ATO 28
A força não provém da capacidade física. Provém de uma vontade indomável.
— Sentir rancor de alguém não te faz uma pessoa perigosa. Rancor é apenas um veneno que você mesmo cria e você mesma consome. Não atinge o adversário, somente você.
O Vento daquela noite assobiava em nossos ouvidos e bagunçava nossos cabelos, forte e gélido. Edgar vestia roupas leves como eu. Não colocamos nenhum tipo de agasalho para nos proteger. Algo proposital de sua parte. Talvez eu precisasse sentir frio, ou talvez, eu precisasse escutar mais ao invés de questionar. A sacada do prédio dava a perfeita vista para além da cidade. O mar, que refletia a luz da lua em suas ondas cristalinas se destacava bem no fim do horizonte, quase camuflado por completo pelos demais prédios.
Brok e Meggie estavam confortáveis no apartamento aconchegante de Edgar, abaixo de nós, aquecidos pela luz da lareira.
— Sentir rancor de alguém não te faz uma pessoa perigosa. Rancor é apenas um veneno que você mesmo cria e você mesma consome. Não atinge o adversário, somente você.
— Está muito escuro, Edgar, quase não consigo te ver! — exclamei, falando mais alto que o vento.
— Você acha que Pompoo vai passar a mão em sua cabeça e dizer: "Oh, que descuido de minha parte, vou acender as luzes agora mesmo para você tentar me matar de uma forma mais justa." NÃO! Ela vai te matar em qualquer momento do dia e arrancar qualquer tipo de vantagem que você tiver sobre ela! — Edgar sacou um bastão de suas costas e o segurou firme. Com a outra mão, tirou outra arma idêntica de sua cintura e jogou em minha direção.
Não consegui apanhá-la no ar. Ela caiu no chão e precisei abaixar para pegá-la. Neste momento, Edgar correu em minha direção e apontou seu bastão para minha testa em uma investida ágil.
— Morreu — disse ele.
— Mas eu nem consegui peg...
— Morreu. Vamos, levante-se. Tentaremos de novo.
A cena se repetiu. Edgar se afastou alguns metros e arremessou o bastão para mim. Desta vez consegui apanhá-lo, mas no mesmo instante, o senhor, que agora vou considerar um rapaz, de tão rápido e aparentemente saudável que estava, veio em minha direção e golpeou minhas pernas com um chute certeiro. Caí no chão e novamente o bastão caiu. Edgar apontou sua arma pontuda para mim mais uma vez.
— Morreu. Vamos, levante-se.
— ISSO É UM ABSURDO! VOCÊ NÃO ME DEIXOU SE QUER USAR ESSA MERDA!
— Você sabe usá-la?
— Claro que não!
— Então você morreu de novo. Repare no seu bastão e no meu. Qual a diferença deles?
— O tamanho? — disse a ele me levantando e esfregando a mão na perna onde fora atingida — Porra isso doeu!
— Sim, o tamanho. Ambas as armas são a mesma, porém a minha está duas vezes maior. Eu te dei uma oportunidade de segundos para prestar atenção na forma que usei o bastão. Ela aumenta o tamanho apenas com um "clic", aqui, nesta parte superior. Se tivesse notado cada detalhe do ato você conseguiria replicar isso na sua arma. A sua falta de atenção te matou de novo.
— Você não me avisou absolutamente nada, apenas me atacou sem nenhuma instrução, isso aqui é um treinamento ou um purgatório?
— Pompoo não vai esperar você se identificar com sua arma para depois ataca-la. Se não tiver o conhecimento básico vai morrer antes de começar a luta.
— Qual seria o conhecimento básico? — perguntei ríspida.
— Observar todos os movimentos do oponente, antes de se movimentar. Eu te dei a vantagem de mostrar que a arma muda de tamanho. Você não prestou atenção. Vamos, de novo.
Aquilo realmente estava me deixando nervosa e ansiosa. Quantas vezes eu precisaria apanhar para aprender? A noite se tornava mais fria e o vento diminuía, mas ainda castigava.
— Não deixe o clima do lugar tirar o seu foco. Tudo está contra você em um cenário que você não conhece, não tente se esquentar, apenas negocie com seu corpo, ele pode esperar — Edgar arremessou o bastão para mim. Consegui apanha-lo de imediato e apertei o pequeno botão que havia na parte de cima do bastão. Logo ele aumentou o tamanho, mas não tive tempo de ver, posicionei meu corpo na defensiva, pronta para qualquer ataque de Edgar. O mesmo não veio atacar desta vez.
— Certo, agora vem. Tente me acertar.
— Com prazer — disse a ele correndo em sua direção, segurando a arma como se fosse uma espada. A levantei no ar e tentei dar o melhor golpe possível. Edgar não teve muito esforço para desviar. Ele apenas virou para o lado oposto do golpe e facilmente pegou um dos meus braços e o prendeu em minhas costas.
— Morreu — disse enquanto segurava seu bastão por trás, o encostando em meu pescoço — Você nunca atacou ninguém, Pandora?
— Já... algumas vezes..., mas faz muito tempo, estou velha.
— E eu não estou? — sorria Edgar. Vamos, sei que você consegue pensar em um golpe mais estratégico do que erguer uma espada e correr ao meu encontro. A propósito, não se usa as duas mãos para pegar nesta arma. É necessário apenas uma, ela traz o equilíbrio para o resto do corpo quando você entende seu propósito.
— Qual o propósito?
— Defender mais do que atacar. O oponente deve se cansar de manusear a arma. Quando usa os dois braços, está concentrando toda sua energia nisso, energia está, desnecessária. Pompoo conhece os truques, os golpes, tudo o que aprendi ela também aprendeu. Então não exagere, poupe esforço para gerar força. Vamos, de novo.
Me afastei do rapaz, já tracei um plano. Olhei em seus olhos e apertei forte o bastão com a mão esquerda. Meus pés se firmaram no chão, e então, disparei novamente. Passei o bastão para a mão direita, depois para a esquerda e novamente para a direita, despistando a atenção de Edgar. Antes de dar o ataque direto, girei meu corpo em um perfeito trezentos e sessenta e ao invés de ataca-lo na altura de seu peito, abaixei e mirei em suas pernas. Edgar deu um salto como uma lebre ágil, desviando do ataque.
— Está melhor. Mas um tanto previsível.
— Você que é bom demais. Meu ataque não foi previsível.
— Pandora, eu vou te dar mais um conselho. Quando alguém está disposto a aprender, não se questiona até o momento em que a pessoa absorva algo relevante. Você está sempre querendo justificar suas falhas de uma forma grosseira. Se não tem nada plausível para dizer, permaneça calada. O silencio é um amigo que nunca trai.
— Me desculpe — respondi abaixando o tom de voz. Eu realmente precisava entender que Edgar estava ali para me ajudar e não me destruir. Mas falhar tantas vezes em minutos me deixava cada vez mais frustrada. A maioria das pessoas que passaram por mim escondiam coisas ou tentavam fazer algum tipo de mal, isso claramente me fez ativar certos mecanismos de defesa, porém estava na hora de lidar com esse mecanismo, lidar com meu orgulho, com minhas falhas e acreditar que existem pessoas boas o suficiente em minha vida.
Três dias e três noites, uma refeição por dia, quatro horas de sono, no frio, na chuva, no sol escaldante, eu teria que permanecer neste terraço até o fim do treinamento. Minhas necessidades eram feitas em um banheiro naquele mesmo local.
Na minha concepção atual, as coisas não acontecem por algum motivo, não jogo a culpa em destino, pois não sei se ele existe, acredito em oportunidades e escolhas. Se eu não aproveitar ambas, talvez eu nunca mais teria outra chance. Muita coisa estava dependendo disto.
— Vamos começar de novo — Ordenou ele — Mas antes, tenho uma última pergunta para você.
— Pois bem.
— Está se sujeitando a um treinamento pesado, quando na verdade você só podia furar a cabeça dela com uma bala de qualquer arma. Por que não optar por um método tão mais eficaz?
— Eu não quero uma morte crua para Pompoo. Quero mostrar que posso bater de igual, uma luta justa, comigo vencendo.
— E se não tivéssemos nos conhecidos? Como iria vencê-la?
— Bom, pelo visto eu não iria.
— Certo, começaremos de novo — encerrou Edgar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro