Capítulo 1
Música: Between Worlds por Adrian von Ziegler
"雨 降って 地 固まる"
[A chuva deixa a terra endurecida]
— Provérbio japonês
Adversidade nos deixa forte; o que não mata, fortalece. Pouco sabia disso Aurora Fontaine naquela época, a época em que, para ela, o tempo ainda era jovem. Naqueles anos pacatos, as flores exalaram seu perfume gentilmente para que só ela o sentisse, o sol brilhou contente para que somente sua pele fosse tocada.
Contudo, aqueles anos se foram. Aquela calmaria palpável lhe foi arrancada pelos estouros das armas, das explosões e dos choros das crianças que perderam suas mães.
A tempestade vinha, e era irremediável.
Mas ela ainda se encontrava na calmaria antes da tempestade, para a felicidade de sua inocência. Ela ainda caminhava pela floresta calma e amiga, ela ainda não havia sido atingida pela maldade.
***
A leve brisa que soprava e balançava as folhas das árvores tocava gentilmente a pele de Aurora. A luz filtrada pelas mesmas folhas dançava ao seu redor como que ao som da floresta, em uma atmosfera que aquecia seu coração. De rabo-de-olho, viu um rouxinol voando para seu ninho, pouco acima da cabeça dela. Sorriu com a dedicação e pressa do passarinho.
— Pai, tem algo que você queira fazer em especial?
Ela falou olhando para os fios de luz que desciam da árvore acima dela, contudo, pouco importava para onde seus olhos apontavam. Fechou os olhos e respirou fundo. Ela havia contado tudo que havia feito até aquela hora do dia — algumas havia dito apenas dentro de sua mente.
Abriu os olhos para ver uma borboleta amarela cruzando seu caminho. Seguiu-a com o olhar até que pousasse no tronco de uma árvore ao lado. Então, acima da árvore, algo chamou sua atenção: um mastro.
Um mastro altíssimo se movia. Isso significava que um navio estava chegando ao porto. Arregalou os olhos, empolgada com a surpresa e imperceptivelmente abriu um sorriso, disparando a correr pela grama verde até onde o porto se encontrava.
Atrás da multidão que havia se aglomerado para ver os que chegavam, escondendo-se atrás de uma árvore, deixou seu rosto parcialmente à vista. À medida em que encostou os dedos na madeira robusta cobrindo ainda mais seu rosto, a porta da embarcação se abriu. Cerrou os olhos para que pudesse ver melhor e, sem perceber, saiu de seu esconderijo.
O vestido rosa claro pouco se destacava em meio aos vestidos armados das nobres em volta, alguns tão altos a ponto de as fazerem parecer mesas redondas de jantar cobertas com toalhas finas — ao menos, era isso que Aurora achava. O vestido simples e com mangas que iam até os pulsos descia-lhe reto pelo corpo, marcando apenas sua cintura e de forma leve. Nos pulsos, um babado pouco mais claro que o vestido adornava a peça de forma única — fora os botões imperceptíveis que lhe desciam pelas costas.
O cabelo castanho semi-preso, da forma que ela sempre gostou, lhe dava um ar ainda infantil. Os olhos castanho-escuros, contrastando com a pele clara, procuravam observar os estranhos que desembarcavam.
Suas armaduras eram estranhas. Tinham várias camadas penduradas, pareciam ter muito mais peças do que as dos cavaleiros que era acostumada a ver. O capacete, então, parecia uma máscara que acabara de chupar um limão (ela controlou o sorriso ao pensar nisso). O que parecia ser o comandante era pior ainda: seu capacete tinha dois chifres enormes.
Irracionalmente, caminhava de forma lenta para mais perto dos amedrontadores guerreiros que haviam chegado para ajudar na batalha contra o Reino da Prússia. Eles traziam armas de fogo, mas também espadas: isso era inédito.
Antes que pudesse avançar mais, sentiu seu pulso ser agarrado:
— Aurora, você veio correndo pela floresta?
— Claro — deixou nascer um sorriso. — Por onde mais? — Virou-se já muito sorridente para Joana, sua melhor amiga.
— Me chame da próxima vez — Joana apertou os lábios, fingindo tom de repreensão e segurando a empolgação que lhe contagiava. — Está conseguindo os ver?
— Um pouco — Aurora murmurou caminhando para a direita, desobstruindo sua vista para que pudesse analisar melhor os aliados. Então, finalmente os pôde ver com clareza.
Samurais.
Eles haviam viajado dias e dias no mar, saindo do Japão para chegar à costa naquele dia. Vestidos com suas roupas de guerra, prontos para qualquer ataque. Ela prendeu o fôlego: era tudo tão empolgante, tudo tão novo! Jamais havia visto um samurai de verdade!
Seus olhos passearam do comandante para os outros guerreiros. Enquanto fazia isso, poderia jurar que seu coração esquentou um pouco mais do que o normal. Pousou os olhos sobre a terceira fila de guerreiros, tentando enxergar o que havia por baixo da máscara. Concentrou o olhar em apenas um. Apertou os olhos e um pouco dos lábios, estudando o estrangeiro com afinco.
Então, como se o peso de seu olhar pudesse ser sentido, ele virou subitamente o rosto na direção dela, fazendo-a tomar um susto. Em algo que parecia ser pânico, abaixou-se e se escondeu atrás de uma das mulheres que se vestia como mesa portátil, encolhendo os ombros e torcendo para que ele parasse de encarar.
Céus, ela podia sentir suas bochechas queimando de vergonha. Podia sentir o sangue correndo quente e alvoroçado sob sua pele, como se fosse explodir a qualquer segundo.
Esperou alguns segundos antes de despontar um dos olhos escuros por trás da cabeça da mulher à frente. Ele continuava encarando!
Ela puxou o rosto novamente para seu esconderijo, quase sucumbindo em vergonha. Procurou por Joana em desespero, e quando não a encontrou, optou por se erguer e ignorar o olhar que parecia pesar três toneladas.
Então, algumas pessoas foram chamadas para saudar e guiar os guerreiros às suas acomodações. Dentre tais pessoas, o pai de Aurora. O pastor Frederic Fontaine era um homem paciente, bom e sábio. Ele os saudou ao lado dos nobres escolhidos — embora não fosse nobre, seu prestígio na região era incontestável — e, então, partiram para o castelo, que não era muito longe dali.
Conforme os samurais seguiam os anfitriões, Aurora permaneceu onde estava, deixando-se ser acariciada por uma leve brisa amiga, que esfriava seu sangue e parecia segurar sua mão, mas deixava seu coração bater até parecer que abriria um buraco para sair peito afora.
Ela sorriu com o cuidado do Pai naquele momento, sentindo-se parcialmente envergonhada por ele ter presenciado aquela cena embaraçosa, mas feliz por ele estar ali com ela.
Conforme as pessoas foram deixando o local, apenas ela permaneceu ali. A moça de vestido rosa que viera correndo pela floresta agora estaria sozinha, não fosse pelo espírito amigo que a seguia.
Com um profundo suspiro, caminhou para perto do navio, sentindo borboletas no estômago e um estranho calor em seu corpo, conforme a enorme embarcação engolia a luz do sol com sua sombra enorme.
Que sentimento era aquele?
Saindo da sombra do navio, sentou-se na madeira do cais, pendurando as pernas e deixando-se ser banhada pela luz do sol, que lhe era quente como um abraço. Fechou os olhos, sentindo seu corpo esquentar e ouvindo as ondas se quebrarem na praia atrás dela.
***
Naquela tarde de verão foi que ele apareceu pela primeira vez. Vindo de uma terra distante, da qual ela sabia apenas por livros e boatos. A terra do sol nascente lhe despertava o interesse, e não só porque Aurora significa "nascer do sol" (e a moça não acreditava em coincidências).
Naquela tarde de verão foi que ela fechou os olhos e tentou ignorar o sentimento que havia lhe pegado de surpresa, tentando focar no que havia ao seu redor — mas falhando. Seu pensamento, vez após vez, viajava para o guerreiro samurai até então desconhecido. Até então.
Naquela tarde de verão, todas as luzes ficaram um pouco mais brilhantes e todas as poesias ganharam um pouco mais de corpo. Todas as ondas do mundo se quebraram naquela praia atrás dela, toda a luz do sol foi derramada sobre ela.
Naquela tarde de verão, ela o viu.
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