Capítulo 19
"O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta."
— 1 Coríntios 13:4-7
Os dias seguintes foram sete antes que Fontaine e Sakurai trocassem palavras novamente. Porque Frederic fazia três visitas diárias ao quarto de Tadashi, ela podia saber que ele estava vivo.
Foi na noite do sétimo dia. Ela estava parada em frente à janela da cozinha, observando uma Paris adormecida. Infelizmente, descobriu posteriormente que a guerra em si não havia acabado uma semana antes, mas continuava rugindo em retaliações comerciais e pseudo-diplomáticas.
Pensava exatamente sobre aquilo enquanto vagueava o olhar por sobre os telhados iluminados pela luz prateada da lua muito acima de sua cabeça. O céu estava especialmente esplêndido naquela noite, pois as estrelas haviam resolvido dar as caras e brilhar sem nuvens ou qualquer outro empecilho. Mas as estrelas não haviam sido as únicas a resolverem dar as caras — ou algo parecido.
— Não olhe para trás, por favor — ela ouviu a voz de Tadashi se projetar atrás dela. Imediatamente prendeu o ar, congelando no lugar. Não ouvia sua voz há dias e a primeira coisa a lhe transpassar os ouvidos fora um comando. Não quis admitir, mas aquilo a magoou um pouco. — Eu precisava falar com você.
Pôde pensar em pelo menos uma dúzia de respostas à altura para aquela afirmação. "Eu também precisei falar com você" e "Ah, agora?" cruzaram seus pensamentos pelo menos três vezes cada.
— Então fale — disse logo antes de um suspiro exasperado, pouco se importando em esconder o descontentamento com o contexto daquela tão ansiada conversa.
— Eu sei que você está magoada pelo dia da porta — ele iniciou — e por eu ter deixado você a ver navios por esses dias. Mas eu preciso te dar uma notícia. Não vou dizer que você é a primeira a saber, pois foi Frederic quem conversou sobre isso comigo. Mas eu gostaria que você fosse a segunda, porque foi através de você o meu primeiro contato com Deus, com quem ele é. — Ele fez uma pausa, deixando que ela absorvesse aquelas informações. — Eu vou me batizar.
Aquela notícia a pegou de surpresa. Sentindo seu coração esquentar dentro do peito, suavizou a expressão em um sorriso bobo e desacreditado. Inconscientemente, levou ambas as mãos ao peito, apertando-as e erguendo o rosto para o céu.
— Que bom, Tadashi — ela falou sem pensar muito nas palavras, ainda com o involuntário sorriso persistindo. — Que maravilhoso. Essa é... a melhor coisa que eu ouvi em muito tempo. Meu Deus, eu... — soltou o ar em um sorriso, sentindo todas as suas defesas desabarem em poucos segundos. — Eu estou tão feliz por você.
— Obrigado — ela ouviu de volta. A voz dele tinha um tom diferente e, por essa mudança, percebeu que agora ele estava sorrindo. — Significa muito.
Após um ou dois minutos de silêncio feliz e agradecimentos silenciosos, Tadashi voltou a falar:
— E quanto a nós?
Ela sentiu o sorriso involuntário voltar, mas dessa vez em uma proporção muitíssimo menor. Seus olhos, dessa vez, não sorriram junto com seus lábios. Foi como um sorriso de consolo que se dá a uma criança que se machuca — sorriso esse que deu apenas para si mesma.
— Eu acho que nós dois podemos perceber que... esses pensamentos difíceis não podem dividir espaço com o que está por surgir dentro de sua cabeça.
Aurora não era a pessoa mais madura do mundo, tampouco estava completamente pronta para assumir aquele compromisso. Contudo, percebia o quanto mais Tadashi precisava de lapidação. Ela tivera quase vinte anos em caminhada cristã, vinte anos para praticar e aperfeiçoar como um seguidor do Cristo se comporta em brigas ou em dores — e até o presente dia, ainda falhava.
Quanto mais Tadashi. Nos próximos dias, ele iria começar sua caminhada com Cristo. Seria tanta informação, tanto seria exigido dele, ele cresceria tanto. Ele precisaria de tempo e energia direcionados especificamente para sua relação com Cristo, para sua identidade, para seu chamado.
A vida dele acabara de virar de cabeça para baixo. Saíra de seu país, seu antigo ofício agora era banido em sua terra natal e ilegal em sua nova terra, conhecera a Cristo, quase morrera. Ela não queria ser algo a mais a processar em uma mente a mil por hora. Ele precisaria da compreensão amiga dela naquele momento muito mais do que a devoção apaixonada que poderia lhe oferecer.
— Ainda não é o tempo — ela completou, a voz quase sumindo em meio ao turbilhão de pensamentos. Queria que fosse. Mas antes de conhecer Aurora Fontaine, ele precisava conhecer Jesus Cristo. — Não significa que meus sentimentos mudaram.
Ainda que não houvesse lhe confessado nada, sabia que ele podia ver através de seus olhos. Sabia que ele tinha conhecimento do que se passava dentro dela, por isso se limitou a dizer tais sucintas palavras.
Esticou a mão esquerda para trás, buscando o japonês. Em resposta, sentiu sua mão ser envolvida por outra. O calor transferido a sua mão fria pareceu lhe subir braço acima, chegando ao coração.
Em subsequente resposta, sentiu sua mão ser puxada na direção da direita, fazendo com que ela se virasse. Quando terminou o giro, ergueu o olhar para o rosto do rapaz, que estava imerso na escuridão noturna. Esperou que ele desse um passo para a luz, revelando o rosto.
Então seu coração pulou uma batida. Uma fina e recente camada de pele rosada lhe riscava o rosto quase de um lado ao outro na diagonal, indo do topo da sobrancelha esquerda até a mandíbula, do lado direito do rosto.
Era, de fato, um milagre. Uma espada tão afiada nas mãos de um samurai habilidoso o suficiente para ser o líder do grupo poderia ter ceifado sua vida no lugar de deixar uma cicatriz que demorou — apenas — sete dias para fechar.
Contudo, o olhar dele era triste e retraído. Os olhos pareciam ainda menores, vez que ele permanecia olhando para baixo, sem jamais erguer o olhar para encarar a reação da moça. Sem coragem para tal.
Ela se aproximou, levando as mãos ao rosto dele, pedindo que a encarasse e o impedindo de vagar por qualquer pensamento doloroso que pudesse estar tendo. Conforme a superfície de seus dedos tocou a pele do rosto dele, pareceu levar um susto, encarando-a rápido.
— Ainda dói? — perguntou devagar, descendo o dedo indicador próximo ao corte, sem tocá-lo.
— Não — respondeu singelamente.
Então ela permitiu deixar que os dedos passassem pelo novo e delicado tecido do rosto dele, sentindo a textura. Por fim, recolheu as mãos e finalmente voltar a se pronunciar, levantando os cantos da boca:
— Não muda quem você é.
Então pôde vê-lo permitir nascer um tímido sorriso confortável. Não um sorriso de diversão, mas o sorriso que se dá ao perceber estar em um local seguro.
Sentiu-se seguro, confortável, aceito.
E, naquele momento, isso era tudo que ele precisava.
— Aqui está sua fita — ele ergueu a palma da mão. Bem no centro, a fita de cetim descansava perfeitamente sobrada. Havia sido lavada, mas a coloração vermelha não havia lhe deixado totalmente.
Assim como Tadashi, aquela fita havia passado por muita coisa ultimamente — algumas delas causando marcas eternas. Nem por isso o sentimento de Aurora pela fita diminuíra. Antigamente, aquela fita era uma de suas favoritas. Agora, acabara de passar a ser a favorita.
Ela ergueu a mão, tomando para si o cetim.
E, naquele momento, ela só tinha o que agradecer.
"Isto será como sinal em sua mão e símbolo em sua testa de que o Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa". (Êxodo 13:16, previamente citado em Ikigai. Mais precisamente, no capítulo 12, após a cena final do capítulo 11, em que Tadashi se quebrantou, pela primeira vez, perante Deus).
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