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Capítulo 2

Bushido (武士道) literalmente, "caminho do guerreiro", é um manual e modo de vida para os Samurai. Ele possui 7 grandes virtudes; dentre elas:

 

[Yuu: Coragem, bravura heróica]



Aurora puxou as duas crianças por seus braços. Suas irmãs mais novas, Marie Louise e Marie Claire, não conseguiam parar de chorar pelo medo que lhes enchia. Ela levou ambas para o quarto e trancou a porta a pedido de seu pai. Apagou todas as luzes da casa de forma que a escuridão noturna tomasse conta do local.

Frederic permaneceu na sala preparando a arma e escondendo-se atrás da mesa virada para caso alguém invadisse a casa da família. Ela fechou as janelas e direcionou as crianças para baixo das camas.

Não se haviam completado três dias desde que os navios japoneses aportaram em Nancy e o exército da Prússia já havia atacado. Aquele foi o primeiro pelotão invasor a chegar à Alsácia-Lorena.

As notícias não melhoravam. Haviam boatos de que Otto Von Bismarck tinha interesse em ajudar o Reino da Prússia em sua conquista do território, até então, francês.

— Aurora, a Princesa Bolinho está lá na sala — Marie Claire, a mais nova, disse em meio ao choro.

— A Princesa Bolinho não vai se machucar — Aurora disse, olhando em volta de forma frenética, procurando algo a mais que pudesse fazer.

Por favor — Marie Claire, de baixo da cama, levou as mãozinhas ao rosto, aos prantos. Mais preocupada com o choro que poderia atrair inimigos do que com a boneca em questão, Aurora respirou fundo, preparando-se para o resgate.

Em um segundo de coragem partiu para fora do quarto, indo para a sala, onde seu pai estava.

Aurora! — Frederic a repreendeu. — Volte para o quarto imediatamente!

Foi da porta do quarto direto para a esquerda, indo até uma bancada de madeira e buscando a boneca de pano deixada ao lado de algumas xícaras de chá cheias de suco de manga — resquícios de brincadeira que havia sido interrompida.

Assim que agarrou a boneca por um dos braços e se virou para voltar, a porta da frente foi chutada. Ao ouvir uma explosão, soltou um grito agudo e se lançou para trás da mesa, onde seu pai estava, agradecendo pelo soldado ter errado o tiro.

Agarrou a boneca, abraçando-a com força e pedindo a Deus que nada de ruim os acontecesse. Alguns segundos depois, ouviu um grunhido e algo que parecia com alguém soltando o ar pesadamente, seguido de um silêncio estranho. Imediatamente se virou e olhou por cima da mesa, vendo um guerreiro samurai puxando para trás uma katana que atravessava o abdômen do soldado.

O inimigo caiu para a frente. Atingiu o chão enquanto o samurai erguia o olhar. Em um segundo ou dois de transe, ela o reconheceu por baixo do capacete metálico: era o mesmo samurai do porto, aquele que ela havia tentado estudar.

Ficou estagnada enquanto seu pai se levantava para socorrer o soldado inimigo. Mesmo que tivesse o importante ofício de pastor na obra de Deus, também tinha seu ofício para com a comunidade: médico. Como médico e como pastor, Frederic tinha o dever de ajudar o homem à sua frente, ainda que fosse inimigo, ainda que tivesse acabado de tentar matar sua filha.

De repente, tudo pareceu silencioso. Os gritos e explosões do lado de fora foram silenciados quando Aurora pousou os olhos no que o capacete do guerreiro a deixava ver. Os olhos apertados e esticados, mas tão escuros. A terra e o sangue alheio em seu uniforme de batalha não se limitavam às vestes. No pouco que podia ver de seu rosto, via que também havia sangue, terra e poeira.

Ele deu um passo para trás, girando o corpo para o lado oposto, embora tivesse tentado manter os olhos nela pelo tempo que pôde, antes de entrar novamente em posição de ataque.

Então os sons da batalha voltaram. O samurai partiu correndo para longe, enquanto ela permaneceu mais dois ou três segundos estagnada, encarando o chão e tentando descobrir o que se passava ao seu redor.

Voltou a si quando seu pai bateu a porta novamente, puxando o homem para dentro e pedindo a ajuda da filha. Ela correu para ajudá-lo a estancar o ferimento do soldado à beira da morte.

— Rapaz, seu ferimento é grave demais para tentarmos segurar sem um hospital. A espada lhe atravessou, o máximo que podemos fazer é estancar o sangue — o pastor e médico se pôs a falar enquanto a filha pressionava o abdômen do homem. — Você entende o que eu digo... — leu seu nome no uniforme — Wannagat?

O soldado nada respondeu. Encarou-o com os olhos fixos e arregalados, em total desespero, enquanto tremia. Segurou seu braço, procurando algo que Aurora não pôde decifrar o que era.

Frederic suavizou o olhar, em uma expressão triste. Aurora conhecia aquele olhar, havia o visto fazê-lo dezenas de vezes ao longo de seus atendimentos como médico.

— Se você entende o que eu digo... saiba que não há nada que possamos fazer por você — Frederic respirou fundo. — Se você entende o que eu digo, não precisa falar nada, apenas responda na sua mente e sua resposta valerá. Você segue a Cristo? Se a sua resposta foi não, saiba que Ele te conhece e não quer se separar de você. Saiba que você é amado. Se a sua resposta foi não, eu tenho mais uma pergunta: você aceita Jesus Cristo como seu único e suficiente salvador? — Fez uma leve pausa. — Se a sua resposta foi sim, peça perdão pelos seus pecados agora, com todo o seu coração — fez mais uma pausa de dez segundos. — Se você fez isso, agora já pode ir em paz.

Aurora entendeu porque seu pai fez aquilo. Ela sabia que não conseguiria segurá-lo vivo ali, ainda que mantivesse seu sangue dentro do corpo. Era hora de deixá-lo ir. Aliviou as mãos de seu abdômen, observando a expressão do soldado suavizar, em paz. O soldado soltou o braço de Frederic, enquanto este levou a mão aos olhos dele, fechando-os.

Aurora — Frederic voltou a falar —, para o quarto. Não irei repetir — disse sem nem sequer encará-la.

Ela concordou com a cabeça, levantando-se. Pegou Princesa Bolinho, que havia ficado no chão atrás da mesa virada, e passou para o quarto, fechando a porta atrás de si e caminhando em silêncio até a cama em que Marie Claire estava escondida, entrando debaixo junto com a boneca e empurrando a irmã para a parede.

— O que aconteceu lá fora? — Marie Louise disse baixo e em uma expressão assustada.

— Eu não sei — Aurora respondeu, referindo-se mais ao samurai do que ao soldado prussiano. Em seguida, levou o dedo indicador à boca, fazendo sinal de silêncio para Marie Louise e entregando a boneca para Marie Claire.

Os sons daquela batalha duraram horas. Foram horas horríveis ouvindo todo tipo de grito e clamor aos céus, junto a explosões e tiros. Mas foram horas finitas, que quando chegaram ao fim, trouxeram uma sensação indescritível de alívio para Aurora.

Assim que o silêncio reinou, ela se levantou e bateu em disparada porta afora, ignorando qualquer bom senso ou medo que a faria permanecer debaixo daquela cama. Atravessou a sala, chegando à porta da frente e empurrando-a.

Seus olhos foram até a praça central, logo à frente da casa. Bem no meio dela estava o guerreiro o qual havia matado o soldado que invadira sua casa mais cedo. Parado no meio da praça mantinha-se em alerta, como se observando e esperando mais uma ameaça ou ataque.

Aurora não se perguntou o porquê de ele ainda estar ali, no meio da praça central, em frente à sua casa, depois de tantas horas do tal ataque, se havia todo o resto da cidade para ele estar.

Enquanto ela estava parada na soleira da porta, ele virou o rosto lentamente na direção dela, como se não quisesse assustá-la. Com cuidado, abaixou a cabeça e levantou-a novamente, em reverência ou uma saudação.

Frederic apareceu atrás da filha que permanecia inerte encarando o guerreiro. O pastor o saudou, agradecendo-o também com um maneio de cabeça. O samurai repetiu o gesto que havia feito para Aurora e, logo em seguida, passou a andar para fora da praça, indo para longe.

Aurora foi puxada pelo braço para trás, e a porta foi fechada.

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