Capítulo 9
Música: Quero conhecer Jesus, por Cia. SALT, interpretada por Michel Lima
"Mas o Senhor respondeu:
— Não diga que é muito jovem, mas vá e fale com as pessoas a quem eu o enviar e diga tudo o que eu mandar. Não tenha medo de ninguém, pois eu estarei com você para protegê-lo. Sou eu, o Senhor, quem está falando"
— Jeremias 1:7-8
Os dias que se seguiram foram de fuga e embaraço. Embora fossem compelidos a permanecer minimamente juntos ao sair do prédio de Courrèges, escolhiam permanecer a dez metros de distância quando dentro do prédio — e cinco, quando fora.
Teria continuado assim, se não fosse pelo o que aconteceu em uma das tediosas tardes na sala de estar de Océane. Aurora usava um vestido azul claro e estava sentada à uma pequena mesa no canto da sala, de frente para uma xícara de chá, enquanto lia um livro de capa preta.
No extremo oposto da sala, Tadashi usava o kimono preto enquanto voava em seus pensamentos. A katana estava apoiada em pé na namoradeira em que ele estava sentado. Pousou os olhos sobre o livro que Aurora manuseava.
Aquele livro não lhe era novidade. Ainda quando morava no Japão ouvira falar de estrangeiros que desembarcavam naquelas terras e que diziam levar a Palavra. Eles se autodenominavam missionários e carregavam livros iguais àquele. Chegaram a ele histórias de japoneses que acreditaram na tal Palavra, mas também chegaram histórias dos missionários que foram mortos, presos, expulsos.
Aquela coragem lhe lembrara à que era pregada em seus treinamentos. Eles iam, e por aquilo morriam. Eles não negavam, não desistiam — pelo menos era o que lhe disseram. Não havia sido permitido que os missionários entrassem nos palácios nobres como o que Tadashi morava com sua família — tampouco nos templos de treinamento samurai — para onde ele foi em seguida após deixar os nobres palácios japoneses.
Aquela dúvida lhe girava na cabeça vez após vez. Tentou mudar de pensamentos para evitar falar com a moça, dado o acontecimento na última vez em que falou algo com ela. Tentou recitar mentalmente alguma obra, tentou pensar até em quantos sabores de chá conhecia: "boldo, hibisco, mate, preto, erva cidreira... boldo de novo?" Mas o pensamento não lhe deixava.
— Fontaine — chamou num impulso. — O que, exatamente, é um missionário?
Do outro lado da sala, ela ergueu os olhos do livro. Permaneceu calada por alguns segundos, como se estivesse processando o que ele acabara de perguntar tão de repente e tão sem contexto.
— É uma pessoa que leva a Palavra a algum lugar o qual ela não é conhecida — respondeu após o leve transe.
— E o que, exatamente, é a Palavra? — continuou.
Ela ergueu os cantos da boca em um sorriso antes de fechar o livro. Levantou-se da cadeira onde estava, deixando a xícara de chá sozinha e levando consigo apenas o livro. Cruzou a sala, sentando-se ao lado de Tadashi, que moveu apenas as íris dos olhos.
— É a Palavra de Deus. Toda palavra que foi inspirada por ele — mostrou-lhe o livro preto. — A base é esta.
— Então ele é um escritor? E escreveu este livro?
— Bem, ele inspirou. Ele disse o que e como deveria ser escrito, mas as mãos que o escreveram foram muitas — abriu o livro. — Se chama Bíblia, é uma compilação de muitos livros. Ele, Deus, fala muito a nós por meio da Bíblia. Ele nos ajuda a entender, ele nos mostra coisas novas em cada parte que já conhecemos; mas às vezes ele fala direto conosco.
— Você o conhece, então?
— Sim — Aurora sorriu um pouco mais. — Eu o conheci porque, um dia, missionários foram enviados para todos os lados do mundo a mando de Jesus Cristo. Alguns chegaram à França e, de um em um, eu fui alcançada.
— Jesus Cristo? — ele franziu o cenho.
Havia tanto para explicar, ela nem sabia por onde começar. Havia tanto para contar, havia tanto para passar, havia tanto que ela queria falar. Hesitou, fechando os olhos por um momento. Sabia que, se fizesse aquilo sozinha, falharia miseravelmente: era tanto para dizer, era uma garota com tantas limitações.
"Pai, por favor, me ajude a falar. Coloque-se à minha frente. Espírito Santo, por favor, flua conforme for a sua vontade, com as palavras que você quiser, e que as palavras frutifiquem e floresçam no tempo em que você quiser. Não me deixe sozinha, não me deixe me perder na minha empolgação. Santo, santo, me ajude".
— Tadashi, esse livro conta histórias reais — ela mostrou-lhe a Bíblia. — Uma delas é a de Jesus Cristo e como e porquê ele fez o que fez. Não sei se você sabe, mas todos nós somos filhos de um só Pai. É um Pai que só pode ser descrito como Eu Sou, porque ele é tudo: amoroso, gentil, piedoso, justo... E eu não poderia escolher uma destas palavras a se sobressair, porque não há nada que se destaque mais. Ele é perfeito, é tudo que precisamos. Não há palavra para descrevê-lo de forma que o limite: Ele apenas é. Há muito, muito tempo, ele criou os primeiros de nós com toda a dedicação e cuidado, como um artista faz sua obra. Ele nos deu seu próprio fôlego para nos trazer vida, ele pôs em nós sua essência, nos fez como ele... mas aconteceram alguns problemas. Nós erramos e nos afastamos, indo para cada vez mais longe dele. Mas um pai não gosta de ver seu filho longe, não é? Ele sofre. É aí que entra Jesus: ele é filho de Deus.
— Como nós... segundo o livro?
— Sim — ela concordou. — Em determinado momento, a dor da distância entre o Pai e os filhos chegou a um limite. O Pai nos queria de volta para que seu coração se alegrasse, e nós precisávamos dele em todos os sentidos. Então Jesus quis, ele mesmo, vir nos buscar. Mas havia aquele problema: nós erramos e nos afastamos. Continuamos errando e errando, dia após dia. Precisávamos pagar pelo o que fizemos de errado, justiça precisava ser feita. Então Jesus decidiu que ele mesmo iria pagar o preço e sofrer as consequências de todos os nossos erros.
— Mas eu nunca vi Jesus — Tadashi respondeu. — Como ele pode ter pago por mim?
— Ele pagou por todos os erros que foram cometidos no passado e pelos que ainda seriam cometidos no futuro pelas pessoas que ainda nem haviam nascido. Ele tirou a condenação do erro de nós. O Pai e ele sabiam que continuaríamos errando, mas que, após quão grande ter sido aquele sacrifício, não haveria mais erro grande o suficiente nem no passado e nem no futuro que não poderia ser pago por aquele sacrifício. Não havia nada que ninguém poderia fazer para continuar sendo condenado nem no passado e nem no futuro, desde que reconhecesse Jesus pelo o que ele fez e, então, escolhesse mantê-lo junto de si. Após o sacrifício de Jesus, nós, já sem condenação, poderíamos voltar para o Pai e viver com e como ele, tomando cuidado para não nos afastarmos de novo, errando. Contudo, se errarmos, o grande sacrifício que não pode ser limitado por espaço e nem tempo será suficiente para nos lavar de novo, de novo, de novo e de novo.
Os deuses que Tadashi conhecia não eram assim. Não faziam esse tipo de coisa. Ele permaneceu em silêncio, encarando o chão, tentando processar as informações. Ele tinha muitas perguntas: de que tipo de erro ela estava falando? E o que é errado? Quem era esse tal Jesus? E como poderia saber mais dele? E o Pai? Quem era esse Pai? Como poderia falar com ele, onde poderia encontrá-lo? Aquilo era mesmo uma história real? Então significava que o Pai era mais divino do que os deuses do país dele? Ele conhecia aqueles deuses? Eles eram amigos do Pai? Inimigos? E por que os missionários foram expulsos, mortos e presos se eles levavam uma história tão bonita?
Era mesmo real?
— Eu... — ele falou baixo. — Você pode me contar um pouco mais desse Jesus? Ele parece ser uma boa pessoa e com uma... história — pigarreou — interessante.
— É claro — ela deu uma leve pausa. — Tudo começou em uma cidadezinha bem pequena chamada Belém.
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