendo!
— Meus filhos, meus lindos filhos...
Outra crise de tosse interrompe sua fala.
— Mãe, — Isabelle chora — por favor...
Nora chora, acariciando seu rosto com a mão trêmula. Depois, repete o gesto em Cody.
— Cuidem-se, meus queridos.
Seus olhos agora pousam em Tyler.
— Tyler... — Sua respiração fica mais ruidosa a cada palavra. — Eu sinto muito.
Ele trava o maxilar, talvez reunindo coragem para dizer o que sente.
— Fique em paz, mãe.
Os dois se olham profundamente.
— Eu perdoo você.
Nora sorri, em meio a grossas lágrimas que escapam de seus olhos.
— Obrigada, meu menino...
Sua voz vacila. Seu sorriso também.
O aterrorizante apito longo e alto traz a notícia.
Doutor Johnson pede espaço e, gritando ajuda para algum enfermeiro, corre com o desfibrilador.
Me viro, incapaz de ver a cena.
Dois enfermeiros adentram o quarto e nos mandam sair.
Do lado de fora, é possível ouvir as descargas do aparelho. Uma, duas, três vezes. E cessa.
Cody abraça Isabelle, que se chacoalha em um choro silencioso e desesperado.
Tyler se encosta na parede, completamente desolado. Suas pernas cedem, ele escorrega por ela e cai sentado no chão, com as mãos na cabeça.
Me agacho ao seu lado e o abraço.
— Ela se foi, Elisa. Ela se foi.
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