três | e n t r e v i s t a
— Já disse o quanto você é maravilhosa?
Kim pensa antes de responder:
— Não.
— Mentirosa! — Semicerro os olhos, dando uma risada. — Mas tudo bem, eu digo de novo: você é maravilhosa! Prometo que vou te recompensar por esse favor, Kim.
— Consiga esse emprego e me pague um sorvete, que ficaremos quites.
— Combinado! — Sorrio, apoiada ao rodo com o qual estou passando pano no chão.
Kim acaba de solucionar meu problema. Ela cobrirá meu horário no trabalho amanhã, enquanto eu estiver na entrevista de emprego dos Abrams.
— O que as duas tanto cochicham aí? — Alex surge no salão.
— Sobre sua queda por decotes.
— E por morenas fúteis. — Kim completa.
Alex revira os olhos.
— Parem de pegar no meu pé.
— Não conseguimos.
— É mais forte do que nós. — Dou de ombros.
— Vamos logo embora. — Ele pega o balde e o rodo de minhas mãos.
— Vai me contar sobre o que vocês estavam conversando, de verdade? — Alex pergunta, enquanto prepara macarrão com queijo para o jantar.
— Eu vou à uma entrevista de emprego amanhã. — Tamborilo meus dedos na mesa. — Kim vai cobrir meu horário.
— Entrevista de emprego? Onde?
— Na mansão dos Abrams.
— Porra! Os magnatas de Nova York?!
— Esse emprego é minha chance, Alex. Eles pagam um salário bem melhor e ainda oferecem moradia. Deus sabe como preciso disso.
— Ei, quanto a moradia você não precisa se preocupar. Sabe que "mi casa, su casa".
— Eu sei, mas e o Sean? Eu não acho que ele ficaria confortável comigo aqui. Isso sem contar que você não poderia trazer mais as morenas peitudas para cá.
— É, pensando por esse lado...
Abro a boca, ofendida.
— Cretino!
— Estou brincando, calma. — Ele ri. — Agora, falando sério, eu quero o melhor para você, sempre. E isso também se aplica a esse trabalho.
— Valeu. — Sorrio.
— Vou sentir falta do seu mau humor matinal.
— Não sofra por antecipação. Nem ao menos sabemos se vou conseguir. Terão dezenas de candidatas, com certeza.
— É claro que você vai conseguir. E depois que estiver lá dentro, lembre de falar sobre seu amigo bonitão e ótimo cozinheiro.
— Pode deixar.
Sorrio e espio a panela de macarrão por cima de seu ombro.
— Já está pronto, esfomeada.
— Vou pôr a mesa, então.
— Só para nós dois?
— Eu sempre como sozinha, no sofá. Quero fazer diferente hoje.
— Manda ver, então.
Estendo uma toalha e posto a mesa.
Comemos e conversamos sobre coisas aleatórias. Alex até arrisca algumas piadas, que, de tão sem graça, me fazem rir.
Ao final do jantar, me voluntario para lavar as louças.
— Quais são os requisitos? — Alex pergunta, encostado na pia.
— Jovens de dezoito a vinte e cinco anos, com boas noções de etiqueta, experiência com cozinha, disponibilidade de horário e ficha criminal limpa.
— Boas noções de etiqueta e ficha criminal limpa... — Cerra os dentes. — Parece que temos um problema.
— Vá se catar, Alex. — Jogo água nele, que ri.
— Ei, estou brincando!
Coloco o último prato no escorredor.
— Prontinho. Acabei.
— Então, já para a cama, que você precisa acordar cedo e bem disposta para amanhã.
— Parece até minha mãe, falando assim.
— Vai logo!
O despertador toca. Seis e meia da manhã.
— Nossa. — Desligo o despertador e me sento na cama. — Como eu odeio acordar cedo.
Vou arrastando os pés até o banheiro.
Minutos depois, saio, ainda de toalha e dou de cara com Alex.
— AI! — Dou um grito, assustada. — Quer me matar do coração?
— Bom dia para você também. — Ele ri.
— O que você está fazendo acordado a essa hora?
— Vou te levar para a entrevista.
— Jura?
Ele consente.
— Você é uma graça. — Pisco, apontando.
— É, eu sou. Agora vai colocar uma roupa.
Sorrio, sem graça, e corro para o quarto.
Experimento, no mínimo, quatro combinações diferentes, até me decidir por uma blusa listrada, jeans, jaqueta e coturno, ambos de couro.
— Como estou?
— Ótima.
— Tem certeza? Não está muito casual?
— Tenho. E não, não está.
— Acho que vou colocar algo mais requintado. E meu cabelo? Eu prendo — seguro-os com as mãos — ou deixo assim? — Solto-os.
— Deixa assim. E, ei! O que deu em você? — Alex veste sua camisa. — Você está ótima, ok?
— Eu... Eu vou desistir, Alex. O que é que eu sei de regras de etiqueta? Absolutamente nada! Eu não vou. Isso é loucura. Ok? Loucura! Vou tirar essa roupa e...
— Elisa, para! — Alex me interrompe, segurando meus braços de forma gentil. — Você vai para essa entrevista sim, está me ouvindo? Sei da sua competência e do quanto você merece e precisa desse trabalho. Então, acredite em você tanto quanto eu. Respire fundo, pegue sua bolsa e vamos.
Processo suas palavras de incentivo por um minuto.
— Ok. Ok, está bem.
Obedeço Alex e quando me dou conta, já estou em cima de sua moto.
— Não deveríamos estar indo por ali? — Pergunto, ao notar que Alex está fazendo outro caminho.
— Vamos comer algo antes. Pensou que eu deixaria você ir de barriga vazia? Eu sei bem como você fica quando está com fome.
— Esse é o meu garoto!
Alex ri e, pouco mais tarde, estaciona em frente à uma cafeteria.
Entramos e pedimos waffles e café, que comemos rapidamente, ali mesmo. Em seguida, partimos rumo à Manhattan.
— Chegamos.
Desço da moto e encaro a mansão ao lado de Alex.
— Estou com dor de barriga. — Sussurro.
— Agora não é hora para isso. Vá, aperte logo esse interfone!
Engulo em seco e, respirando fundo, faço o que ele pede.
— Residência dos Abrams.
— Ahn... — Olho para Alex, que me encoraja. — Bom dia. Estou aqui para a entrevista...
— Ah, sim. Um instante, por favor.
Mordo meu lábio, enquanto aguardo.
— Quero ir embora.
— Fique quieta.
Um minuto mais tarde, uma mulher de traços bonitos e cabelos cacheados caminha com elegância até o portão.
— Olá. — Ela sorri. — Seu nome, por favor.
— Elisa... Elisa Hattaway.
Ela mexe em seu iPad.
— Elisa Marie Hattaway, vinte anos, residente em East New York, Brooklyn. Correto?
— Sim.
— Seu documento, por favor.
Remexo na bolsa e entrego minha identidade, com a mão trêmula.
A mulher sorri, complacente.
— Podem deixá-la entrar.
Os seguranças, postados um a cada ponta do luxuoso portão, consentem e permitem minha entrada.
— E você, rapaz? Posso ajudá-lo?
— Ah, eu só vim acompanhá-la, já estou indo. — Alex explica e se volta para mim. — Lisa, boa sorte.
— Obrigada.
Dou um breve, mas apertado abraço nele, e atravesso o portão.
— Me acompanhe, por favor.
Olho uma última vez para trás, onde Alex sorri e acena, e a sigo.
— Elisa, sou Victoria Donovan, administradora da casa. Você e as demais candidatas serão submetidas a uma rápida entrevista e passarão por pequenas tarefas, afim de avaliarmos o desempenho de cada uma. Tudo bem?
— Claro.
Chegamos a uma extensa e bem iluminada copa. Sentadas elegantemente em cadeiras postadas a um canto, estão nove garotas, todas impecavelmente bem vestidas em tons pastéis e com sapatos de salto.
— Bom, agora que já estão todas aqui, podemos começar. — Victoria sorri, mas logo é interrompida por uma batida na porta. — Entre.
— Vic, será que posso ficar aqui com vocês? — Uma garota muito bonita, com belos olhos azuis por trás de um óculos de armação marrom, pergunta.
— Claro, querida. Entre. Meninas, essa é Isabelle Abrams.
— Olá. — Ela sorri timidamente e se posta na outra extremidade do cômodo.
— Bom, que tal se apresentarem antes de começarmos? Vamos por ordem. — Aponta para a primeira menina da esquerda.
— Olá, sou Justine.
— Katherine.
— Anne.
— Eve.
— Amberlee.
— Camille.
— Charlotte.
— Julie.
— Melanie.
— Elisa.
Dou um meio sorriso ao notar que sou a única que não possui a letra E no final do nome.
— É um prazer recebê-las aqui. Vamos começar?
Levantamos e, na ordem em que nos apresentamos, nos postamos a frente de uma longa mesa, repleta de taças, pratos e talheres.
— Merda. — Resmungo, baixinho. — Etiqueta logo de cara.
— Justine, quais são os talheres indicados para peixes?
A garota aponta para um garfo ligeiramente menor do que o normal e uma faca de formato diferente.
— Muito bem. Katherine, qual destes pratos é o correto para uma entrada?
A garota aponta para o primeiro de três pratos.
— Ótimo.
A cada pergunta, descubro que eu sei menos de etiqueta do que imaginava.
Minha vez vai se aproximando e minhas mãos vão ficando cada vez mais geladas.
— Elisa.
Levo um pequeno susto ao ouvir meu nome.
— Em qual dessas taças toma-se vinho branco?
Engulo em seco.
Olho para as três taças a minha frente. Elas me parecem incrivelmente iguais.
Hesito por um segundo e depois aproximo lentamente meu dedo da primeira taça, mas a garota, Isabelle, lança um olhar para a terceira e para mim, em seguida.
— Essa. — Aponto para a terceira taça.
Victoria sorri, quase imperceptivelmente.
— Certo.
Contenho um sorriso e olho para Isabelle, que sorri e desvia seu olhar para o chão.
— Agora, veremos como vocês se saem servindo à mesa. — Victoria se senta. — Vamos lá, podem começar.
Na mesma ordem, começamos a simular um serviço à mesa seguindo regras de etiqueta que, por incrível que pareça, me saio bem. Deus abençoe Bill e seu treinamento de serviço julgado inútil por mim, até hoje.
Enfim, a última fase chega.
— Agora, chamarei vocês separadamente para uma pequena conversa, tudo bem? — Victoria sorri, com Isabelle ao seu lado. — Justine, vamos lá?
As três saem pela porta.
Sentada, tento focar meu pensamento em outra coisa, que não a entrevista. O som de minhas botas batendo no chão ecoa por todo o cômodo.
As cadeiras vão esvaziando e meu coração pulsa cada vez mais rápido.
Finalmente, chega minha vez.
— Elisa.
Respiro fundo e vou.
— Olá.
— Oi, de novo. — Sorrio.
— Sente-se.
Obedeço.
— Elisa, você trabalha em uma lanchonete, correto?
— Sim.
— Por que você decidiu se candidatar a essa vaga então?
— Bom... As condições de trabalho que vocês oferecem aqui são muito melhores.
— Entendi. — Victoria faz uma breve anotação. — No momento, você está cursando alguma faculdade?
— Não. Eu estava, mas acabei trancando.
— Por que?
— Não cabia no meu orçamento.
— Hum... Então, eu presumo que se você conseguir esse trabalho, voltará para a faculdade, certo?
— Não tenho certeza, na verdade.
— Certo... Ok. — Suspira e anota. — Me diga, Elisa... Por que devo contratá-la, e não uma das nove candidatas anteriores?
— Bom... Eu sou muito esforçada e aprendo rápido. Sei cozinhar, limpar e tenho total disponibilidade de horário.
Victoria anota novamente. Em seguida, me fita por alguns segundos.
— Você é encantadora, mas não sei se ainda estou convencida.
— Não está convencida por que não me visto em tons pastéis, nem uso sapatos de saltos finíssimos e desconfortáveis? Ou por que meu nome não é tão requintado e terminado com a letra E?
Victoria fica séria.
— Olha, eu posso não ser tão sofisticada quanto elas, ou não saber qual é o talher específico para cada tipo de comida, mas sei que sou a única aqui com experiência real, de um trabalho real, no mundo real. E eu lhe garanto que exercerei minha função da melhor forma possível. Entretanto, a senhora tem todo o direito de achar que não sou a garota adequada.
Isabelle sorri, discretamente.
— Muito obrigada, Elisa. Entrarei em contato.
Trocamos um aperto de mão.
— Obrigada. Com licença.
— Eu gostei dela. — Ouço Isabelle cochichar.
Dou um pequeno sorriso, antes de sair da sala.
— Estou dizendo, não tenho a mínima chance.
— Você é tão pessimista. — Kim dá uma mordida em sua pizza.
— Realista, na verdade. Vocês não viram as outras garotas... Todas lindas, requintadas e impecavelmente bem vestidas. Por que ela optaria por mim?
— Talvez ela goste do exótico. — Alex dá de ombros.
— Isso era para me animar?
— Desculpe. — Ele ri. — Mas a vaga não é para uma espécie de auxiliar de cozinha? Por que ligariam para a aparência?
— Eles oferecem muitos jantares e coisas do tipo, por isso a garota contratada tem que ter uma boa imagem e saber se portar em eventos desse nível.
— Entendi.
— Pois é... Já era para mim.
— Ei, pare. Vamos esperar, certo? Você mesma disse que a garota, Isabelle, gostou de você. Pensamento positivo, Hattaway.
— Ok, Cooper.
Brindamos com o copo de refrigerante.
Acordo com meu celular tocando e saio tateando o chão onde dormi, à sua procura.
— Está aqui. — Alex resmunga e o joga sobre minha barriga.
— Valeu. — Esfrego os olhos e atendo. — Alô.
— Elisa?
— Sim, quem está falando?
— Victoria Donovan.
— Ahn... Oi, Victoria. Como vai? — Levanto de um pulo.
— Não tão bem como eu gostaria... Enfim. Elisa, eu realmente fiquei muito impressionada com sua atuação e desenvoltura durante a entrevista ontem, mas como eu lhe disse, não fiquei cem por cento convencida.
— Certo.
— Entretanto, acredito que você está com muita sorte, diferente da pobre Charlotte...
— Como assim? O que houve?
— Charlotte sofreu um acidente a caminho daqui e acabou quebrando o pé, pobrezinha.
— Meu Deus, coitada.
— Pois é. E, infelizmente, não posso me dar ao luxo de esperar por sua recuperação. — Suspira. — Então, se você ainda estiver interessada, a vaga é sua, Elisa.
— É sério?
— Sim, é sério.
— Meu Deus... Claro! É claro que me interesso!
— Ótimo. Não pedirei que você venha ainda hoje, pois sei que você tem pendências a serem resolvidas com seu patrão. Aguardo você segunda, às sete da manhã, então.
— Perfeito. Muito obrigada, Victoria.
— Não me decepcione, Elisa.
— Não irei.
— Até breve.
— Até.
Abro a boca, chocada.
Alex me encara, ajoelhado no tapete, enquanto Kim continua ferrada no sono.
— Eu entendi direito?
— Sou a nova funcionária dos Abrams.
Alex pula Kim e corre para me abraçar. Ela finalmente acorda com o barulho.
— O que está acontecendo?
— Lisa conseguiu! — Alex beija minha bochecha.
— O quê?! — Ela levanta de um pulo. — Você conseguiu?
Consinto.
— O emprego é meu!
— Eu te disse! — Me abraça. — Eu tinha certeza que você conseguiria.
— Obrigada por acreditarem em mim, quando nem eu mesma consigo.
Kim sorri.
— Mas não é porque você está indo para o Upper East Side que vai se esquecer dos amigos do Brooklyn, ok? — Alex sorri torto.
— Qual é? Nós somos o trio de ouro! — Sorrio e logo assumo um ar mais sério. — Agora e para sempre.
— Amém!
Os dois me abraçam.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro