ATO 5
Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror.
Desnorteada, quase cambaleando, encontrei a saída do terceiro andar, sentindo um grande alívio ao avistar ali perto as escadarias que levavam ao piso dois. Por sorte, a ala hospitalar ficava na primeira entrada do corredor de salas à direita. Apoiei meu corpo na parede e entrei aos tropeços.
O local não havia porta. Apenas uma abertura extensa de formato oval acima, e a grande e única janela em seu fim que dava a vista para os jardins do orfanato, porém estava fechada. A pouca iluminação vinha dos castiçais cravados nas paredes em cima de cada cama.
Apenas quando derrubei acidentalmente uma bandeja com medicamentos em cima de uma das cômodas, surgiu a enfermeira Spencer. Sem muita surpresa, correu em minha direção pegando em minhas mãos e direcionando-me a uma das camas, como se já aguardasse minha visita.
— Está se metendo em encrenca de novo? — Questionou com um leve sorriso, arrumando os fios de um drenador que ficava ao lado de minha cabeceira. Spencer olhava para a máquina enquanto falava. Seu jeito dócil as vezes me irritava, e essa era uma das vezes.
— Estou apenas fraca, preciso me alimentar — Respondi impaciente.
— Claro! Vou trazer algo para você imediatamente! Programei o drenador para iniciar dentre trinta minutos — Afirmou enquanto saía dali para um canto onde ficava um armário branco, contendo diversos alimentos diferentes do que comíamos diariamente — Este é meu estoque secreto particular. Quer dizer, nem tão secreto assim. Uso em casos emergenciais, quando alguma criança está de fato precisando de algo mais saudável.
— Não preciso dos drenadores agora — Afirmei.
— Desculpe... O que você disse? — Spencer por um instante parara de mexer nos alimentos enlatados e virou o pescoço lentamente para minha direção, como se eu tivesse dito algo assombroso.
— Não quero dormir. Só isso — Disse com seriedade.
— Se você deseja desta forma, então tudo bem — Abriu um sorriso mais morno e voltara a remexer os alimentos enfileirados e alinhados no armário — Aqui está! Feijão e milho. Vai ficar melhor em instantes — Continuou ela, agitada e fechando o deposito de latas, levando duas delas para uma escrivaninha extensa, localizada de frente à janela de centro. Abriu uma gaveta na lateral e pescou dali um abridor prateado.
— Você sabia onde eu estava, enfermeira? — Questionei ao vê-la serena demais para um dia tão lastimável.
— Digamos que Rumpel tenha me dito algo a respeito. Mas isto não vem ao caso — Com um barulho de pratos tilintando, saindo de outra das gavetas de sua mesa, Spencer despejara o feijão e os milhos ali, fundindo ambas até formar uma sopa amarronzada — Eu a aconselharia em tirar um cochilo e...
— Não, obrigada. Vou comer, e sairei após isso. Só me arrume algumas vestes novas, por favor. Preciso tomar um banho.
— Claro... como desejar — Ela mexia o emaranhado de feijão e milho com uma colher de madeira, de cabeça baixa, enquanto eu analisava os remédios que derrubei minutos atrás. Eram pílulas minúsculas como balinhas de hortelã redondas que estavam dentro de um pote pequeno transparente, sem rótulos.
A enfermeira não notara o acidente, e antes que eu a informasse sobre, me virei de barriga para baixo no macio colchão, estiquei o braço e peguei o pote. Virando-o na parte de baixo, uma pequena palavra em azul: Clonazepam — Aqui está — Terminou ela, colocando o prato com a sopa em meu colo e as vestes perfeitamente dobradas em cima de uma toalha, ao lado de meus pés. Porém, ao ver o que eu segurava em uma das mãos, a mulher arregalou seus olhos por de baixo de seus óculos e rapidamente o tirou de mim — Aonde achou isso?!
— Ah, me desculpe, eu derrubei sem querer quando entrei, e...
— Você derrubou?! — Exclamou perplexa, abaixando-se no chão. Ficou de quatro e esticou os braços para juntar os comprimidos espalhados e apanha-los de uma só vez — Coma esta sopa e vá — Terminou rispidamente ao colocar um deles direto na boca e o restante no pote. Spencer se afastou dali e voltou a arrumar os lençóis das outras camas.
Virei o prato de sopa em um só gole e deixei o que sobrara na cômoda da cabeceira. Apanhei as vestes e parti.
— Obrigada enfermeira — Ela não respondeu e continuou arrumando os lençóis.
Segui para o gélido corredor de salas. Os irrecuperáveis estavam em quase todas elas, por sorte as portas estavam fechadas, me dando o privilégio de passar por eles sem ser vista. Não precisava de espelho algum para saber que minha aparência estava deplorável.
Ainda assim, a ansiedade era muita em ver meus amigos novamente. Desci as escadas para o pátio principal onde ficava o vestiário feminino. Ali não havia muita gente, não consegui avistar ninguém conhecido a não ser Rumpel que varria o extenso tapete redondo que decorava o centro do lugar. O rapaz desviou sua atenção para mim, e me deu uma piscadela. Ato esse de quem sabia o que estava fazendo e de quem ordenara um lobo de quase dois metros a me libertar do cárcere.
Respirei fundo e fui em direção ao vestiário na parte direita do pátio. Abri a porta de madeira e entrei.
O vestiário feminino era grande. Possuía uma divisão em seu meio. De um lado ficava os boxes com chuveiro, do outro, os boxes com sanitários e o espelho, na divisa, que se estendia de uma ponta a outra do local.
Geralmente quando estou aqui, raramente me deparo com alguém, mas desta vez, uma menina estava parada em frente ao espelho, fazendo delicadas tranças em seu cabelo castanho claro. Ao notar minha presença, me fitando da cabeça aos pés, enojada, ela parou o que fazia e caminhou para a saída do local.
O vasto espelho retangular continuava a refletir toda a área, dando a impressão de que ali era maior do que aparentava. Levei um susto quando pude me ver também. Uma Pandora com enormes olheiras, cabelos oleosos, grandes, quase alcançando o quadril, tão pálida que parecia estar morta. E o mal cheiro que não se refletia ali, mas sentia-se de longe.
Sem muito o que pensar, liguei o chuveiro do último box e despi minhas roupas. A água quente fazia o vapor se espalhar como uma neblina densa. Meus músculos relaxaram. Encostei as costas na parede e deslizei o corpo lentamente ao chão. Fiquei sentada enquanto a ducha quente atingia minha cabeça.
Ao levantar, fechei o chuveiro, apanhei a toalha e me enxuguei enquanto olhava para meu reflexo. Alguns cacos de vidro estavam espalhados no canto da pia devido a algumas rachaduras do espelho.
Terminando de me vestir, peguei um dos cacos e o segurei com cautela. Com a mão esquerda juntei meus cabelos em um rabo e comecei a serra-los com o vidro mais da metade. Os fios caiam como penas e ziguezagueavam no ar antes de encostar no solo.
Logo toda a pia fora coberta por eles. Fios ainda úmidos. Após um último corte, puxei o tufo que saíra de mim e joguei o resto na lixeira embaixo da pia. Senti uma sensação estranha.
Algo novo.
Desta vez, uma Pandora de cabelos curtos, repicados, mesmo que um pouco tortos, me encarava do outro lado.
Naquele momento, escutei um som de teclados vindo do piano lá fora que me tirou a atenção do espelho. Saí do vestiário para o pátio. Um garoto estava ali, domando o velho instrumento. Possuía cabelos grandes, e trajava um moletom verde-musgo.
Ao lado dele, em pé, outro garoto, de cabelos bem curtos, loiros, mas usava um vestido roxo e calçava um coturno preto. Quando me aproximei, ambos olharam para mim.
— Pancada! — Exclamou Petúnia ao lado de Patrick.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro