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seis | j o g o

— Isso não parece ser bom.

Isabelle dá de ombros.

— Só tome cuidado. Você parece ser uma garota legal, e meu irmão tem o dom de destruir garotas legais.

— Ele destrói a personalidade delas? — Caçoo.

— Não. O coração.

O sorriso irônico some de meus lábios.

Eleanor adentra a cozinha acompanhada de um bonito garoto loiro de olhos azuis, facilmente reconhecido como um Abrams, ambos cheios de sacolas.

— Cheguei. Demorei muito?

— Chegou na hora certa.

Respiro aliviada por ter a conversa com Isabelle interrompida e corro para ajudá-los.

— Tudo bem, pode deixar. — O garoto recusa educadamente minha ajuda, pousando as sacolas na bancada. — Você deve ser a Elisa, certo?

— Sim. — Sorrio. — E você deve ser o Cody.

Ele consente.

— Você é realmente tão bonita quanto ouvi falar.

— Ouviu falar?

— É. Tyler e os caras estavam falando em como a garota que o derrubou na piscina é bonita. Foi você quem derrubou meu irmão na piscina, não foi?

— Foi um acidente. — Defendo-me, enquanto Eleanor contém um sorriso.

— Você parece estar bem popular entre eles.

Isabelle troca um breve olhar comigo, como quem diz: "Eu te avisei".

— Precisa de mais alguma coisa, El? — Cody se vira para Eleanor.

— Não, querido. Obrigada pela ajuda.

— Disponha.

Cody deixa a cozinha, dando-nos antes, um breve sorriso.

— Se Tyler tivesse um terço da gentileza de Cody... — Eleanor comenta consigo, enquanto desembala as compras.

— Bom, também vou indo. — Isabelle diz. — Nos vemos no almoço.

Eleanor e eu consentimos.

— Então, vejo que já fez amizade com Isabelle.

— Ela é uma boa garota.

— É sim. Fiquei feliz por vê-las juntas. Isabelle é muito sozinha, vive trancada dentro desta casa. Acho que sua presença aqui fará muito bem à ela.

— Por que não a deixam sair? Quero dizer, ela não vai nem ao colégio. Por quê?

— É complicado, Elisa. Aliás, muitas coisas por aqui são complicadas.

Percebendo que Eleanor não me contará muito mais, começo a ajudá-la com as compras.

Pouco depois, começamos a preparar o almoço. Mas uma questão não para de martelar em minha cabeça, fazendo-me arriscar a perguntá-la.

— Eleanor, conversando com Isabelle, notei que ela só fala do pai, nunca da mãe.

— A mãe deles faleceu poucos meses após dar à luz a Isabelle. Foi uma fase muito difícil para todos... Os garotos ainda eram muito pequenos. Tyler tinha quatro e Cody, apenas um ano e meio. Os três carregam marcas dessa perda até hoje, cada um sofre à sua maneira.

— Nossa.

— Não esperava por isso, não é?

— Não. Esperava uma separação conturbada, no máximo.

— Quem dera.

— E o pai deles? — Retomo.

— David se fechou para o amor desde então. Ele nunca mais se relacionou com outra mulher desde que perdeu a esposa. É um bom homem, que se condenou à uma vida solitária e amargurada. David parece pensar que não merece ser feliz.

— Que triste.

— Eu lhe disse. As coisas por aqui são complicadas.

— Com licença. — Victoria adentra a cozinha. — Eleanor, posso falar com você um minuto?

— Claro. Elisa, cuide da sobremesa, por favor?

— Claro, Eleanor... Ahn, — procuro rapidamente o cardápio e, com ele em mãos, leio a sobremesa do dia — Crème Brûlée.

Eleanor consente.

— Faz alguma ideia de como se faz um?

Penso em bancar a requintada, que entende tudo de sobremesas francesas e ganhar um pontinho com as duas, mas, imaginando o desastre que isso poderia ser logo em seguida, decido jogar com a sinceridade.

— Não, Eleanor. Nenhuma.

Ela sorri, complacente.

— Faça então a que o seu coração mandar.

— Meu coração?

— Cozinhar é isso, Elisa. Acima de qualquer técnica, amor.

Ela pisca e, em seguida sai, juntamente com Victoria.

— Coração, né? Está bem. — Respiro fundo. — Seja o que Deus quiser.

Ainda digerindo todas as informações, pego uma frigideira de fundo grosso, adiciono açúcar e o deixo em fogo baixo. Enquanto ele derrete, lavo algumas maçãs e começo a fatiá-las, até que uma respiração quente em minha nuca faz meus pelos se arrepiarem.

Viro-me, assustada, e dou de cara com Tyler e seu sorriso incrivelmente irritante a pouquíssimos centímetros de mim.

— Tyler... Precisa de algo? — Pergunto, numa tentativa não muito eficaz de me manter o mais longe possível daquele sorriso.

— Na verdade, preciso. —Ele pousa as mãos no mármore, cercando-me com seus braços.

Sinto minha respiração falhar, tendo meu corpo praticamente colado ao seu.

Posso sentir o cheiro da bala de menta que ele traz na boca, a fim de disfarçar o hálito de álcool.

Meu coração bate tão forte, que posso apostar que ele saltará do meu peito a qualquer minuto.

Mas então, Tyler se afasta.

E sorrindo, ergue uma maçã na mão direita.

— Dizem que essa belezinha cura uma ressaca como ninguém.

E sai.

Ele simplesmente sai, como se nada tivesse acontecido.

Como se, há menos de um minuto atrás, não estivéssemos prestes a nos beijar.

Espere...

Nós nos beijaríamos?

"Óbvio que não, Elisa. Não seja burra! Esse é um dos joguinhos de sedução de Tyler Abrams." — Uma voz cheia de razão ecoa em minha mente.

— Ah, merda! — Corro para a frigideira, onde o açúcar, ao invés de caramelizar, queima.

Respirando fundo, limpo a frigideira e recomeço todo o processo.

— Eu não vou cair nesse seu joguinho de sedução barato, Tyler! Ah, não vou mesmo!

— Falando sozinha? — Eleanor reaparece.

Dou um sobressalto, virando-me.

— Ah, acontece... Às vezes.

Começo a cortar, febrilmente, as maçãs em fatias.

— Ei, vá com calma. Vai acabar cortando os dedos fora dessa maneira.

Seco minha testa com as costas da mão, tentando recuperar o foco.

— Elisa, está tudo bem?

— Está. — Minto. — Está tudo ótimo.

Termino de fatiar as maçãs sem, por sorte, perder nenhum dedo.

Já mais calma, parto para os outros processos da torta, sendo observada de perto por Eleanor.

— Com quem você aprendeu a fazer torta de maçã, Elisa? — Eleanor pergunta, enquanto mexe seu exótico molho de escargots.

— Com minha mãe. É a sobremesa preferida do meu pai, fazíamos quase todos os sábados.

— Logo vi, você a prepara com muito carinho. Tirando o corte das maçãs.

Dou uma risada.

— Me sinto mais perto deles sempre que preparo uma dessas. Coração, certo?

Eleanor sorri, em concordância.

— Onde seus pais moram?

— Richmond, na Virgínia.

— E como foi que você veio parar aqui, menina?

— Uma passagem de avião nas mãos, uma mochila nas costas e cinco minutos de coragem.

Eleanor sorri.

— O que você buscava?

— Independência, eu acho. Ser dona do meu próprio nariz, tomar as rédeas da minha vida.

— E o que você encontrou?

— Uma dúzia de contas a pagar.

Eleanor ri.

— A vida adulta tem muito mais deveres do que diversão, não é?

— Nem me fale.

Coloco a torta no forno e enquanto aguardo ela assar, lavo as louças que se acumularam na pia.

Eleanor posta a mesa na sala de jantar e finaliza os pratos, enfileirando-os na bancada da cozinha.

— Uau. Parecem bem apetitosos.

— Parecem, não é? — Ela sorri. — Bom, já pode serví-los.

— Ah, ok.

— Eu te ajudo. Vamos.

Pego um prato em cada mão e caminho até a sala de jantar.

Estão sentados à mesa Isabelle, Cody, Victoria e um homem aparentemente na casa dos quarenta, bonito, de olhos muito azuis, com barba e cabelos levemente grisalhos. David.

— Com licença. — Pouso o primeiro prato à sua frente.

— Obrigado. — David me agradece com um sorriso.

Sirvo o segundo prato à Victoria, e Eleanor serve Cody e Isabelle.

— Onde está o Tyler?

— Em seu quarto. — Cody responde. — Pediu que o sirvam lá.

— Ok. Obrigada, Cody.

Eleanor faz menção de levar, mas eu a impeço, pegando o prato de sua mão.

— Pode deixar que eu levo.

Ignoro o olhar de Isabelle e caminho escada acima com o prato.

Bato à porta e sou respondida com um: "Está aberta".

— Com licença. Vim lhe trazer seu almoço.

Entro no quarto e me deparo com Tyler deitado em sua cama, vestindo apenas uma calça de moletom cinza. Seus cabelos estão molhados e bagunçados, o que o deixa com um ar extremamente sexy.

— Ótimo. Pode deixar aí em cima.

Ele indica uma mesa próxima.

Pouso o prato na mesa e o encaro.

Tyler sustenta meu olhar por alguns segundos e depois sorri.

— Algum problema?

— O que foi aquilo na cozinha mais cedo?

— "Aquilo" o quê?

— Você sabe muito bem.

— Você está se referindo à hora em que fui buscar uma maçã para comer?

— Buscar uma maçã para comer? É sério?

Tyler sorri, quase encantando.

— Não me lembro de ter que lhe dar satisfações, Elisa.

— A partir do momento em que você me cerca e quase me beija, acho que mereço sim, uma explicação!

Tyler ri.

— Eu fiz o quê? Te cerquei e quase te beijei? Elisa, você andou vistando a adega? 

— O quê?! — Exclamo, inconformada com tamanho cinismo. — Ok. Ok, já entendi.

— Já entendeu o quê?

— Espero que aprecie a comida e que perdoe meu devaneio. — Ignoro sua pergunta. — Eu me esqueci que você não precisa de gente do meu tipo. Com licença.

Faço uma reverência e viro-me para a porta.

— Você é bem atrevida.

Encaro novamente seu sorriso torto e seus olhos cheios de malícia.

— Eu gosto disso.

Reviro meus olhos e saio.

— Aguardo a sobremesa, Elisa. — Ouço-o gritar do outro lado da porta.

E nesse momento, tenho vontade de arrancar sua cabeça e arremessá-la feito uma bola de golfe.

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