ATO 38
Pois a coragem cresce com a ocasião.
Quando pisamos em um formigueiro, as formigas que lá habitam saem desesperadas, partindo para todas as direções. O chão vira uma constelação de pontinhos avermelhados. As formigas jamais esperariam que sua casa fosse destruída repentinamente. O objetivo após isso era a sobrevivência delas, cada uma por si.
E agora, é o que estava acontecendo naquele momento.
— CORRAM! SAIAM DO PATIO! — Petúnia foi a primeira a subir as escadas e gritar para os irrecuperáveis, mas todos estavam confusos, não sabiam como reagir. Quando eu e Patrick aparecemos ali, ofegantes, dissemos juntos:
— Salvem... suas vidas.
Minutos depois as crianças mortas começaram a subir as escadas engatinhadas, outras de pé, passando por cima das demais. Eram um rebanho desgovernado. Quando finalmente alcançaram o pátio, elas grunhiram mais alto. Os irrecuperáveis viram toda a cena e começaram a gritar, descontrolados.
Correram para todas as direções.
O movimento em massa fez os mortos perseguirem todos presentes.
— FIQUEM PERTO DA GENTE! — gritei para Brok e os Freaks.
— Pan! O que está acontecendo? O que são essas coisas correndo?! — questionou Brok, tentando captar o movimento das crianças.
— São crianças inconscientes, vão matar todos nós se deixarmos!
A vitrola tocava um som pacato, uma orquestra composta por violinos, saxofones, arpas, entre outros. Olhando em volta, vi o desespero e o medo em todos os cantos. Crianças sendo atacadas friamente. Golpeadas pelas costas, arranhadas e mordidas. Os mortos eram ágeis, corriam mais depressa de quatro, com os dentes amostra. Pareciam criaturas selvagens do mundo dos sonhos.
O grande porém, é que estávamos na realidade. As crianças subiam em cima do piano velho para se esquivarem das criaturas, mas os saltos que elas davam conseguiam alcança-las. Outras corriam para o refeitório, mas antes que chegassem na entrada, dois ou três mortos pulavam em cima delas, imobilizando-as. Aos poucos, o piso e o tapete iam sendo manchados com sangue.
Quando pensamos que nada mais poderia parar aquelas coisas, um assovio alto invadiu o lugar. Todas as criaturas mortas pararam de atacar. Olharam ao mesmo tempo para o local do som emitido. Pompoo estava parada em frente à entrada secreta. Seu vestido vinho esvoaçava para os lados, e seus cabelos soltos e ruivos ganharam destaque quando as velas as refletiam. A diretora caminhou para a grande porta de mogno, e todas as criaturas a seguiram.
Parou ali perto e fitou todos os feridos pelo breve ataque. Choros e gemidos dolorosos percorriam meus ouvidos, meu coração cansado, doía em suas batidas rápidas.
Para Pompoo o efeito devia ser o contrário, ver tanto sofrimento a deixava em êxtase. Muitos irrecuperáveis ficaram com marcas horríveis pelo corpo.
— Obediência é uma palavra muito bonita — dizia enquanto as criaturas se organizavam atrás dela — Uma pena que nem todos conhecem seu significado — Os funcionários apareceram no pátio com as faces pálidas, de olhos arregalados. Dalva, Rumpel, Joshua, Oliver e Spencer. Eles ficaram imóveis, perto das escadarias para o segundo andar. Assim como a maioria, ninguém se pronunciou.
Os irrecuperáveis atingidos se erguiam e tumultuaram no outro extremo do local, distanciando da diretora e de suas criaturas. Todos se juntaram aos funcionários, assustados, aos prantos. Eu, por ventura não os acompanhei. Meu destino era outro. Fui em direção a Pompoo.
Era apenas eu e ela na dianteira.
O medo não me incomodava mais. Estar de frente com a pessoa que destruiu meus sonhos, minha infância e tudo depois disso, não era mais motivo para se ter medo, e sim para se ter bravura. Uma hora esse dia chegaria, o dia em que eu teria que enfrenta-la, sem teme-la.
— É isso o que vocês querem? Ruína? De que valeu o trabalho que eu e meus funcionários tivemos aqui? Sempre dando prioridade ao bem-estar de vocês! Em troca, o que me dão? Uma rebelião contra mim! A pessoa que tirou vocês da sarjeta. Muitos aqui vieram de outros internatos. Esqueceram o quanto sofriam? Outros não tinham nem onde morar! Não deixem meia dúzia de laranjas podres estragarem o jardim que construímos.
— Você é a única laranja podre deste lugar — respondi com os dentes cerrados. Pompoo não se conteve. Ergueu sua mão para mim.
— Cale essa boca, sua...
— Não encoste as mãos nela — interrompeu Rumpel, no momento em que a diretora iria me golpear. Ele saiu do meio dos irrecuperáveis, caminhando até mim.
— O que?! — Perguntou surpresa, ao notar o zelador se aproximando.
— Esse foi o limite dos limites — continuou ele — Pegue essas criaturas e coloque-as no subterrâneo de novo. Ninguém aqui vai se ferir mais.
Pompoo apertou a vista e analisou Rumpel da cabeça aos pés. Ficou alguns segundos quieta e depois abriu um sorriso de lado.
— Só um momento. Agora faz muito sentido para mim... foi você que abriu o caminho para essa pirralha descobrir tantas coisas, não foi? Quer dizer, não teria como uma criança saber de tanto em tão pouco tempo.
— Fui eu sim. E faria tudo de novo se fosse preciso — Rumpel colocou as mãos em meu ombro me encorajando — Se você provocar uma guerra aqui dentro, saiba que Pandora não estará sozinha.
— Não mesmo — interviu Brok chegando perto de nós com sua bengala prateada. Petúnia veio logo atrás, junto de Patrick e dos Freaks. Dayse, a bailarina veio ao nosso encontro com mais meia dúzia de crianças escondidas na multidão, traziam consigo pedaços de madeiras e objetos pontiagudos.
As armas improvisadas iam sendo distribuídas para cada um. Objetos pegos da sala de Utensílios.
Olhei para trás e metade do pátio estava ali perto.
— Mas que piada! Os que ficarem ao lado dessa criança, irão pagar com suas vidas. Vocês ainda têm a chance de atravessarem esse pátio e virem até mim. Comigo estarão a salvos. Não deem ouvidos para esse zelador que nunca serviu para nada! — Pompoo mudou sua expressão ao falar as próximas palavras. Um semblante amargurado, como se seu olhar e o de Rumpel estivessem trocando mensagens ocultas — Nunca esteve presente em nada. Nunca foi digno do sobrenome que tem — e voltou o foco para o restante das crianças — Se querem paz, fiquem ao meu lado — insistiu.
— Para acabarmos que nem essas criaturas atrás de você? Jamais! — rebateu Patrick. O garoto se virou para o restante dos irrecuperáveis no fim do pátio — O QUE QUEREM É ISSO? SE TRANSFORMAREM NESSES MONSTROS?
Naquele instante Dalva, a merendeira saiu entre as crianças e veio ao nosso encontro, focada apenas nas criaturas de Pompoo. Estava pálida e horrorizada. Suas mãos chegaram até seu rosto conforme se aproximava. Fitava uma delas em especial.
— F-filha...? É você? — perguntou para uma garota junto dos mortos. Uma garota de cabelos negros e grandes, suas vestes estavam rasgadas e amareladas. Sua pele tão cinza quando os pilares do pátio.
— Não se aproxime dela. Sua filha não é mais sua filha, Dalva. Ela me pertence, agora — advertiu Pompoo ao ver a mulher chegando cada vez mais perto. Dalva parecia não escutar mais ninguém.
— Filha, por favor, fale comigo...
— Dalva, não chegue perto dessa criança! — ordenou Rumpel.
Sem reação, Dalva ficou o mais próximo que podia, colocando as mãos no rosto da criatura. Isso desencadeou uma série de acontecimentos horríveis. A criatura a atacou, jogando seu corpo para cima dela, derrubando-a. Dalva soltou um grito agudo enquanto se estatelava no chão. Se debatia, tentando tirar sua filha de cima dela, mas não adiantou. Com unhas afiadas a criança perfurou seu pescoço repetidas vezes até a mesma parar de gritar e se debater.
Muitos que presenciaram aquela cena viraram o rosto, enojadas.
Pompoo ignorou o assassinato que acontecia ao lado. Sua atenção era em Rumpel que sacara de trás de suas costas um bastão preto, deixando-o à vista. Ao empurra-lo para frente, a arma dobrou de tamanho. Como se tivesse previsto a atitude do irmão, ela retirou um bastão semelhante ao afastar uma parte de seu vestido, mostrando um cinto em sua coxa que servia de suporte para a arma.
Ambos aplicaram o mesmo golpe ao mesmo tempo, chocando as duas armas em um estalo alto.
— MATEM TODOS! — Bradou ela para as criaturas sanguinárias.
— VAMOS REVIDAR! — Gritei aos meus aliados. Os monstros dispararam em nossa direção e nós disparamos em direção a eles.
Ao contrário das formigas, não fugimos mais.
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