Capítulo 13
"Sejam fortes e corajosos. Não tenham medo nem fiquem apavorados por causa deles, pois o Senhor, o seu Deus, vai com vocês; nunca os deixará, nunca os abandonará"
— Deuteronômio 31:6
Os pés da cadeira cantaram quando Tadashi a arrastou para se sentar à mesa do café. Aquela seria sua última refeição antes de partir, e a noite anterior não havia ajudado muito no quesito descanso, eis que houve a apresentação ao exército e a conversa que lhe deixou um tanto inquieto.
Sentou-se à mesa que anteriormente só continha Marie Louise e Aurora. Esta esfriava o café à sua frente enquanto o bebericava, tentando espantar o sono que insistia em lhe derrubar. Marie Louise, que estava de frente para Tadashi, observou-o, com atenção especial à mão dele, pegar duas torradas. Inicialmente ele não entendeu o motivo, então preferiu ignorar. Ela não demorou um minuto para lançar:
— O que a fita do cabelo da minha irmã está fazendo na sua mão?
Aurora imediatamente engasgou no café que bebia, tossindo e assoprando fortemente na xícara, fazendo respingar café na mesa e no chão. Colocou a xícara na mesa, tentando controlar a tosse desenfreada, sentindo o café subir até o nariz, conforme tentava recuperar a respiração normal.
— Tem café saindo pelo seu nariz — Yuri puxou outra cadeira.
Imediatamente uma Aurora com vias respiratórias obstruídas por nada menos que café se levantou, partindo para a cozinha.
— Você não pensou que eu acharia que isto é um curativo, né? — Marie Louise apontou para a fina faixa branca no dedo dele.
— Jamais, sei o quanto você é inteligente — mordeu uma das torradas enquanto prendia o riso que surgia pela situação constrangedora. — Mas preciso que você mantenha isso entre nós — enviou-lhe um olhar sugestivo, erguendo uma sobrancelha.
— Farei o meu melhor — Marie ergueu a xícara, devolvendo-lhe o olhar com a sobrancelha levantada, como dois parceiros de crime.
— Eu nem vou querer saber — sem paciência para interpretar linguagem codificada, levando em conta a noite mal dormida, Yuri alcançou a garrafa de café.
Quando a Fontaine mais velha voltou, sentou-se à mesa correndo os olhos de forma ameaçadora pelos rostos de todos os presentes, certificando-se de que ninguém faria piada do acontecido.
Tirou um ou dois segundos para passar os olhos pelos irmãos Sakurai na mesa. Nenhum dos dois havia vestido a armadura samurai ainda, mantendo seus tradicionais quimonos. Ambos estavam parecidíssimos: usavam roupas pretas e os cabelos estavam presos um alto rabo de cavalo, cada um.
Ainda que amarrado alto, o cabelo preto de Tadashi não lhe caía sobre os ombros, tão longo que era. Os olhos puxados, mas longos, pouco mostravam as íris negras, da mesma cor dos fios.
Ouviu um grunhido ao lado. Desviou os olhos dele para encontrar uma Yuri com sorriso controlado no rosto, encarando ela. Imediatamente abaixou o olhar. A última coisa que precisava naquele dia era ganhar o título de obcecada.
— Estamos prontos? — Frederic disse do topo da escada. Logo a seguir se pôde ouvir seus pés batendo contra a madeira da escada, até chegar à sala.
— Precisamos só de cinco minutos — Yuri se levantou e, seguida por Tadashi, saiu pela lateral.
— Certo, — Frederic começou assim que os japoneses se retiraram — isso não deve demorar muito. Mas preciso que vocês duas sejam mocinhas — levou os olhos de Aurora para Marie Louise. — São tempos difíceis, tempos os quais vocês nem deveriam estar vivendo, mas lembrem-se sempre de manter o coração grato. Se faltar tudo, o que eu espero que não aconteça, agradeçam pela vida uma da outra. Se alguém precisar, ajudem: não vai faltar. Orem sempre, orem mais, orem muito. — Fez uma pausa breve. — Aurora, eu não vou estar aqui, portanto obedeça a sua tia, mas seja sábia. Na falta de um sacerdote, outra pessoa precisará carregar a casa, e você entende que essa responsabilidade não tem a ver com idade...
— ... mas com maturidade espiritual — completou.
— Isso. Até aqui nos ajudou o Senhor, lembrem-se sempre disso — focou-se em Aurora. — Você tende a carregar muitos pesos, Aurora. Caso se sinta sobrecarregada, lembre-se sempre do seu amigo de todas as horas, ele vai ouvi-la. Não segure o choro até se afogar, não seja forte por todas as pessoas da cidade. Não carregue o peso do mundo nos ombros, tampouco todos os corações do mundo, que são bem mais pesados que o mundo em si — pausou brevemente. — Você conhece suas armas e sua autoridade. É época de vigiar mais do que nunca. Oração, jejum, louvor. Estou contando com você. Estarei lutando para proteger o exterior da casa. Estarei com você em oração, mas preciso que você se dedique mais do que nunca para proteger o interior. É um trabalho...
— ... de equipe.
Ele esboçou um sorriso sincero, os olhos levemente perdidos, como se estivesse vendo algo que somente ele conseguia.
— Quando foi que você cresceu tanto? — suspirou por fim.
— Em cada segundo que estive com você — devolveu o sorriso enquanto sentia o coração apertar. Ele abaixou o olhar por alguns segundos, perdido em pensamentos. Assim que levantou o olhar, prosseguiu:
— Marie, querida — Frederic se dirigiu à irmã do meio —, você também tem entendimento, então ajude sua irmã. Ajude os que precisarem, ore, louve. Mas respeite seus limites. Cuide de Marie Claire, ela é muito próxima de você. — Esticou-se, para trás, dirigindo-se a ambas: — e não se esqueçam que eu amo vocês.
— E nós amamos o senhor — Marie Louise respondeu.
— Amamos muito — Aurora completou.
Levantando-se, os três se abraçaram, fungando e lutando contra as ultimamente tão recorrentes lágrimas. Frederic depositou um beijo na testa de cada e, em seguida, os três ouviram os passos dos irmãos samurai, que anunciavam sua entrada.
As armaduras, tão diferentes das que ela tinha por referência, com tantas camadas, tantos adornos, quase como se vissem a guerra como uma arte. Ambas majoritariamente pretas, cobriam os irmãos da forma que quando aportaram, na primeira vez que Aurora os viu.
Os capacetes debaixo dos braços, as katanas embainhadas, as expressões sérias.
— Vamos — Frederic partiu na direção da porta, sendo seguido por ambos os irmãos.
Assim que todos saíram para a rua, Aurora pôde ver todos aqueles homens de uniforme militar caminhando em uma só direção, todas aquelas pessoas paradas nas portas e janelas se despedindo de seus entes queridos — alguns, pela última vez.
Frederic estava diferente, claro. Utilizava o uniforme de médico de combate, destacando-se da multidão a qual seguia. Conforme Frederic virou as costas para Aurora e iniciou a caminhada para longe, Yuri o seguiu, apoiando a mão na katana e desde já em estado de alerta.
Sentiu algo tocar sua mão. Aurora voltou o rosto para a esquerda, encontrando Tadashi pouco atrás dela. Desceu os olhos para a própria mão, vendo que ele tocava a palma dela com dois dedos.
Ele deu um leve sorriso conforme passou por ela, esticando o braço conforme se distanciavam, até que os dedos dele deixaram de tocar a palma dela. Somente então ela sentiu que ele havia deixado algo ali. Esse algo ela segurou com dois dedos, deixando outros dois livres para permanecer em contato com ele por mais um ou dois segundos.
Os dedos dele correram pelos dela suavemente, ainda que rápido. Quando deixaram de se tocar, ele se virou para a direção que todos os soldados caminhavam. Ela, então, ergueu as mãos para ver o que ele havia deixado, encontrando um pequeno pedaço de papel.
Abriu-o para encontrar um pequeno escrito em japonês. Pouquíssimos caracteres, dois ou três (talvez quatro?), estavam riscados em preto no meio do papel que cabia na palma de sua mão. Ergueu os olhos para vê-lo já longe, junto de Frederic e Yuri, caminhando para fora da cidade.
Aparentemente, teria que esperar para descobrir o significado. Dobrou o papel novamente e apertou-o junto ao coração enquanto via os três partirem e se misturarem à multidão. O ar lhe pareceu faltar conforme um pensamento lhe atingiu: Océane não conseguiu ver a partida do irmão porque ainda se lembrava de Jacques. Céus, a visão de Jacques, de costas, indo para a guerra, havia sido a sua última vez que Océane o vira.
"Deus, não permita isso, por favor." — pediu em pensamento.
Quando um outro soldado cobriu a visão de Aurora sobre seu pai, depois outro cobriu Yuri, depois Tadashi não pôde mais ser visto, ela fechou os olhos. Agachou-se ali mesmo, apertando o papel contra a pele.
"Por favor. Por favor. Por favor. Eu não sei o que vou fazer se eles não voltarem. Cada um deles."
E, no meio da rua, fez uma oração sincera. Apenas no pensamento e sem palavras grandes, abriu o coração:
"Deus, por favor. Eu imploro.
Por misericórdia, por graça. Por qualquer coisa boa.
Por favor.
Os faça voltar em segurança."
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