ATO 17
Tudo se corrompe, inclusive o amor
— Isso aqui está silencioso demais, Brok. Consegue sentir alguma coisa ao redor? — perguntei a ele enquanto iluminava o caminho por onde passávamos.
— Tudo o que sinto é dores nos pés. Não é nada fácil andar nesse monte de mato descalço. Provavelmente já estou cheio de feridas.
— Que agonia! — respondi — voce não precisa fazer isso se não quiser.
— Na verdade eu preciso, Pan, tudo o que me resta é o meu sentido aguçado.
Meggie era uma criança muito quieta e raramente se intrometia em nossos diálogos. A propósito, essa menina me lembrava alguém, eu só não sabia quem. A garota estava demonstrando firmeza, mas lá no fundo eu sabia que o medo a dominava de uma forma tão devastadora que seus olhos permaneciam arregalados o tempo inteiro. Forçar uma criança a esse tipo de situação é algo que somente funcionários loucos do Insanity Asylum fariam. Seria eu, uma futura funcionaria louca?
Ela não foi obrigada a estar aqui, pensei. E também não está sendo forçada a nada.
— Meggie, está tudo bem? — perguntou Brok enquanto caminhávamos em passos lerdos.
— Sim — respondeu em seguida.
Logo nosso pequeno momento de paz cessou quando ouvimos algum barulho adiante.
— O que foi isso? — questionou Brok, segurando em minha mão.
Sem responde-lo, tentei captar alguma coisa, e então, mais barulhos surgiram, desta vez estava em toda parte. Galhos, folhas, matos, se mexiam e mesmo assim continuávamos procurando. Até que parou.
Tudo voltara ao silencio.
Meu corpo paralisou junto com os demais. A respiração ficou fraca, o coração desacelerou e a vista foi melhorando conforme o tempo. Nada foi o suficiente para encontrarmos algo.
— Pan, estou ficando levemente assustado — respondeu Brok — são barulhos que eu conseguiria perceber se fosse alguma coisa por perto.
— Assustado é uma palavra que já estou lidando a um tempo, meu amigo — soltei sua mão e tomei a dianteira do grupo, jogando a luz da lanterna para todas as direções possíveis. Minha adrenalina com certeza estava maior que antes e minha testa escorria um suor gelado que passava pelas minhas bochechas e parava em meus lábios, fazendo engoli-lo.
De repente, Meggie soltou um grito muito alto ao ver algo caindo de cima de uma das arvores para as costas de Brok.
O mesmo também gritou. Ao apontar a lanterna para o rapaz, uma criança de olhos brancos e pele acinzentada estava agarrada em suas vestes. Ela produzia um som agudo pela boca e tentava arranhar sua cabeça com uma de suas mãos. Brok tentara pegar a criatura mas ela parecia ter cravado suas unhas nas costas dele.
— BROK! NÃO! — Exclamei desesperada. Entreguei a lanterna para Meggie e corri para ajudar a desprender a criatura. Brok se mexia e dava passos para trás conforme era atacado ferozmente na cabeça.
— PORRA! TIRA ISSO DE MIM! TIRA ISSO DE MIM! — O rapaz tentava puxar o bicho com os dois braços enquanto rodava seu corpo e cambaleava. Ao me aproximar, pude ver com nitidez uma das crianças zumbis, completamente descontrolada e mortal.
Saquei de meu bolso o facão prateado e cravei em sua nuca no qual fez o caminhante se desprender imediatamente, espatifando-se no chão. Não comemoramos muita vitória pois logo após muitos outros começaram a pular das arvores como uma chuva de cadáveres.
— ESTÃO TODOS EM CIMA ! CUIDADO! — Alertei a eles. Meggie pegou um pedaço de tronco e atingiu uma das crianças no rosto, enquanto Brok golpeava outra com os pés. Puxei o facão de volta para mim e fui perfurando todos que vinham em minha direção. Os gritos ensurdecedores das criaturas doíam meus ouvidos, e a lanterna que Meggie segurava havia caído no chão, iluminando a parte oposta donde estávamos. Devido a claridade da lua e a adaptação da nossa visão noturna, conseguimos enxergar melhor.
O estardalhaço era tanto que chamou a atenção de outros caminhantes que vinham da parte térrea. Estavam tentando nos cercar. Um deles pulou para me atacar mas Meggie se colocou na frente e o atingiu com o pedaço de tronco.
— NÃO VAMOS DAR CONTA DE TODOS, TEMOS QUE VOLTAR! — Gritou Brok.
Três dos caminhantes se jogaram em cima de Meggie arranhando-a e tentando morde-la, a garota caiu no chão e gritou mais alto ainda. Com a faca que eu segurava, arremessei em um golpe certeiro nas costas de uma delas, a outra puxei pelos cabelos e a joguei longe. A terceira criatura, Meggie empurrara para o lado levantando-se rapidamente.
— Use a faca que te dei, ou vai acabar morrendo!
— Não sou uma assassina! — retrucou ela chutando o rosto da criatura que ela derrubara.
Brok, em um ato repentino, pegara Meggie no colo e disparava para longe do local.
— PAN! VAMOS! — Gritou ele.
o Segui, mas logo o rebanho de cadáveres também. Eles não iam parar enquanto não nos desfigurassem até a morte. São bichos selvagens, com sede de morte. Era mesmo assustador o que os drenadores eram capazes de fazer.
Elas nos seguiam de todas as formas, umas pulavam os galhos como macacos, outras corriam de quatro com as bocarras abertas, grunhindo e esticando os braços para a frente e outras, corriam com duas pernas mesmo.
Meggie soluçava de desespero, eu não sabia o que me deixava mais apavorada, se era seu choro ou os gritos das criaturas. Passamos por um caminho diferente do qual fizemos para tentar despista-los mas nada adiantava, os caminhantes continuavam a espreita. Mais uma vez, encontrava-me frustrada por estar voltando para o sitio, implorando para que sobrevivêssemos.
Brok e Meggie foram os primeiros a chegarem nos jardins do sitio, enquanto eu, logo atrás.
As arvores acabaram, e o campo ao nosso redor ficou limpo. Conseguimos atrasar as criaturas fazendo diversos trajetos diferentes.
— Eles sumiram de vista, mas vão aparecer logo mais — disse Brok ofegante, colocando Meggie no chão.
Ao olharmos para o sitio, avistamos alguém na porta da entrada, com uma espingarda em mãos. O vento fazia suas vestes brancas se mexerem e seus cabelos amarrados em um coque se soltarem. Meggie, ao ver a mulher, parara de chorar.
— Joice esta aqui — disse a Brok. Tudo o que eu consegui fazer no momento era ir em sua direção. Esqueci por segundos a existência dos caminhantes e acelerei os passos, com os punhos fechados fitando seu olhar que não desprendia do meu. Ambas em um conflito visual. Mas a minha aproximação não era apenas para enxerga-la melhor.
— Sua vadia! — atingi seu rosto com um tapa que a fez cambalear para trás e quase derrubar sua arma. Seu rosto virou abruptamente para o lado em que foi golpeado, mas Joice não se defendeu e nem disse alguma coisa. Na sequencia peguei em seu colarinho e a prensei na parede atrás — Me deixou ir embora porque sabia que eu morreria neste lugar, não é? Se não fosse devorada por demônios eu seria morta pelos caminhantes. E o que voce pretendia fazer com o Brok? Fale alguma coisa ou eu te mato aqui mesmo —concluí sacando a faca de meu bolso e encostando em seu pescoço.
— Pan! Não faça isso com ela! — ordenou Meggie.
Joice continuava a me encarar.
— Eu disse que era perigoso, não disse? Estava fugindo com uma das minhas crianças?
— Eu é que faço as perguntas, agora — apertei a lamina em sua pele ao ponto de faze-la sangrar.
— Apenas sigo ordens, Pandora — respondeu a mulher — minha liberdade depende disso.
— DEPENDE DO QUE? — Gritei.
— PAN! ELES ESTÃO VINDO! — Alertou Brok na mesma hora. Os caminhantes saíam das sombras das arvores e adentravam o campo aberto em um rebanho desgovernado. Logo tomaram todo o jardim.
— Olha só o que voce fez, sua idiota! Condenou todos nós! — Disse Joice empurrando-me para o lado e apontando sua espingarda para as criaturas. Ela saiu na frente, passando por Meggie e Brok e começou a atirar. Algumas foram atingidas, mas ao mesmo tempo que caíam, outras passavam por cima e voltavam a vir em nossa direção.
— Meu Deus! O que é isso?! — Exclamou Eleonor assustada, chegando ao local junto com Amanda e Dianna.
— Voltem para dentro! — ordenou Joice.
— Pois eu vou ficar para ajudar — retrucou Dianna, piscando para mim, já com uma faca em mãos e correndo para cima dos caminhantes. Meggie ficou por perto enquanto eu pensava em alguma coisa útil para resolver aquela situação caótica.
— Preciso de armas maiores, pontudas — disse a Meggie.
Ela acenou com a cabeça e correu para a parte de trás do sítio.
Joice disparava contra as criaturas em miras perfeitas. Mas não seria o suficiente para a quantidade de caminhantes que apareciam. Quando atingidas pelo tiro, um buraco profundo formava em seus rostos cinzentos. Era de fato uma arma potente. Já Dianna, a mais velha das crianças e a mais habituada com as criaturas sabia exatamente onde golpeá-las para matar, era rápida e precisa em todos os ataques.
Meggie retornou aos jardins segurando um tridente enferrujado e entregou para mim.
Mesmo querendo acabar com Joice eu teria que me unir a ela para resolver essa bagunça, mas isso não muda o fato de que depois disso ela terá que cuspir todas os segredos que escondia. Se é que haverá um depois. Segurei firme minha nova arma e perfurei a garganta de uma das criaturas com vontade. Minhas costas doíam e minhas pernas latejavam. Lembrei que eu não era mais uma criança saudável e sim uma adulta desgastada que passara bons anos sentada passando compras em um super mercado.
Talvez, devido a quantidade de adversários, morreríamos todos aqui.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro