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Tormentia

A estrada seguia para leste, onde o sol nascia vívido e expunha seus belos raios luminosos sobre a terra. Mas este não era o caminho, o terceiro austeiro estava para o outro lado, onde as sombras devoravam a felicidade e esmagavam a paz sobre uma planície chamada de Tormentia, uma região permanentemente alagada.

Ali se concentrava o grande foco de nuvens cinzentas que Doto avistara muitas vezes; eram escuras e densas, cobriam o céu somente naquela extensão. Não havia estrada para aquele lado, apenas uma dobra no terreno que camuflava um imenso declive acentuadíssimo para oeste. Para esta direção, os três viajantes rumaram.

Logo adiante, ao transporem a colina, eles se depararam com a descida íngreme que se perdia na névoa por larga distância. Em princípio, hesitaram em adentrar o ambiente nebuloso e sombrio, pararam para observar e depois seguiram com cautela. Pouco a pouco, o clima tornou-se gélido e silencioso.

A acentuação do terreno os fez caminhar lenta e tortuosamente; havia pedras pelo caminho. Doto foi à frente no intuito de revelar sua coragem e demonstrá-la aos absários, mas surpreendeu-se com o aspecto fantasmagórico dos próximos metros. Não havia grama, nem arbustos, nem folhas, nem qualquer vegetal que pudesse representar a vida. Tudo era morto e abandonado. O chão oferecia terra batida e seca, com rachaduras e pedras. A visibilidade era quase nula em decorrência da neblina.

Gradativamente, o silêncio foi roubando a coragem e trazendo um sensível zumbido que incomodava e provocava arrepios. Os guerreiros seguiam cobertos de receio, pois apenas podiam orientar-se pelo som do estalo seco de galhos e de algum resto inseguro de pedras que, aos poucos, tornavam-se escassas. Mais adiante, o chão uniformizou-se em uma textura limpa, sem galhos, mas irregular, deformado, esculpido em canaletas e montes na terra, tortuosamente modelados.

Nesse momento, Doto reparou que o som dos passos diminuiu, como se os absários estivessem mais lentos, se afastando. O som foi se perdendo até que parasse por completo. Ele, então, resolveu averiguar o que havia acontecido, retornando o caminho e evocando o nome dos guardiões num tom desconfiado e inseguro. Nada foi respondido.

Preocupado, Doto esticou os braços no intuito de encontrá-los pelo tato em meio à neblina densa. Logo um gemido sutil, vindo da direita, orientou-o para a direção correta. Ele seguiu o eco por quatro metros e sentiu as pontas de seus dedos tocarem a textura franzida das penas, em que concluiu serem asas de um absário. A asa não se mexia, Doto estranhou e resolveu apalpar o prolongamento do membro até perceber que o indivíduo estava deitado, com asa erguida e paralisada, como se estivesse empalhada.

- Deplório, é você? - Perguntou Doto, aproximando-se da face.

Tornou-se evidente a voz de Deplório, tentando recuperar o fôlego, cuspindo as palavras de forma abatida e agoniante.

- Saia daqui! Continue a descer.

Aquelas sílabas uniram-se com dificuldade, mostrando sufoco e dor. A expressão mal identificada de Deplório era pálida, tinha o rosto muito suado e apreensivo. Doto agiu prontamente tentando levantá-lo pelo antebraço, mas sua mão escorregou no suor e não conseguiu erguer o peso do absário, que, em seguida, recuou o membro bruscamente e gritou:

- Saia daqui, seu tolo!!! Desça, encontre a casa. Não podemos acompanhá-lo, o austeiro... - Respirou. - O austeiro está nos atordoando.

Doto ficou assustado, a pressão psicológica daquilo o fez travar qualquer movimento durante alguns segundos, nos quais ele sentiu uma mão trêmula agarrar-lhe a canela direita. Surgiu Tuí, então, arrastando-se ao solo próximo aos pés dele, dizendo de forma angustiante:

- Doto, deixe-nos! Acabe com o austeiro, ele está destruindo nossas mentes.

Doto ficou apavorado, nunca tinha visto os absários em uma situação tão desesperadora e apenas se mexeu depois que foi empurrado por um chute de Deplório; continuou a descer. E estava sozinho, gerenciado apenas por sua sorte e conhecimento. A adaga era a única ferramenta que ele tinha para se defender, não sabia o que enfrentaria.

Meio desorientado, o borveniano desceu até atingir uma parte mais plana do terreno, onde a terra ficava mais macia e úmida. A visibilidade continuava nula, ele não podia enxergar sequer um palmo a sua frente. Em um único passo, pisou no vazio e afundou.

Pisara em um pântano que o cobriu até a cintura. Atingira a parte mais baixa da planície, que trazia ali muita lama. O cheiro era insuportável, lembrava a podridão, a decomposição. Felizmente, ou infelizmente, a neblina agora estava suspensa a cerca de um metro da superfície pastosa e possibilitava a observação plena.

A lama era pegajosa e escura, o que tornava a movimentação lenta. Doto pensou em voltar, mas seu instinto determinado o induzia a prosseguir, pois não havia outro caminho senão o imenso pantanal. A planície alagada se estendia por cerca de quinhentos metros a frente e abrangia uma área indefinidamente extensa para as laterais de sua posição. Ele não podia parar, precisava salvar a vida dos absários, destruir o austeiro.

Seguiu com muita dificuldade nos primeiros metros, desejando que tudo acabasse logo. E o pessimismo surgiu. Uma sensação terrível que deplorava a mente e arrancava as emoções; aquela apatia fúnebre que o transformava em carrasco de seu próprio corpo. E as cores empobreciam diante de seus olhos, alimentando a morte iminente e a putrefação que o sondava. De certo, aquela sensação não provinha de seu interior, era sim uma ação do meio ou de alguém que pudesse estar atormentando seus sentimentos.

Era possível ver alguns galhos retorcidos flutuando. Ali não havia felicidade, nem luz, nem vida. Era um local escarrado pela natureza, apodrecido pelas trevas. E tudo era decadente. O aspecto esverdeado do pântano sugeria a doença, a decepção máxima. Era uma localidade insalubre, nojenta, envelhecida e defecada pela solidão. Porém, mesmo sob esses efeitos intimidadores, Doto prosseguiu.

Alguns minutos o moveram dali para um local mais profundo do lamaçal, onde o musgo batia-lhe no peito. Observando ao redor, percebeu que estava, na verdade, em um gigantesco cemitério, onde muitos animais mortos jaziam sobre a lama. Havia pássaros, capivaras, cães e outras espécies parcialmente afundadas. Alguns bichos ainda sendo consumidos por moscas, outros já cadavéricos, com os ossos aflorados. O cheiro infecto de carniça era avassalador, feria com violência as narinas.

Muitos insetos sobrevoavam o pântano, aproveitando-se da carne em decomposição e depositando seus ovos nos restos mortais. O barro invadia os calçados de Doto e impregnava sua roupa de forma asquerosa, causando-lhe asco e repulsão. Ele pisava sobre objetos grudentos, pastosos e, às vezes, sobre ossos, que acabavam por dar-lhe apoio para andar.

Uma variedade de insetos começou a sobrevoar sua cabeça, aguardando a morte, que ofereceria carne fresca. Doto tentou espantá-los, mas seus movimentos eram muito limitados, assim, mosquitos arrancavam sangue de sua nuca enquanto as moscas o sondavam na esperança de ele tombar. Ele apenas lutava para continuar.

E o mal-estar ia-se acentuando, provocando dor, desgaste, tristeza e desespero. Doto agonizava a cada passo e gemia de cansaço e desconforto. De todas as sensações que assombravam sua mente, uma se distinguia: uma profunda angústia que o desmoralizava, tentando fazê-lo desistir, entregar-se. Mas era tarde demais para voltar, avançara muitos metros no atoleiro, seu destino estava ali.

O céu coberto de nuvens começou a despejar uma chuva moderada e hostilizou o meio com alguns relâmpagos, que espiavam a ação de Doto a cada brilho trovejante. Nada poderia pará-lo, o jovem daria a vida buscando o austeiro.

Tudo parecia piorar, a lamaceira tornou-se mais funda e envolveu-o até o pescoço. Ele entrou em pânico, lutando para não ser asfixiado pelo lodo. Eis que uma imagem gotejou esperança em seus olhos: ao fundo, distante cem metros, avistara uma casa.

Doto, em princípio, não a viu muito bem, pois seu corpo logo fora engolido por completo, sem que pudesse respirar. A lama movediça o sufocava e seus movimentos eram lentos e rígidos. Após alguns minutos de labuta, ele atingiu uma parte mais rasa do pântano, onde emergiu pouco a pouco e, assim, tomou fôlego desesperadamente. Em um relance rápido distinguiu uma construção de porte considerável com paredes de madeira.

Era uma casa alta, sustentada por troncos velhos de árvores. O telhado era feito de telhas antigas, com musgo e raízes secas que invadiam também as paredes. Espantosamente, estava erguida sobre uma pequena parcela de terra em meio à imensidão de lodo; tinha um aspecto ilhado. No seu íntimo, Insólito perguntava-se como alguém poderia sobreviver naquele local.

Doto, nesta hora, podia apenas pensar em atingir o solo, descansar, abandonar aquele lamaçal. Mas algo veio a atormentá-lo mais intensamente: uma forte dor de cabeça uniu-se ao pessimismo e tornou o som agudo que o perturbava mais estridente e constante. O espaço foi cerrando e trazendo um cenário cada vez mais deprimente, havia corpos humanos apodrecidos, exalando uma cadaverina pútrida que o fazia sufocar.

E quando chegou a terra firme, arrastou-se até a parede. Não suportava mais, sua dor havia chegado a um estágio absurdo e que se somava a um aperto no peito capaz de fazê-lo estrebuchar no chão. Entrava em um confronto com seu próprio corpo.

Esse conjunto de sensações durou alguns segundos de desespero, depois foi se esvaindo. Doto aliviou-se ao abandonar a dor, ao respirar normalmente e ao poder raciocinar. Percebeu, então, que aquilo realmente não vinha de seu corpo, era algo externo, um domínio alheio. Ele sentia a presença do austeiro, sabia que estava por perto, muito perto.

Estava chegando a hora... Doto, após ganhar lucidez, levantou-se, tirou o excesso de barro do corpo, sacou a adaga e partiu para dentro da casa. O chão era de ladrilhos de pedra, na cor cinza, havia folhas secas espalhadas por toda parte e raízes nas paredes. Constituía somente um cômodo, que trazia, no interior, seis colunas grossas e retangulares de madeira, alinhadas perfeitamente, três a três em cada lado do local. Não havia janelas, nem móveis, nem qualquer objeto senão folhas secas e galhos mortos. Havia sim, muitos insetos sobrevoando o ambiente.

Pairava um clima majestoso e imponente, sugerido pelo tamanho da casa e tipo de construção. Ao fundo do recinto, a cerca de vinte metros de Doto, havia alguém. O momento tinha chegado, ele enfrentaria seu pesadelo!

Ali havia a "coisa". Ali os olhares perdiam o brilho, ali reinava a dor. Em pouco tempo extinguia-se a felicidade e a morte acariciava a alma. E a luz era engolida pelo apetite pútrido das sombras. O vento soprava como o grunhido de porcos, berrando na lama ao serem destrinchados. Por fim, o medo envolvia quem ali estivesse, despindo a serenidade e afugentando a vividez.

Todo capricho dos negros olhos de Doto findavam-se no susto. Não parecia um homem, era sim uma criatura isolada do mundo, condenada por sua aparência. Estava sentado em uma cadeira velha, colocada em cima de um palanque; tinha nos olhos o desânimo interminável do sofrimento e colecionava nas pupilas o vazio e o ofuscamento. Singulares olheiras marcavam-no a face e exprimiam o desgosto. As unhas do homem estavam apodrecidas e sujas.

Tinha a pele extremamente pálida, sem pelos, e um corpo muito magro que deixava à mostra as costelas. Os lábios estavam feridos e escondiam os dentes careados e tortos. O homem estava nu e paralisado, focava sua visão unicamente no chão, aparentava estar doente e debilitado. A pouca luz que adentrava o santuário colidia com o perfil macabro da criatura.

Doto, depois de travar o primeiro contato, não hesitou, sabia que se tratava de um austeiro, pois sua Eustase lhe contava isso com uma intuição muito mais que precisa. Por essa certeza, correu furiosamente na direção do inimigo, com a adaga nas mãos, deixando um rastro de lama pelo centro do templo.

Os atos seguintes configuraram-se muito rapidamente, de forma que, quando ele vencia os vinte metros que os separavam, suas pernas afundaram subitamente. Em princípio, pensou que havia pisado em um buraco ou algo semelhante, mas, ao observar seu corpo, notou que o chão amolecera sob seus pés, tornara-se uma pasta. Aquilo era surreal, inacreditável, porque o chão era de pedras e tinha excelente rigidez. O evento ultrapassava o limite de sua compreensão.

A explicação para aquele efeito não se podia extrair da racionalidade, estava embasada em um ato supremo de domínio da Eustase, ao qual o pensamento humano não encontrava deduções lógicas. Era, acima de tudo, uma simbologia pútrida do que se passava na mente perturbada do austeiro, autor de toda desgraça.

Brotou-se um pavor gélido no temperamento de Doto, que promoveu uma reação imediata, mas inútil. Ele tentou mover-se para frente, mas não dispunha de apoio nenhum, pois o piso amolecera de forma tão maleável que se tornava infinito em sua profundidade. E mesmo que ele buscasse a laje seguinte, não podia firmar-se, pois ela se derretia entre seus dedos instantaneamente.

Por uma decorrência complexa dos desejos do austeiro, o chão endureceu novamente, imobilizando Doto até a cintura. Sua adaga havia se emoldurado no piso, assim como suas pernas e quadris. Estava, portanto, à frente do sujeito, à mercê de seu apetite mental. E da coragem fez-se o arrepio e do arrepio a sujeição. As pupilas de Doto dilatavam-se sobre a imagem do quasímodo.

E o pobre jovem, de apenas dezoito anos, recheava sua aparência com o jeito de infância ao lacrimejar imaturamente. Tinha daquele momento as piores expectativas que um homem poderia imaginar sob pressão, tudo marchava para o abismo sombrio da morte e ele era uma simples vítima, implorando por piedade a cada piscar de olhos.

Dessa circunstância nasceu um estranhamento profundo baseado na atitude seguinte do austeiro. Um fio frágil de pensamento envolvia Doto por algum tempo, fazendo-o ficar atencioso e entorpecido como um bovino na eminência do abate. O indivíduo, muito lentamente, ergueu a cabeça para a direção de Insólito, apontando seu olhar venenoso, e disse-lhe:

- Por muitas noites esperava a sua presença.

Nesse instante, Doto sentiu um cheiro putrefato proveniente da boca do austeiro. Era um hálito forte, empesteado, sufocante, que trazia aos sentidos o desespero e a agonia. A voz era rouca, grossa e trêmula, o que deixava evidente a debilidade e o desabar das emoções.

- Surpreende-me por ter chegado até aqui. - Continuou. - Sabe... Há muito não contemplo a vida como deveria, não vejo mais brilho nas coisas, não por elas terem o perdido, mas por se tratarem de uma junção inútil de matéria, apodrecendo sob o fútil comando do homem. Todavia, algo me leva a crer que existe luz e finalidade no sentido humano, e isso me induz a poupar o falecimento da mente e do corpo. Para mim, é tarde para buscar o calor do destino, pois ele desmoronou minha felicidade e se desfez sob meus pés. Agora, tudo o que me resta é ceder-me para a natureza e deixar que ela dilacere meu corpo.

Doto tinha sua atenção amarrada àquelas palavras, mas não tirou delas grande significado, ainda estava assustado e temia a morte como a luz teme a sombra. O desencadear garganteador da voz sugeria as trevas, o tormento, a perturbação louca de um delírio. E ele tornava a proferir:

- Todos carregamos uma doença! Ela apenas precisa ser aflorada, manifestada, para que se interpretem os caminhos indecifráveis do pecado. Eu sou a morte, eu sou a carne, hei de lançar o sofrimento para que arranque da vida algo de útil.

E sugerido aquilo, Doto sentiu seu corpo arder e apertar-se sobre si mesmo, como se seus órgãos inchassem e pressionassem uns aos outros. A dor foi subitamente forte e deixou-o atordoado, pois não conseguia respirar e seu coração desacelerava o ritmo dos batimentos.

Seu corpo implodiria se permanecesse por muito tempo naquela situação, mas algo veio a aliviá-lo: Deplório e Tuí surgiam na entrada do templo. Ele não os via, mas sentia a presença, incitada pelo irradiar da Eustase. Provavelmente, aproveitaram que as energias do austeiro tinham se desviado para Doto e voaram por sobre o pântano para chegar ao local. Logo, a estimativa foi comprovada pelo brado ecoante de Deplório:

- Interrompa isto, ignóbil!

E o corpo de Doto apaziguou-se pela distração do austeiro, que apenas movera seus olhos mortos para a entrada do santuário. Houve uma pausa curta, de poucos segundos, em que nada se movia senão os dedos cadavéricos do inimigo, sequenciando o som de uma cavalgada com as unhas chocando-se na madeira do assento.

Em seguida, Tuí e Deplório correram vorazmente na direção do altar, preparando, no caminho, as armas para que fossem empregadas. Em um susto repentino, os dois absários ultrapassaram Doto e vieram a afundar no chão como ele, dois metros à frente. A espada de Deplório escapara de suas mãos e deslizara até ser retida na elevação do altar. Tuí resguardou-se com o arco e a flecha, já preparada no fio, e não perdeu um só segundo. De forma quase simultânea à imersão nas pedras, a flecha rasgou o ar tão velozmente quanto um trovão, mas, curiosamente se desmanchou no ar a poucos centímetros do austeiro, desintegrando-se, tornando-se pó.

Tuí insistiu buscando outra flecha no compartimento da armadura, mas ela se desfez, esfarelando-se subitamente na mão dele. Então, havia também dois absários delegados a vontade do austeiro. E tudo parou ali: formou-se um teatro irônico de submissão. Ali os poderosos guerreiros recolhiam-se à fraqueza e à fragilidade.

O austeiro tinha muita cautela e lentidão em seus movimentos, e disso tirou palavras proporcionalmente calmas, que se mantinham constantes em seu tom e enchiam-se de grandeza:

- Vejo que trouxe seus amigos, Doto. Sua tolice é generosa para meus famintos desejos de morte. Tomá-los-ei como propriedade minha e deles farei bom consumo.

Soaram firmes e equilibradas as palavras, que antecederam uma pausa. Então prosseguiram os decretos:

- A você, Tuí, por sua insolência, concedo o sabor amargo da morte. Há de interpretá-la quando o câncer tornar insustentável a fútil carne da vida. Seus órgãos por ele serão envolvidos e sucumbirão no apodrecer dos ânimos. Cultives tua dor até que não possas mais levantar-te e presenteie os vermes, eles hão de fazer bom proveito de tuas tripas.

O austeiro os tinha nas mãos como marionetes, aos quais poderia manipular livremente. Ele sabia o nome dos absários, tinha em sua maneira o majestoso domínio, tanto da matéria como da mente de cada um deles. E proferiu:

- A você, Deplório, por sua ousadia, contemplo-te com algo distinto e angustiante. A simples falência da matéria não há de ser suficiente para alguém como você. Sinta um pouco do que o homem sente, mas não saboreie por inteiro. Por vezes é mais rude e cruel querer e não poder do que jamais tocar os sentimentos humanos. E para que se lembre de mim, terás como sequela um dia de dor a cada trinta dias e trinta noites. O pior sofrimento não é aquele que arrasa e finda as coisas em um piscar de olhos, e sim aquele que o degenera e regenera, para que sua voz ecoe nos corredores do martírio.

E expostas aquelas ideias, as paredes tremeram, sacudiram como se estivessem sendo abaladas por um breve terremoto, mas tudo cessou rápido, e novas proposições foram feitas:

- E a você, Doto, por sua pureza e ingenuidade, concedo a escolha, para que decida acabar com tudo isso ou deixar que seja consumido por sua Eustase. Busque em seus atos a luz próspera que ainda pode prevenir o caos. Todavia, se deixar o tempo soprar, terá dele toda corrosão e aspereza que o levará à morte prematura.

Quando essa situação foi arquitetada, o chão tornou a ceder-se e empastar-se, somente na posição de Doto, permitindo que ele buscasse alguma firmeza para emergir do piso.

- Mate o austeiro, Doto! – Gritou Deplório.

Doto, assim que ficou de pé, pegou sua adaga e adiantou-se até o trono em que a besta se encontrava. Seu ato foi predominantemente impulsivo, orientado por seu reflexo de combatente. A esse estímulo natural foi acrescido o desespero que os absários exprimiam com os gritos e gemidos de dor.

A agressão foi rápida e destrutiva, Doto agiu com muita insegurança e imaturidade, o que concretizou um retrato violento e caótico. O fio da navalha penetrou com facilidade a pele do inimigo, inserindo-se no pescoço, de cima para baixo, com certa inclinação que possibilitou à lâmina rasgar derme, epiderme, tecidos, veias, artérias e atravessar também o coração, pulmão e estômago, vindo a aflorar na lateral esquerda do tronco do austeiro.

O sangue espirrou escassamente no rosto de Doto, depois começou a transbordar em grande quantidade. Doto ficou alguns segundos parado, estava chocado pelo estrago que havia provocado naquele corpo e pela facilidade com que a adaga havia encravado. Passado o susto, Doto puxou rapidamente a arma e viu jorrar do ferimento um jato de sangue exuberante.

Nesse momento, acompanhado dos últimos suspiros do austeiro, a estrutura do santuário abalou-se como estimulada por um sacolejo do solo. E o chão voltou a amolecer onde Deplório e Tuí estavam, libertando-os.

Doto ficou muito assustado, pois o teto começou a se esfarelar incitando um desabamento. Os absários pegaram suas armas e afugentaram-se muito rapidamente para o fundo do recinto, carregando Doto. Em poucos segundos, houve o desmoronamento, iniciado na entrada do templo, onde o teto cedeu destrutivamente puxando também as paredes.

O desastre conteve-se aproximadamente no meio da casa, mantendo a região onde os guerreiros estavam ainda coberta. Mas o tremor tornou-se mais forte e fez com que tudo sacudisse intensamente. Isso gerou um desequilíbrio muito grande em Doto, que caiu perdendo totalmente a noção de espaço. A confusão o impedia de ver o cenário a seu redor, de forma que a única coisa que visualizou foi o teto imediatamente acima dele vir abaixo com uma das pesadas colunas de madeira, que tombaria exatamente sobre ele.

Doto, nesse momento, apenas fechou os olhos e contraiu-se, pois não havia tempo hábil para deslocar-se. E quando a morte parecia se aproximar, Tuí veio salvá-lo. O absário postou-se a frente dele, voltado para seu rosto, e sustentou em suas costas o impacto do tronco. O choque fez com que ele se agachasse sobre o corpo do camponês, mas ainda suportando o peso da madeira.

Ali se fixou por alguns instantes a cena fantástica da força física. Por mais que as pernas de Tuí tremessem muito, ele segurava todo o peso da coluna mantendo-a suspensa em uma extremidade enquanto a outra se assentava ainda no chão. Quase simultaneamente, muitas telhas desprenderam-se e vieram a agredi-los. Doto foi atingido por elas e ainda por alguns pedaços de madeira, mas Tuí foi quem sofreu maior ferimento, pois um fragmento pontiagudo de telha acertou-lhe a nuca, cortando-a.

Em meio à desordem, Doto escapou rapidamente para o lado, onde a coluna não o esmagaria. Tuí, então, largou a estrutura fazendo com que ela destruísse a parede sobre a qual pendia. E o tremor cessou por um curto período de trégua, no qual os absários e o jovem guerreiro evacuaram o local pelo buraco na parede. Deplório não sofrera grandes machucados, apenas arranhões e alguma contusão.

E, dali, rumaram cegamente para a lama, que cercava o santuário por todas as direções. Sentiam ainda o solo incerto tremer enquanto se distanciavam seguindo para oeste. E quando Doto se sentiu suficientemente protegido, olhou para trás e presenciou um último abalo desmoronando as paredes restantes, que eram, assim, engolidas pelo charco.

Ali cessavam os tormentos, que haviam atordoado a mente deles e inserido a trágica semente da angústia e do sofrimento.

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