ATO 11
Enxugo minhas lágrimas para poder fazer você chorar
O abrir de olhos me trouxe para um lugar incógnito. Uma brisa muito suave agitava minha franja mal cortada e tremeluzia minhas pálpebras. A claridade veio em seguida para afirmar de vez que aquela, era a minha nova realidade que levava-me para o desconhecido, de novo.
Deitada de lado com um lençol branco e macio, vi em minha volta uma sala extremamente clara, sem energia elétrica. Toda a luminosidade vinha de fora, para além daquela janela de bordas emadeiradas e pintadas. O Sol quente batia no vidro e chicoteava meu corpo, aquecendo-o. Retirei o lençol e me levantei devagar, com a visão embaçada, rodopiando lentamente.
Esfreguei os olhos com as mãos e os abri novamente.
— Céus! Finalmente! — Uma voz surgiu ali perto, um vulto caminhou em direção a janela do local e a cobriu com uma cortina, aliviando meu sofrimento. Foi quando pude ver com nitidez uma mulher negra, beirava seus trinta anos, com uma vestimenta branca, junto de uma pasta entre os ombros.
— Que prazer tê-la conosco. Sou a enfermeira Joice e passei a manhã cuidando de você.
— Brok... Feen... onde eles estão..? Que... lugar é esse? —Coloquei uma das mãos na nuca como de costume, felizmente não havia fios conectado ali e nem máquinas por perto. Eu sentia algo estranho. Não era medo nem insegurança, eu não sentia nada.
— Fique tranquila, está segura aqui —disse sorridente.
— O que? Que porra de lugar é esse?! —exclamei me levantando.
— Senhorita! Peço que meça suas palavras, temos crianças aqui! —dizia com um sorriso forçadamente esticado.
Levantei da cama e me aproximei da mulher. Apesar das diversas incógnitas eu não conseguia ficar furiosa. Meus sentimentos haviam sido apagados ou retirados de mim, nada me abalava. Quando fui questionar novamente, avistei uma criança que esticava seu pescoço para bisbilhotar o que acontecia, escondida do outro lado da porta de entrada. Desviei a atenção para ela e a mesma, ao me ver, saiu de lá em disparada.
Me afastei alguns passos.
— Onde estão Brok e Feen e que lugar é esse?
— Venha comigo, Srta Moon — Ordenou Joice se retirando do local.
Aquilo parecia um sonho costurado. Não conseguia entender direito o que tinha acontecido no apartamento de Feen e agora me encontro ao lado de uma mulher com a sanidade duvidosa e que além de tudo sabia meu nome e provavelmente quem eu era.
Saindo dali, entramos em um corredor que levava para vários quartos, todos com as portas fechadas. Na parede em minha frente, ao lado de uma das portas dos quartos, avistei um garotinho desenhado com giz branco, sua expressão era de tristeza e seus olhos estavam fechados. Chegando ao fim, descemos uma escada extensa de madeira rústica que dava ao andar de baixo. Ao que tudo indicava, era um casarão construído com madeiras, como aqueles de sítios.
A sala foi a primeira coisa que me chamou a atenção quando chegamos ao térreo. Ela possuía uma lareira enorme, revestida de madeira em sua volta, o fogo ainda baixo transformava o ambiente em um lugar mais acolhedor. Ao lado, dois pilares grandes de gesso com diversos símbolos esculpidos. No teto, um lustre elegante, com acabamento preto e cristais pendurados nas barras de ferro em formato de "s". Em cada uma das seis pontas, havia uma vela cumprida. Só não sabia como eles faziam para acende-las.
Nas paredes verde claro, quadros de paisagens e retratos de crianças sorridentes. Não havia televisão ou aparelhos da atualidade, muito pelo contrario, no cenário avistei apenas uma vitrola em um canto separado, onde uma mesinha a sustentava enquanto tocava uma canção infantil e um rádio retangular, com uma antena cumprida, desligado.
Meu estômago embrulhou na mesma hora. Tanto pela desagradável vitrola, tanto pelo tapete que cobria todo o chão da sala, onde o famoso símbolo do Insanity Asylum encontrava-se estampado ali.
Pude ver dois sofás grandes, cobertos por panos cor creme com bordas tricotadas. Um ficava de frente para o outro e na parede de centro, a lareira. Três crianças estavam sentadas em ambos os sofás. Duas do lado esquerdo e a outra no direito. Eram garotas, uma delas não possuía cabelos e nem sobrancelhas.
Logo todas encaravam-me.
— Olha! É ela! Que bonita! —Dizia a mais baixinha das três. Uma menina Loira de bochechas extremamente rosadas e de vestido da mesma cor, seus olhos eram puxados e o sorriso muito bondoso.
—Sim, Amanda! Esta aqui é a Pandora, a nova irmã de vocês —respondia Joice ao ver sua felicidade —Pandora, esta é Amanda, ela possui Síndrome de Down. De todas, é a mais carinhosa e atenciosa.
—Linda! Posso te abraçar? —Perguntou Amanda correndo em minha direção, afirmando mais do que questionando. Logo ela veio, me recepcionando de uma forma espontânea. Retribui o abraço sem uma reação significativa. Eu continuava séria e confusa.
—Que puxa saco é esse, Amanda? Eu também quero me aproximar dela —Exclamou uma menina bem pálida surgindo do cômodo ao lado da sala. Ela vinha em uma cadeira de rodas, extremamente empolgada, em ambas as pernas, possuía marcas profundas de cortes, já cicatrizados.—Olha esses olhos! Parecem a grama do nosso jardim! — Continuava estupefata, trazida por outra menina, um pouco mais alta que as demais.
—Para com isso Wendy, vai assustar a mulher —Advertiu a garota que o trazia — Mas eu devo admitir, são bonitos mesmo. Prazer Pandora, sou Diana —Esta, tinha vestes mais formais, um vestido listrado, cinza com uma gravata preta no centro do peito. Seus cabelos eram muito bem cuidados, lisos, de cor castanho escuro.
Sem uma reposta, forcei um sorriso e voltei a atenção para a tal enfermeira que olhava diretamente para a única das crianças que não havia se pronunciado.
—Eleonor, não seja tímida venha conhecer sua irmã! —Continuou Joice. Todos voltaram a atenção para a garota. Antes de se levantar do sofá, ela colocou sobre a cabeça um lenço vermelho, cobrindo a falta de cabelos. Na sequencia passou um brilho nos lábios habilmente e se levantou.
— Não sou tímida, só precisava de mais tempo para arrumar minha beleza.
— Esta é Eleonor, ela...
— Eu tenho Leucemia. Não precisa ficar sussurrando nossos defeitos, Joice.
— Eleonor! Isso é modos de falar com a Joice? — Advertiu Wendy.
— Não tem problemas, ela tem razão — interviu Joice diminuindo o sorriso. Em seguida voltou a olhar para mim — Falta a Meg, mas... ela nunca fica com as demais.
— A esquisitona está lá fora, contando quantos galhos se tem numa arvore — Debochou Eleonor.
—Tudo bem meninas, já chega. Se dispersem imediatamente. Eleonor, pegue o suco de laranja que preparei para mim e nossa convidada — concluiu a enfermeira.
— Sim senhora.
Quando todas saíram da sala, Joice arrumou os lençóis que cobriam os sofás e sentou. Tudo ali era muito silencioso, mesmo com a canção infantil que a vitrola tocava, ainda conseguia escutar as chamas da lareira estalar nas madeiras carbonizadas. Sem um convite direto me sentei no outro sofá. Mantive a calma até então, mas meu coração voltara a bater forte, minhas mãos inquietas, faziam com que eu estalasse os dedos mais de uma vez, e meu olhar não conseguia desprender a atenção de Joice.
— Primeiramente, enfermeira, pode desligar esta vitrola, por favor?
— Mas é claro! — A mulher se levantou apressada e andou em direção ao tocador, tirando o disco dali. Ao voltar, repousou o disco em seu lado e sentou-se novamente.
— Agora você pode me explicar o que está acontecendo? — perguntei, ainda calma e reflexiva.
— Nada está acontecendo, Srta Moon. Fui informada de que você é uma pessoa experiente e que saberá lidar com essas crianças melhor do que ninguém, elas precisam de nós. Estou sozinha aqui, a única carregando este peso — ela parou por um instante e apertou a vista, como se tentasse me enxergar por dentro — assim como essas meninas, você possui uma marca incicatrizável, a diferença é que sua marca é de quem foi escolhida para ter uma segunda chance na vida. Elas não terão essa chance.
— Segunda chance? Eu não gostaria de ter tido uma segunda chance, não pelo preço que tive que pagar, tudo graças as pessoas que você trabalha. Me prenderam em um orfanato perturbador, destruíram minha infância e minha vida, e agora, meus amigos foram sequestrados e isso aqui também é considerado sequestro, não posso passar por uma situação dessas com você tendo ciência que não pedi para estar aqui. Cadê meu celular?
— Quem dita as regras e quem manda neste estabelecimento sou eu e jamais farei nada contra você ou essas crianças se é o que está pensando. Você pode ir embora a hora que quiser, mas não aconselho ir neste momento, logo vai entardecer e o ônibus para a cidade só vem de manha. A viagem daqui para lá leva um bom tempo e você jamais conseguiria fazer isso com as próprias pernas, é perigoso.
— Estar aqui, conversando com você, é a mesma coisa que caminhar por uma estrada perigosa. Então para mim não fará diferença. Agora, onde está meu celular?
— Desculpe mas você chegou aqui apenas com as roupas do corpo e não sobreviveria caminhando até a cidade, pode apostar. A pobre Eleonor havia cedido o quarto dela exclusivamente para você mas já que não aceita ajudar essas crianças com seus destinos traçados, então pelo menos aceite nossa recepção por esta noite.
— Se é tão boa quanto diz, então quem me enviou para cá e te passou informações sobre mim? E o que sabe sobre meus amigos?
— Com licença, trouxe o suco — Interviu Eleonor segurando uma bandeja de inox, com dois copos cheios.
— Obrigado meu amor. Você está linda hoje, de fato — Respondeu Joice sorridente.
— Obrigada enfermeira Joice — Em seguida Eleonor olhou para mim com seus grandes olhos castanhos e também sorriu — Você também inspira beleza, sabia? Espero pelo menos chegar na sua idade para poder ser tão bonita quanto.
Quando a garota saiu, pude olhar em sua nuca e ali não havia nenhum tipo de furo como o meu. Joice ainda sorrindo, tomou o suco em um gole.
— Srta Moon, este aqui é o Golden Asylum, para crianças especiais. Não sei o que passou no lugar onde esteve quando criança mas isto aqui não é um orfanato, e sim um lar. Não magoe minhas crianças com suas questões e nem com suas experiências desagradáveis. Por hoje, quer você queira ou não, ficará aqui para a sua segurança, ao amanhecer você vá embora e não me questione mais nada — concluiu Joice de sorriso aberto.
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