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O lapso mental


Abandonaram o pântano ao seguirem para Oeste, na pretensão de atingir o oceano. O santuário, a lama e a escuridão não apenas deixou os viajantes cansados, mas também traumatizados. Arrancou-lhes um pedaço da vida, um pouco de cada brilho interior. Tinham-se, então, três indivíduos vencendo os últimos metros de musgo. Podados em suas alegrias e corroídos pelo sabor amargo do pessimismo.

As nuvens densas que cobriam o pântano despediam-se com longínquas trovoadas e deixavam surgir algum céu do entardecer. Já no fim da planície, o terreno era gramado e mamelonado, conforme as características de Trenália. À direita de onde eles estavam, erguiam-se as montanhas, as quais eles teriam que contornar pelos sopés até chegar ao oceano.

O cansaço os fez parar em uma colina. Eles estavam muito sujos, enlameados, com fome e com sede e os suprimentos que carregavam perderam-se no lamaçal, assim como a saúde e as boas emoções. Carregavam apenas algumas armas: a espada de Deplório, o arco de Tuí e a adaga de Doto. Tudo o que lhes restou foi o sentimento inesgotável de tristeza, pois estavam apáticos e moribundos.

Doto percebeu que os absários tinham a aparência abatida. Não se tratava somente de desgaste físico, estavam adoecendo, sucumbindo cada qual à sua enfermidade. Tuí estava pálido, vomitou ali três vezes, pondo para fora tudo o que comera na última refeição. Deplório tinha no corpo diversas manchas que provocavam pequenas fissuras na pele e às vezes sangravam. Os sintomas evoluíam numa velocidade absurda.

- Doto, não nos resta muito tempo. - Disse Deplório ofegante. - Em breve deixaremos este mundo e estará sozinho. Precisamos que cumpra seu destino.

Doto o olhou com piedade e perguntou:

- Mas... O que devo fazer? Para onde devo ir?

- Não se preocupe com isso, você saberá. Apenas peço que se esforce para impedir a Ilounastia, ela está dentro de você.

Doto sentiu medo ao cogitar a ideia de ficar sozinho, por mais que já reconhecesse suas habilidades de guerreiro. E tudo tendia para as palavras vazias de Deplório... Tuí acabava de vomitar novamente. Aquele estado insalubre do organismo levaria os dois absários à morte.

- Existe alguma forma de cura? - Perguntou Doto.

- Não, estes são os propósitos indecifráveis da vida, nosso destino é a morte! Talvez esteja na hora de expurgarmos nossa essência. - Disse Deplório.

- Como assim? O que significa isso?

- A natureza dos absários é permeada pelo sacrifício. Somos guardiões do Vale e possuímos uma parcela de nossa energia conservada no corpo. Esta porção de Eustase é chamada de Elementarie e é a parte essencial da existência. Consumi-la significa levar a mente à extinção. Se empregarmos esta grandeza, poderemos retardar os sintomas das doenças e aumentar nossa resistência física, porém, morreremos em seguida.

- Vocês vão usá-la agora?

- Apenas no momento apropriado.

Tuí parecia estar em piores condições, pois o câncer se espalhava muito rápido e logo chegaria a seus órgãos vitais. Já Deplório, apesar de sofrer com alguns sintomas incomuns, tinha rigor físico considerável. Apesar disso, sabia que as palavras do austeiro não tinham sido em vão e aguardava com resiliência seus dias de tortura. Nem ele sabia quando ocorreria sua primeira crise, inserida nos trinta dias e trinta noites. Sobre o sentimento humano... não sabia o que era aquilo.

Doto ficou sem o que dizer, imaginando como seria a sensação de decretar a própria morte, por isso, apenas lamentou e deixou o sono o abater. Antes de adormecer, olhou uma última vez para a lâmina da adaga, estava escurecida quase que por completo e apresentava algum brilho negro. O cansaço boicotava qualquer pensamento, impedindo-o de sonhar, de alimentar-se nas fugazes lembranças de Eliff. Seu organismo apenas queria recuperar as energias e o ânimo.

A noite contemplou o céu com muitas estrelas e luas cheias. Nessa época do ano, elas, as Gêmeas do Brilho, se alinhavam, formando um todo luminoso e exuberante. Mãe e Filha, como a elas costumava-se referir, se encaixavam de forma quase perfeita, expondo beleza e fascínio. Amorteciam-se os pesadelos.

* * *

Durante a madrugada, Doto foi acordado. Deplório o sacudia insistentemente.

- Acorde, Doto! Precisamos partir; alguém está nos observando. - Disse ele sussurrando.

O jovem pôs-se logo de pé, assustado, olhou ao redor, mas não viu nada de anormal. Esfregou os olhos, tornou a observar.

- São os cavaleiros do Norte. - Cochichou Tuí, enquanto se levantava.

- Iremos para a encosta. - Disse Deplório em baixo tom.

E, sorrateiramente, os guerreiros organizaram-se e partiram, mesmo estando sujos e famintos. Viajaram durante a noite pelas cristas das colinas e atingiram as montanhas ao amanhecer. As armaduras deles estavam recheadas de lama, o que as tornava pesadas. Ainda bem cedo, encontraram um riacho que provinha de grandes alturas e desaguava ali brotando das pedras.

Quando Doto avistou o pequeno fio d'água surgindo das rochas, correu rapidamente para beber, estava há muito tempo sem ingerir líquidos. Deplório e Tuí também beberam. Todos aproveitaram para lavar-se também sumariamente, apesar da pouca quantidade de água. Havia uma árvore pequena por perto, que trazia algumas frutas vermelhas, as quais Deplório afirmou serem comestíveis.

Pareciam pequenas uvas, separadas em cacho, bastante avermelhadas e de sabor azedo. A alimentação foi de bom uso para Doto e Deplório, mas, para Tuí, não fez diferenças significativas, pois, logo após consumir as frutas, vomitou novamente, expurgando-as.

Terminado o tempo de recomposição, o grupo seguiu pelo sopé da montanha. Não podiam parar, pois sentiam os inimigos no encalço. Nessa região, as rochas erguiam-se irregulares, apresentando dobras peculiares que, muito provavelmente, originaram-se de efeitos sísmicos recentes, já que aquela área era bastante instável. Quando eles se aproximavam das pedras, sentiam exalar calor, pois na contra encosta havia alguns vulcões.

E novamente o tempo acompanhou a distância na jornada. O mau estado de saúde era um agravante, principalmente para Tuí, que tinha seu organismo fragilizado. Surgiram outros sintomas como tosse, febre, fraqueza e tremedeira. O câncer o envolvia velozmente e fazia com que ele perdesse peso e assumisse uma aparência degradada.

Deplório aparentava um cansaço insalubre que lhe aborrecia o corpo e o deixava lento até mesmo no andar. As manchas na pele se alastravam pelos braços e cabeça. Num dado instante, o destino os abateu e as agressões fisiológicas os impediu de prosseguir, já que Tuí não conseguia mais andar direito.

Pararam num terreno inclinado, com o chão e as paredes de rochas muito duras. Havia uma canaleta esculpida por algum desmanche pedregoso ou um desabamento, no qual Tuí sentou-se e permaneceu abatidamente encostado à parede. Tornou a golfar, cuspindo toda água que havia bebido. Ficou desidratado. Mantinha a respiração ofegante e a cabeça baixa, concentrava-se em suas mãos trêmulas. Deplório e Doto o observavam, monitorando seus sintomas.

Daquela circunstância nasceu a descrença e um desânimo infindável que lhes tomava toda estima sobre o futuro, não sabiam quanto tempo mais suportariam as ofensivas da doença e quando seria necessário usar a energia Elementarie. Doto, que aparentemente não contraíra nada senão gripe e fraqueza, também chegava ao seu limite corporal, pois seus pés feriram-se na caminhada e o corpo cedeu à exaustão muscular das pernas.

E por ali ficaram, calados, agonizando sob o sol, esperando que algo os motivasse para prosseguirem na viagem. Ainda havia uma distância considerável que os levaria para uma cidade chamada Veleiros, localizada na vertente das montanhas voltada para o oceano.

Era um município bastante populoso, sem muros nem barreiras em seu perímetro, pois isso facilitava a grande circulação de comerciantes que vinham dos mares. Servia de cidade intermediária para a rede comercial, já que se localizava em terreno propício a passagem de carroças de transporte e acolhia boa parte das estradas convergentes. Dispunha ainda do único trecho que ligava à região portuária.

Nesse local vivia o último austeiro, segundo Deplório, e dali seguiriam para o oceano, onde embarcariam em um navio veleiro. Infelizmente, essas intenções tornaram-se incertas. As projeções de seus ideais apagavam-se diante da dor, do sofrimento. E Doto, não suportando seu próprio peso, sentou-se ao chão, de frente para Tuí, enquanto Deplório permaneceu de pé, voltando-se para o vale de Trenália.

A trilha que haviam tomado nas encostas começava a subir naquela localização, projetando uma grande corcova que traria, na melhor das hipóteses, a imagem do mar no horizonte, antecedida por Veleiros. Mas Doto não podia pensar em nada que o aliviasse, apenas queria que a dor se extinguisse.

E olhando para o alto das rochas, frente ao imenso paredão pedregoso, suspirou diante do calor do sol. De repente, por acaso, notou duas sombras projetarem-se nas pedras, explicitando as formas de dois absários. Rapidamente ele olhou para trás e espantou-se com os cavaleiros do Norte perdendo altura em direção à posição onde estavam. Deplório parecia já os ter visto. Logo os inimigos pousaram no solo a cerca de vinte metros deles.

O contato foi diferente dessa vez, pois não havia pressa nem agressividade no caminhar dos inimigos. Eles vinham calma e lentamente, deixando apenas que o vento cantasse seu sopro e transportasse o som das armaduras durante o movimento. Mesmo diante dessa calmaria, Doto pôs-se de pé imediatamente, sacando sua adaga. Deplório também desembainhou sua arma, mostrando o aspecto celestial da espada. Tuí, quando ergueu sucintamente a cabeça e os avistou, preparou uma flecha no seu arco, ali mesmo, sentado. Embora ele estive ainda com muitas delas na aljava, sentia-se capaz de executar apenas um disparo.

Os inimigos estacionaram-se a cerca de três metros deles e aliviaram seus armamentos. O da esquerda descansou sua lança dourada apoiando a parte argolada no chão; o da direita deixou correr sobre os dedos a corrente que se fixava na massa. Imóveis, permaneceram por alguns segundos ali, tempo suficiente para que Doto distinguisse os detalhes das armaduras.

Contemplavam modelos idênticos, os mesmos que trajavam tempos atrás. Elas traziam uma cor prateada e cósmica, com detalhes dourados que as faziam hostis pela rigidez e pela arquitetura excelentemente desenhada. Elmos prateados cobriam-lhes a cabeça, deixando transparecer apenas os olhos por traz da viseira. Ainda tinham nos pés aquelas botas de couro revestidas de ferro no calcanhar, as mesmas que esmagaram a face de Deplório. As asas projetavam-se abertas no céu azul.

O sujeito da esquerda, que repousava a mão na lança afiada, retirou o elmo; tinha, no outro braço, um escudo redondo, de aço, entalhado em alto relevo. O segundo absário agiu a exemplo deste. Doto examinou os dois rostos e deles levantou os possíveis estereótipos de personalidade, percepção decorrente de sua aguçada manifestação eustásica.

Sua mente interpretou as expressões sádicas e psicóticas deles como uma ameaça enlouquecida por morte e violência. Ambos esboçavam um sorriso irônico, ganancioso, que exprimiam deboche e vitória. As características físicas de suas faces apresentavam boa integridade, apesar das rugas que lhes inseria meia idade. Aquele que carregava a lança tinha os olhos amarelados, cabelos lisos e loiros com o corte em forma de cogumelo. O outro aparentava ser mais velho, cultivava um cavanhaque e tinha os olhos fundos, marcados por olheiras. O azul profundo de seus olhos espelhava a face assustada de Doto e a seriedade de Deplório.

O silêncio foi quebrado pelas palavras sarcásticas do inimigo, que empunhava a lança:

- Vejo que andam bem de saúde. Às vezes cometemos erros irreparáveis, mas agora estamos lhes ofertando uma chance de sobreviverem. Suas armas estão em péssimas condições e seus corpos não vão suportar uma nova luta. Larguem o garoto, deixem que ele siga seu destino, e assim pouparemos suas vidas.

- Cale-se! Suas palavras não têm lugar aqui! - Respondeu Deplório, rispidamente.

E pronunciado aquele pequeno diálogo houve uma pausa curta em que todos abriram mão dos sorrisos e fecharam suas expressões. Doto ouviu o som dos dedos de Deplório acocharem-se no punho da espada, incitando o combate. Em seguida, um conjunto repentino e entusiástico de atitudes transcorreu rompendo a calma e inserindo a confusão suprema. O absário que segurava a lança arremessou o pesado escudo de aço no rosto de Deplório, o choque foi forte suficiente para derrubá-lo no chão instantaneamente.

De forma sincronizada, Tuí, que ainda permanecia sentado na canaleta, disparou sua flecha. O ato foi tão rápido como um "flash" e a haste de madeira rasgou o ar por cima de Deplório, enquanto ele caía. Aquela disparada estava muito longe de ser imprecisa e mal calculada, tinha sim, em sua trajetória, a perfeita mira de Tuí que, mesmo doente, fez com que a seta perfurasse o ombro do cavaleiro do Norte exatamente em uma brecha de poucos centímetros da armadura.

Milésimos de segundos depois, Doto foi surpreendido pela corrente do outro absário, que se esticou diante de seus olhos quando a massa foi lançada na direção de Tuí. Os fatos se desencadearam tão fugazmente que a última imagem captada por Doto foi a de Deplório, com o rosto ensanguentado e o escudo de aço no chão. Depois disso ele sentiu uma forte pancada na nuca que o deixou inconsciente.

* * *

E no mais distante dos pensamentos materializou-se a forma de uma mulher. A imagem nebulosa escondia a natureza exuberante daqueles olhos dourados. E o perfume que exalava só poderia pertencer a mais bela das moças. Doto satisfazia-se na fantástica visão de seus sonhos: Eliff soprava o amor, o conforto, a maciez.

Quando acordou, não pôde crer no que acabara de acontecer. Não seria possível, nem justo, expô-lo a tremendo paradoxo. Como poderiam as flores tornar-se espinhos secos? Por que tão subitamente? Nada poderia explicar a transição de seu imaginário para a áspera realidade.

Agora Doto experimentava das mais obscuras sensações, do cheiro ofensivo de suor, do terrível gosto de ferrugem em sua boca ensanguentada. Acordava com a visão ofuscada, sedenta por luz, e ela fugia deixando apenas algumas frestas surgirem das rochas.

Estava em uma caverna muito escura que arranhava seus ouvidos pelo eco prolongado dos suspiros. Sentia dor na parte de trás do pescoço. Ao tentar tocar o inchaço, percebeu que suas mãos estavam atadas nas laterais da cadeira em que estava sentado. Seus pés também estavam amarrados e todo equipamento e a adaga ausentaram-se de seu corpo. Eles estavam em um abrigo construído por viajantes e comerciantes locais, provavelmente utilizado para pernoitar. Os cavaleiros do Norte aproveitaram-se do espaço.

Estava frio e o medo o fazia sensibilizar-se. Ele tentou romper a corda que prendia seus punhos, mas não tinha força para isso. Sentia-se impotente, como uma presa, um inseto envolvido pela teia de uma horripilante aranha. Sua maior suposição era que tivesse sido capturado pelos cavaleiros do Norte, o que de fato havia ocorrido.

Nos momentos seguintes uma vela se acendeu. A luz alaranjada das chamas alastrou-se trazendo aos olhos de Doto os contornos incompletos de dois rostos ali presentes. Um dos absários andou alguns passos para socorrer o outro, que estava no chão, ofegante, suspirando, com a flecha atravessada no ombro direito.

Os dois mobilizaram-se para juntos puxarem o entalhe de madeira, que parecia estar bastante firme na carne do guerreiro. Enquanto tomavam esses procedimentos, pronunciavam algumas frases esquisitas, as quais se encadearam com sons arrastados; tratava-se de outro idioma. No esforço final, a seta abandonou o corpo do absário, arrancando-lhe sangue e um grito de dor abafado e contido.

Houve novos suspiros e o ferido pôs-se de pé com auxílio do outro. Começaram a retirar as armaduras e deram início a um diálogo realmente confuso, de sílabas que confirmavam a presença da outra língua. O ritmo e a articulação gesticular da boca deles causou uma nostalgia forte aos sentidos de Doto; já havia presenciado aquele som alguma vez em sua vida.

Forçando a memória, buscando em sua confusa existência, encontrou uma lembrança que definia sua intuição perceptiva. As características daquele dialeto assemelhavam-se a uma canção que, há muito tempo, havia sido pronunciada para ele. Isso se deu por ocasião do primeiro fato inusitado de sua vida, quando acordara em uma maca de ferro, amarrado, ferido, sendo puxado por alguém que cantarolava uma música macabra em seus ouvidos.

Essa recordação o fez deduzir que quem o capturara no passado fora, como dizia Deplório, um cavaleiro do Norte. Uma sensação de pavor envolveu seu ego, pois estava cara a cara com os tipos de criaturas que ele julgava serem os mais terríveis e violentos dos indivíduos.

Os momentos seguintes o fizeram penetrar cada vez mais nessa ideia traumática e assustadora, tudo pendia para as atitudes descontroladas e violentas daqueles absários. Quando eles terminaram de alijar suas pesadas armaduras e todas as armas, aproximaram-se de Doto, mantendo a conversa. Nessa hora eles o olhavam de maneira a examinar, como se estivessem estudando o estado de lucidez dele.

A assimilação do ritmo das frases, unida às expressões faciais dos absários, levaram Doto a deduzir do que se tratava, mesmo que falassem em outra língua. Pelo que percebeu, eles buscavam realmente checar o nível de consciência dele. Aquele que tinha olhos amarelos mostrou-lhe dois dedos, abanou a mão, observando se Doto os acompanhava.

A partir daí, o absário que possuía cavanhaque, virou-se e começou a procurar algo em uma caixa que estava próxima da vela. O outro se debruçou sobre Doto e apanhou violentamente seu queixo, comprimindo suas bochechas, sacudindo sua cabeça. Ao mesmo tempo, começou a falar em tom muito agressivo e nervoso, como se estivesse brigando. Nessa hora, Doto encheu seus olhos de lágrimas, naufragado em medo.

O absário gritava, aproximando sua face do camponês, como se buscasse uma resposta dele. Doto apavorou-se e ficou sem reação, já que não conseguia entender uma só palavra do que dizia. Então o absário olhou para o outro, disse algumas curtas palavras e voltou a sacudir a cabeça de Doto, dando, em seguida, um tapa em seu rosto. E de novo, e de novo, e de novo.

Quando Doto já tinha a bochecha avermelhada e o os olhos carregados de lágrimas, o absário fixou-o uma última vez, com o olhar sério e hostil, e pronunciou pausadamente uma frase não muito longa. Tornou a repeti-la por mais duas vezes, depois virou a cabeça para o outro novamente e entonou uma ordem.

Em seguida, seu auxiliar trouxe uma jarra com água gelada e a despejou sobre o rosto de Doto, enquanto o outro o segurava pelo queixo novamente. Doto se afogou e começou a chorar em seguida, sendo esbofeteado novamente pelo absário, que voltava a pronunciar a mesma frase anterior.

A cada tapa que ele desferia, pronunciava uma vez a frase e assim agia até que algo muito estranho ocorreu. De repente, as palavras começaram a mudar de tom, como se estivessem se transformando e tomaram corpo e estruturas conhecidas. Doto podia então entendê-las parcialmente, tirar algum sentido daquilo, por mais que não constituísse ideias perfeitamente lógicas.

O absário, percebendo a expressão de compreensão de Doto, parou de bater-lhe e apenas o sacudiu segurando-o pelos ombros, tornando a repetir a mesma frase. E aos poucos aquele período tornou-se familiar, dizia:

- Acorde, Doto! Saia deste transe mental!

E isso era repetido muitas vezes pelo absário. Doto podia entendê-lo e resolveu responder-lhe:

- Estou compreendendo! Estou ouvindo!

E tudo pareceu solucionar-se, o Absário projetou uma cara de grande espanto e perguntou:

- Consegue me entender? Está me ouvindo???

- Sim, estou!

O absário deu um sorriso natural, que exprimia muita satisfação e disse para seu companheiro:

- Fisto, ele acordou!

E o outro se aproximou com uma face de surpresa e susto, observando-o. Ambos direcionavam suas atenções para Doto. O absário loiro disse:

- Doto, meu nome é Irílio e este é meu companheiro, Fisto. Você precisa prestar atenção, nosso tempo é curto, apenas escute. Você tem vivido uma grande mentira, uma farsa estupenda em sua vida. Precisa depositar sua confiança em nós. Deplório e Tuí estão enganando-o e têm afetado sua mente há muito tempo. Eles utilizam processos de domínio de sua Eustase para tender sua compreensão para os atos deles, você tem estado em um transe mental administrado pelos desejos deles. Eles o induzem a acreditar no aspecto bondoso dos atos para ganhar sua confiança e levá-lo para Ectus. Esse homem fará uso de seu poder mental para causar a Ilounastia.

- Espere. O que vocês estão dizendo?

- Acredite em nossas palavras, Doto. Tudo foi minuciosamente planejado por eles, você está caminhando para a ruína de todo o Vale, eles estão te levando para Ectus, para que sua poderosa Eustase seja utilizada. Você precisa compreender e cessar sua viagem, eles o levarão para o inferno e farão de sua mente uma máquina de destruição. Interrompa seus homicídios, fuja para bem longe, jamais deixe que Deplório e Tuí levem-no para o abismo de sua consciência. Eles estão se passando por nós! Nós é que viemos do Vale para guiá-lo.

- Não pode ser verdade! Eu não acredito em você!

- Doto, por Eliff, suplico que não ceda às influências dos absários, eles acabarão com sua mente e o tornarão discípulo do sofrimento. Não deixe suas emoções esvaírem-se em sua adaga e no sangue por ela derramado. Abandone-a! Essa arma é um dos artifícios de indução mental. Os absários não desistirão e, quando perceberem que você os descobriu, tentaram destruí-lo. Fuja para bem longe se nós não pudermos preservá-lo. Não conte com nossa ajuda, nosso destino está se aproximando e culminará em nossa morte. O último austeiro, não o mate, ele carrega a nossa única esperança, procure acertabenicer asirvar grenirur aspererirnir for gur skinir ur berevur...

E as palavras tornaram-se, de repente, confusas novamente, abandonando todo sentido. O absário não parava de falar e Doto não podia mais compreendê-lo, por mais que se esforçasse. E ainda muito assustado, Doto acreditou neles e queria continuar ouvindo, mas era como se houvesse um bloqueio mental, algo externo a seu organismo.

Como rompimento dessa situação, a pedra que bloqueava a entrada da caverna explodiu violentamente despedaçando-se e surgiu a figura audaz de Deplório, em um ato heroico e furioso. Em seguida, Tuí adentrou a caverna rapidamente e saltou sobre Irílio derrubando-o, socando-o no rosto. Deplório desembainhou sua espada e iniciou um confronto com Fisto, que apanhara rapidamente a lança.

Deplório e Tuí pareciam, de repente, nunca terem estado doentes, lutavam imponentemente como se estivessem no auge de suas forças. E de fato estavam, era o momento supremo de suas Eustases, porém, esse poder era temporário, inconsistente. Logo o efeito da partícula Elementarie se dissiparia e eles entrariam em colapso.

E em meio à luta, Doto mexeu-se até que conseguisse tombar a cadeira em que estava, buscando quebrá-la para livrar-se. Presenciou a vitória sumária de Deplório, que feriu Fisto nas pernas com um corte raso, derrubando-o. E feito isso, o sábio foi até Doto e partiu as cordas que o amarravam com a lâmina da espada, libertando-o. Doto ficou confuso, tonto, mas tomou algum equilíbrio para levantar-se. Deplório voltou a travar confronto com Fisto, ao passo que Tuí espancava Irílio.

Doto sentiu-se atordoado, mentalmente desequilibrado, mesmo assim, foi até seus equipamentos e apanhou seu colete e sua adaga, vestindo os acessórios. Alucinado, cambaleou sobre as rochas até cair, ouvindo suspiros de sufocamento vindos da caverna. Ainda lúcido, viu que estava em uma grande altitude, de onde podia avistar uma gigantesca cidade e uma imensidão azul no horizonte que se mesclava ao céu escuro da madrugada. Aquele era o mar, algo que Doto, por ser de Borvênia, nunca havia visto, mas que não teria oportunidade de apreciar por muito tempo.

E sua percepção tornou-se lenta, trêmula, desprovida de raciocínio, algo semelhante ao prenúncio do desmaio. Mas Doto não deixou que sua lucidez se fosse como costumava acontecer, fez força mental para manter-se acordado, não apagar. Os sentidos tornaram-se cada vez mais confusos a ponto de embaralhar sua visão e codificar tudo o que ouvia, tinha suas percepções conduzidas, alteradas, mas manteve-se ali, de olhos abertos, resistindo ao transe psíquico.

Mas em um momento deitou-se com as costas no chão e olhou para o céu buscando concentrar-se e conseguiu lembrar-se das curtas palavras de Irílio: "Acorde, Doto! Saia desse transe mental!". E por mais que se empenhasse, não conseguia abandonar aquele domínio. Chegava a doer, arder seu cérebro. E um momento não suportou, seu corpo desligou, cedeu ao desmaio. E todas as ideias evaporaram-se por entre seus dedos, como a fugaz sensação de um sonho a findar-se.

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