ATO 26
Um bom começo é a metade.
Eu era tão jovem que mal me lembro da minha aparência na época. Eu tinha uma doença chamada Narcolepsia, um distúrbio que me fazia dormir em excesso e me causava alucinações. Alucinações essas que se transformaram em pesadas paralisias. Chegou um tempo em que fui internado por causa disso. Eu realmente comecei a ver coisas que não poderiam ser deste plano.
"As pessoas nunca acreditam naquilo que não conseguem compreender, então fui tachado como louco. Ainda mais quando a segunda guerra era o centro das atenções. Louco e doente parecem duas palavras que combinariam comigo nos próximos anos. Entrei para medicina, pesquisei sobre minha doença e sozinho, criei um antídoto que não combatia a narcolepsia, mas sim controlava. Eu conseguia controlar minhas paralisias quando elas aconteciam."
— Como exatamente isso é possível...? — questionou Brok.
— Já ouviu falar naquela frase: Se o louco persistir na sua loucura, acabará sábio? Foi exatamente o que aconteceu comigo. Eu me entreguei para as alucinações que minha mente construía, até entender que aquilo não fazia parte da minha mente, mas sim de um outro plano, de fato.
— O que você via quando tinha essas paralisias? — perguntei apreensiva.
— Coelhos com asas na cabeça, que saltitavam para lá e para cá no meu quarto, vi borboletas com quatro asas, uma criatura com a cabeça de um bode, que me observava das sombras, via tigres com cabeças de outros bichos, águias com corpos diferentes, entre várias outras criaturas que surgiam enquanto meu corpo virara estátua. E quando a paralisia acabava, todos eles desapareciam junto. Todas as pessoas já tiveram paralisias do sono pelo menos uma vez na vida, a questão é, que devido a minha doença, elas eram muito mais fortes. Me diz, já teve alguma paralisia antes, minha jovem?
— Não me lembro.
— Eu já — respondeu Brok — quando eu era criança, e ainda enxergava.
— E o que viu?
— Vi uma aranha gigante bem em cima de mim, grudada no teto. Ela tinha muito mais patas que uma aranha costumava ter e tampava quase a parte inteira de cima. Lembro que não conseguia me mexer, nem gritar. Parecia muito real para mim.
— Fantástica experiência — indagou Edgar — agora imagine, se essa aranha realmente estivesse lá? Mas somente com esta paralisia você conseguisse vê-la?
— Isso... seria assustador — respondeu o rapaz — eu nunca mais tive outra paralisia.
— Mas não muda o fato de que estava lá. Essas criaturas não podem fazer contato direto, não podem nos machucar. Com base nesta teoria, criei o antídoto que me fez controlar as paralisias. Eu conseguia me mexer e andar, com as criaturas ali, em minha volta. Indo para o trabalho, para um parque ou para qualquer lugar, bastava uma aplicação e eu conseguia enxerga-las por tempo limitado. E então minhas ideias abrangiam. De onde elas vinham? Que plano era esse? Viviam em outras dimensões? Como eu poderia provar para as pessoas que elas existiam?
Ao me formar, montei um pequeno laboratório em minha garagem e comecei diversas pesquisas. As criaturas que aparecem quando estamos alucinando na paralisia se formam graças a adrenalina que gera em nosso corpo. Como se uma energia desse forças para que possamos enxerga-la.
O primeiro protótipo dos drenadores foi com base nesta energia. Para enxergar, você precisa dar esta adrenalina. As maquinas pegavam esta energia para que seu corpo pudesse entrar neste plano.
— Seria como se os drenadores te forçassem a ter uma paralisia enquanto o usa? — perguntou Brok.
— Exato. Eles pegam esta energia vital, e convertem em paralisias a longo tempo. Eu só precisava controlar este tempo. Foi surgindo cada vez mais dúvidas. Quanto tempo um usuário aguentaria neste plano? Quanto de adrenalina era preciso para isso? Fui minha primeira cobaia. Usei a máquina em todas as suas fases de teste.
— Mas, como ela foi parar nas mãos de uma empresa como a MindPlace? Você tem ideia da monstruosidade que você criou? — disse a ele me levantando da mesa, furiosa.
— Não criei monstruosidade nenhuma — rebateu Edgar.
— Pan, deixe ele terminar de contar, se acalme! — advertiu Brok.
— Que cientista que não gostaria de apresentar seu projeto para uma bienal de ciências? Provar ao mundo que não era loucura, mas fatos. Isso poderia de alguma forma trazer benefícios para nós ou para a guerra que se alastrava. Qualquer um faria o que eu fiz, o problema é que fiz errado. Eu apresentei para a empresa errada, que apostou caro nisso. Ela comprou o projeto e me deu metade da participação de lucros. Eu me tornei um homem poderoso dentro da MindPlace, mas eu não sabia o que estavam planejando. Quando soube, era tarde demais. Estavam usando a energia de animais, levando-os a morte.
— O que eles queriam com isso? — Disse Brok.
— Queriam o inimaginável. Quando a guerra entrou no auge, os aliados, separaram os melhores cientistas da época para criarem armas biológicas aqui, nesta ilha. Mas nenhuma dessas armas era tão ambiciosa quanto a que eles estavam fazendo com meus drenadores. A MindPlace estava tirando a energia de todos os animais da região para abrirem fendas entre nosso mundo e o plano das criaturas para trazerem elas para a ilha. Queriam domesticar as mais fortes, criar um exército delas contra os alemães e pôr um fim definitivo na guerra. A máquina que abria essas fendas era algo devastador para meus conhecimentos, ia muito além da proposta inicial. Eu não fiz parte disto. Não era o jeito que imaginei beneficiar nós, humanos.
— Isso é doentio demais... — disse a ele — trazer essas criaturas para nosso mundo sem ao menos saber de onde elas vieram...
— Bom, e aqui está o resultado. Eles trouxeram algumas criaturas com Êxito, mas, além de não terem conseguido domesticar nenhuma delas, já que eram monstruosamente grandes e selvagens, a máquina da fenda não aguentou tanta energia e explodiu horas depois, varrendo tudo e todos da ilha. Os cientistas e militares que moravam nesta cidade foram eliminados pela energia da explosão. Ironicamente, as criaturas foram as únicas a terem sobrevivido. O projeto foi cancelado e engavetado pelo governo. Nunca foi para os jornais tal incidente. A guerra havia chegado ao fim e os aliados venceram a guerra de qualquer forma.
— Ou seja... tudo o que aconteceu nesta ilha, não serviu de nada... — concluí — Isso me fez lembrar de uma coisa muito curiosa. Na minha época de Insanity Asylum, em um momento com os drenadores, desenvolvi um vínculo peculiar com uma dessas criaturas... Não domestiquei, claro, mas é como se eu... tivesse ganhado um amigo. A criatura morreu no desafio, se sacrificou para me salvar, e quando eu encontrei outro de sua espécie aqui, nessa ilha, ela não me atacou...
— Isso é muito curioso. Você acha mesmo que aqueles cientistas parvos iriam ser amigos dos monstros? Seu caso é exceção. Uma vez que você conquista uma das espécies, todas as outras te respeitarão. Elas sentem quando você já teve contato com o mundo deles, ou quando você tocou um deles — Edgar pausou seu diálogo e olhou para a entrada do banheiro. Deu um assovio com os dedos no qual despertou nossa atenção também. Daquele cômodo, saiu uma criatura pequena, saltitando. Era um coelho, mas não qualquer coelho, ele possuía asas no lugar das orelhas. Ao notar Edgar, pulou até ele e repousou em seu colo.
— Você... também teve um vínculo...
— Somos um caso raro, minha jovem. Cuido desta belezinha desde que vim morar aqui. A MindPlace não tem conhecimento disto, claro. O mundo não sabe da existência dessas criaturas já que elas nunca saíram da ilha, estão abandonadas. Eu gostaria muito que esta pequena história tivesse chegado ao fim, mas não chegou. O projeto da fenda foi cancelado, mas meus drenadores ainda pertenciam a MindPlace. Anos depois a empresa voltou a explorar minha máquina. Contratou um novo grupo de cientistas para estuda-la e expandi-la em outras ideias. Dois desses cientistas, os irmãos Corrigan, criaram um lugar para testes em crianças.
— O Insanity Asylum... — respondi para mim mesma. Enquanto isso, Meggie se aproximava de Edgar para passar a mão no coelho.
— Exatamente. Esses cientistas ficaram responsáveis pelos meus drenadores e por seus novos experimentos. O projeto agora chamava-se "D.R.D" Drenador Reparativo Doméstico. Fundaram este orfanato e pegaram crianças refugiadas da guerra para servirem de cobaias para o projeto. Na imprensa eles eram os bons samaritanos, mas por trás dos panos, não passavam de dois cientistas cruéis.
Brok ficou em silencio naquele momento. Seus punhos estavam fechados e sua expressão furiosa. Afinal, um desses caras era seu pai, e o de Feen também. Às vezes eu pensava se era melhor ser órfão do que ter uma mãe como Pompoo e um pai como os Corrigan.
— Como esse projeto foi parar nas mãos de Pompoo? — questionei.
— Ah, claro, vocês a conhecem... — disse Edgar com um sorriso de lado — Pompoo e seus irmãos foram encontrados pelos Corrigan. Eles viram um certo potencial nas meninas e investiram conhecimento a elas, mais do que deviam ter. De órfãs, Pompoo e sua irmã viraram cientistas em potencial da MindPlace depois do assassinato dos Corrigan. Não duvido que ambas tenham os matado para tomar seus postos.
Conforme os fatos se encaixavam, lembrei que a verdade sobre os Corrigan é que Brok havia matado um deles quando criança e não Pompoo. Mas o outro rapaz com certeza foi morto por elas. O quebra cabeça estava criando forma, juntamos peça por peça, dissecando um passado sombrio, camada por camada. Elas caíam no chão revelando a verdade, fria e crua. Mas o passado era profundo, se cortássemos mais, encontraríamos camadas mais ocultas.
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