Piano Escuro (Único).
Seria um vasto silêncio se a canção sútil, que vinha do majestoso piano dourado na ala principal do castelo, não estivesse pairando por todos os cômodos e corredores.
A música suave soava alta com o pesar dos dedos tocando fielmente nas teclas, mas ao mesmo tempo extremamente baixa, porque a canção tocada era de tamanha simplicidade. Aqueles toques calmos dos dígitos de Lee nas teclas quase enferrujadas eram leves.
Há muito tempo aquele piano encontrava-se parado, deixado de lado por todos aqueles que moravam no castelo. Os corpos vivos ali não faziam tanta questão de tocar um música quando Minho, eles não se importavam com a tamanha significância que era ter talento para suavizar as teclas e transformá-las em uma canção.
Jisung, o jovem de aparência mística, sentia-se como um ímã. Era igual a uma atração magnética, que de forma simples o fazia querer ser guiado para o som entorpecente, que aos poucos embriagava sua mente. Os dedos de suas mãos estavam elétricos, ansiosos para que um dia tivessem o dom de domar o piano.
A partitura apoiada no piano descrevia perfeitamente a música um tanto perversa e quente. Red Lights. Mas, ao mesmo tempo que sua letra era promíscua, no teclado ela era como canções clássicas em uma ópera honrada e renomada, visitada por todos aqueles ricos de época. Era se suma importância ser prestigiado por tamanho talento, porém, para alguém como Minho, aquilo não passava de um simples ato que deveria saber.
Han não queria de forma alguma estragar a calmaria – com, talvez, um simples erro de respirar profundamente – que estava o castelo. Pois, em sua mente, qualquer mínimo barulhinho do mais baixo que fosse, provaria que havia mais alguém além do pianista no castelo, fazendo assim com que infelizmente ele parasse com a canção e sumisse dentre os milhares de cômodos ali. E não era isso que Jisung queria. Não... Não mesmo.
O garoto de peles azuis como o céu de um dia ensolarado parou o ato de escrever a mistura de ritmos intensos e rimas poéticas em sua agenda e se levantou calmamente da cadeira dourada que a tantos minutos se encontrava.
Seguido pela perfeição das notas fiéis do ser incrível que tocava aquela belíssima canção, Han caminhou até a entrada de seu quarto, com sutilidade tocando a maçaneta da porta dupla, virando-a e abrindo. Seus olhos se fecharam, achando que algum barulho sairia daquele movimento, mas sentiu-se privilegiado e deveras sortudo por ela não ter rangido. Afinal, uma porta antiga e pesada como aquela seria mais que normal ressoar um barulho de madeira gasta.
Os pés descalços e azuis saíram do carpete cinza e tocaram o amadeirado Noyer Tropical, do qual deu um choque em Jisung. Os pés quentes levaram um susto com o gelado daquele piso, em comparação ao corpo quente de Han.
A canção, nada conhecida por si, começou a aumentar na medida em que caminhava pelo extenso corredor, descia as escadas e saía do hall principal e parava no arco da porta daquela ala de onde vinha a música.
Jisung estava sonolento. Aquela música o deixava assim. A forma que chegava até si o arrepiava e derretia as engrenagens de seu cérebro, querendo ceder ao desmaio e cansaço. Porém Jisung encontrava-se persistente, ele queria com muita fé conhecer o dono daqueles dedos ágeis deslizando pelo piano empoeirado.
O menino azul apoiou o corpo no batente da porta, extasiado ao ver quem tocava o velho piano. Lee Minho. Um dos serventes daquele castelo. Um dos simples empregados, filho de outra servente daquele lugar.
Minho, um adolescente de pele esverdeada, pairava luz. Era como se ele fosse toda a iluminação daquele ambiente, mesmo sabendo que ele não era e nunca seria. A janela enorme em frente ao instrumento iluminava as madeixas escuras e a pele clara, um contraste perfeito de tons nobres. As roupas também o ajudavam a brilhar, vestimentas claras eram apropriadas para o local de trabalho.
Na sala enorme ecoava muito bravamente os singelos toques contra as teclas empoeiradas. Poucos tiravam de seu precioso tempo para ocuparem-nos com o instrumento – lê-se ninguém, mas um ou outro sentia-se na obrigação de tomar posse para ao menos mover uma tecla, fazendo assim o som surgir em meio ao silêncio devasto daquela casa.
O azul, príncipe Han Jisung, moveu-se calmamente até parar atrás dos ombros largos vestidos no uniforme do castelo. Han tremeu os dedos em direção ao Lee, querendo tocá-lo com rapidez, mas antes que sua mão pousasse no ombro direito de Minho,o Han suspirou fechando os olhos. O aroma de Minho era tak melhor que qualquer fragrância inventada pelos místicos. Sem mais delongas, Han tocou Lee dando um susto no mesmo, que acabou por errar uma tecla, deixando um som agudo ecoar por toda a sala.
Acabando com toda a magia da música ao mesmo tempo que o sol resolveu se esconder dentre as nuvens, voltando a escurecer o cômodo.
Minho tentou olhar quem estava o tocando, o medo de que fosse a autoridade daquele castelo surgiu em suas veias, tinha consciência de que não podia deixar suas obrigações de lado para usufruir de bens materiais que não eram seus. Que não poderiam nunca serem tocados por suas mãos imundas. Mas foi impedido pela voz esbelta ao pé da sua orelha, fazendo-o arrepiar.
— Por favor… Continue… — Pediu doce com a voz capaz de encantar, até mesmo amaldiçoar, qualquer que for o místico. Minho sentiu o coração bombear com rapidez e a frequência de seu pulso disparar. Não sabia quem era o ser cochichando tão próximo de si, mas o cheiro de riqueza dizia a Lee que aquele alguém era importante. Muito importante.
As mãos paradas sobre o piano voltaram, ainda receosamente, a tocar. Han, sem querer atrapalhar, retirou suas mãos do homem, a fim de não pressioná-lo ou intimidá-lo
Jisung deu a volta no piano, em passos leves e gentis, com uma postura recatada e um semblante tranquilo. Ele parou em frente ao piano e apoiou seus cotovelos sobre o instrumento dourado, logo deitando a cabeça em seus próprios braços. Seus olhos fixos em Minho enviavam espasmos para o Lee.
— Por quê és um servente do rei sendo que tens um talento para ser artista? — Indagou curioso, com os olhinhos curiosos e brilhantes. Seria tão feliz se soubesse ao menos manusear um piano. Seria com certeza um artista que viajaria mil mundos para salientar seu talento.
— Pessoas como eu não tem chance na vida — Sem olhar para o outro, ele focava-se nas teclas. Sua voz rouca era como o de um homem adulto e bem resolvido. Han quase pode senti-la tocando suavemente sua pele e enchendo seu corpo de serotonina e arrepios — Eu nunca tive oportunidades — Continou a voz grave, totalmente contrária daquela que pertencia a Han.
— E como aprendestes a tocar? Porque tocas bem, como se de fato fosse um artista — Perguntou, admirado com a concentração e foco do Lee. Seu rosto era suave, milimetricamente igual de ambos os lados e sua boca era como uma feiticeira, chamando Jisung para o pecado. Han mordeu o lábio inferior e se deixou soltar um suspiro.
Místicos de sua espécie eram muito presunçosos, mas tão mais necessitados.
— Aqui mesmo, no castelo — Respondeu simples. Aprendera quando os chefes saíam, assim sobrando a grande casa para si, podendo desfrutar de algo que nunca teria — Inclusive, perdoe-me por isso. Sei que minha eternas desculpas não justificam minha falta de educação, mas ainda que ache isso, as peço educadamente.
— Não, não se perdoe. Se nunca tivesses se dedicado, eu nunca estaria aqui lhe ouvindo. E eu fico gratificado de lhe ouvir tocar tão bem... — Ajeitou a postura e voltou para perto do mais velho, sentando-se no banco.
Aquele maldito sentimento de imã. Suas mãos tocaram levemente as teclas. Era burrice fazer isso, visto que não sabia manusear um piano, porém era como se um sentimento de sabedoria o tivesse dominado. Olhar Lee tocar o enchia de vontade, de querer.
O príncipe havia prestado atenção nos toques e também com a partitura sobre sua frente era fácil pegar os movimentos. Ainda mais para Han, que tinha um grande amor por letras musicais. Não fora difícil igualarem os toques e se unirem em um som só. A música que qualquer um pensaria que nunca iria melhorar superou as expectativas de ambos. O talento envolvia os dois e magia brincava com os corpos de ambos. Brilho dourado surgia das teclas do piano e brilhavam por Minho e Jisung. Com sorrisos bobos e olhares animados finalizaram a canção.
Jisung e Lee ficaram alguns segundos se olhando, uma faísca pequena e um punhadinho de chama se acendeu em ambos. Eles aproximaram os rostos, tocando nariz com nariz. Como imã eles se juntaram, mas como âncora pesavam.
Nem tudo é cores. O rei chegou, e furioso com a cena, insistiu que Han fosse para o quarto e dali em diante o azulado nunca mais viu o pianista.
Minho foi mandado para outro reino. O Han mais velho proibiu que qualquer homem entrasse naquele castelo. No fim, os únicos eram Jisung e o rei.
Han, principalmente, em um eterno silêncio agonizante. Angústia e saudade de música. Suas mãos não escreviam mais letras de canções, mas seus dedos diariamente batucavam o piano, tentando se lembrar do sentimento bom que foi tocar com Lee. No fim, nem tudo era música. No fim, a pele azul de Han se transformou em um cinza pálido e doloroso.
No fim, Minho também desistiu de tocar piano e também perdeu suas cores.
No fim. Silêncio. Escuridão.
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