Crônica: Se Precisar (Tema - Amizade)
"Amizade não é sobre quem você conhece há mais tempo... é sobre quem se importou e nunca deixou o seu lado."
Alice Souza, 18h45
Com os seus sapatos saltos 15, a morena correu o máximo que podia em direção à saída do edifício. Olhou pela 7ª vez em 5 minutos o seu relógio de pulso, apenas para se certificar que o tempo não abonava a seu favor. O celular apitava sem parar, exigindo um pouco da atenção que Alice não poderia dar no momento, mas ainda assim ela o carregava perto de si, entre a palma da sua mão gelada e úmida.
Seus pés doíam calejados pelas incontáveis horas de trabalho que exerceu em pé durante o dia, mas salto alto era um acessório que era impensável para ela dispensar no seu dia-a-dia.
Work-a-holic era o nome que se dava a mulheres do tipo de Alice Souza, que amavam o trabalho acima de qualquer coisa no mundo...pelo menos era assim que todos achavam. Ainda haviam poucas coisas que algumas mulheres como Alice perseveravam mais que os seus empregos e era para uma dessas coisas que Alice estava se dirigindo.
Laura Campos, 19h10
Depois de mais uma sessão de fitness com o seu PT, Laura limpou o suor do seu rosto e sorriu sedutora para o seu parceiro de malhação, tocando de leve o ombro dele em uma forma de despedida. Os seus olhos verdes brilharam quando Eduardo piscou o olho pra ela, que caminhou rebolando o quadril e balançando os cabelos loiros, em direção ao balneário feminino.
Quando alcançou seus pertences para se banhar, Laura checou primeiramente o seu celular, detetando umas 15 chamadas de Mariana e apenas uma mensagem significativa e preocupante. Sem mais delongas, e com um tom preocupado em seu rosto, Laura catou suas coisas sem se importar com mais nada, correndo em direção à saída da academia e pegando o primeiro táxi que parou em sua frente, assim que ela acenou com a mão no ar.
Mariana Braga, 19h15
O mundo parecia contra si naquele dia. Quando mais precisava, tudo parecia se virar contra ela. O que custava ter uma loja aberta 24h onde, de preferência, vendessem trufas recheadas de limão? Seria pedir demais ela ter sua tão desejada goluseima, a salvadora de todos os males, apaziguadora das dores mais profundas, alentadora das noites mais solitárias?
Ao ver de Mariana, sim. Depois de todas as preces já feitas em sua vida, quase todas elas em vão, teria de haver um dia em que não houvessem mais preces a serem feitas e sim ações a serem tomadas. E aquela era uma delas. Um pote de um kilo de sorvete de chocomenta não é o mesmo que uma caixa de trufas com recheio de limão, mas teria de ser o remedeio.
E a ruiva tinha que agradecer por ainda ter encontrado um mercadinho aberto para comprar 'O Substituto'.
Desconsolada e temerosa, ela refez o seu caminho até o derradeiro local, onde todas as nuvens negras, dilúvios e filmes dramáticos a esperavam junto de kilos de árvores em forma de lencinhos de papel.
Edifício Sol Quente, 19h30
Mariana demorou 15 minutos entre se decidir a subir ou esperar pelas amigas. Chegou um momento em que o tempo foi passando e o sentimento de culpa tomando conta de si, então ela enterrou a chave na fechadura e entrou no local mais silencioso, lúgubre e fedorento que ela pisara até aquele dia. Dessa vez pela segunda vez.
Decidiu deixar a porta da entrada encostada, para que as meninas entrassem sem grande alardo, e tomou as rédeas da situação, se encaminhando até às cortinas da sala e as afastando com ímpeto, irrompendo o cômodo em um clarão bem-vindo. As portas da janela foram igualmente abertas, deixando o ar circular e se renovar. Fez o mesmo com os outros cômodos da casa, depois de guardar o pote de sorvete, até escutar vozes no interior da sala. Se apressou em retomar ao cômodo e olhar com certo alívio para as presenças gratificantes de Alice e Laura, que logo a arremessaram em um abraço coletivo e caloroso.
-Como ela está?
-Como ela poderia estar numa situação dessas.
-Trouxe trufas com recheio de limão. - Alice indicou, elevando uma sacolinha de uma loja gourmet de nome complicado.
-Graças aos céus! Eu corri Niterói toda em busca dessas trufas, mas só consegui sorvete de chocomenta.
-Eu trouxe vodka. - Laura retirou da sua sacola esportiva uma garrafa transparente de vidro e se admirou com os olhares repreensivos das amigas. - O que foi? Ela também precisa disso, ok?
-Isso não importa agora, o que importa é tirá-la do quarto.
-Certo.
As três se entre olharam, esperando cada uma tomar o lanço de caminhar até o quarto de Clara. Laura foi a primeira a tomar a iniciativa e logo as outras a seguiram em passos hesitantes, mas bastou a porta ser aberta, os 3 pares de olhos fitarem o rosto entristecido e devastado de Clara, para que todos os receios das amigas se dissipassem e seus maiores desejos fossem apartar a dor do peito de Clara e fazê-la esquecer de todas as más memórias, que preenchiam sua mente com pujança naquele momento, a arrastando até o fim do poço.
Ver aqueles três rostos fez um discreto sorriso de alívio se abrir em seu rosto pálido e com covas negras predominantes por baixo dos seus olhos, pois agora sabia que tinha ali os seus pilares, que fariam de tudo para a ver bem, mesmo que em esforços inúteis, pois o único local onde ela queria estar naquele momento era o fundo do poço. Mas com a certeza que suas salvações a puxariam para cima quando ela mais precisasse. Pois era isso que os amigos faziam.
"Não importa o motivo, importa a motivação."
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