ATO 37
O fantasioso nega a verdade para si mesmo; o mentiroso apenas para os outros.
— Eu sabia! Sabia que era uma desgraçada traidora. Meus sentidos não me enganam! — exclamou Petúnia.
— Pois então devia ter me matado antes, sua burra — a voz de Mavis ecoava em meus ouvidos de uma forma distorcida. Não podia olhar para trás e nem muito para os lados se não eu corria o risco de ter uma bala sendo perfurada nas minhas costas — Francamente Petúnia, não tem como levar a sério um garoto que usa saia, você é uma piada.
Petúnia silenciou, desfazendo sua expressão de fúria. Encarava Mavis com um olhar severo. Seus olhos azuis haviam perdido o brilho, como se sua alma fosse sair do corpo a qualquer momento. Algo nela ficou diferente.
— Devo concordar com ela — interviu Pompoo no fim da sala, tomando mais um gole de seu chá. A diretora esbanjava um sorriso de lado, maldoso, perverso — Pandora irá morrer aqui. Quero que levem isso de lição quando subirem aquelas escadas novamente para o pátio. Digam a seus amigos rebeldes que eles morrerão também. Morrerão todos que tentarem se opor a mim. Traduzam a morte dela como um último aviso.
— Se algum de nós morrer, vocês duas também morrem. Nossa equipe já está muito bem treinada para te destruir, diretora — afirmou Patrick.
— É mesmo? E vocês estão em quantos? — perguntou ela levantando a sobrancelha, curiosa.
— Estamos em mais números do que você, pode ter certeza.
— Será? Então me ajudem a contar os meus aliados, por favor — com duas palmadas no ar, uma outra luz clara iluminou mais uma parte da espaçosa sala. Um local atrás de Pompoo, com paredes de vidro, semelhante a uma caixa enorme, transparente.
Por de trás dela, o grande choque: Várias crianças em pé de cabeças baixas. Tinham peles acinzentadas, vestidas miseravelmente. Os ossos de seus corpos estavam quase expostos devido a tamanha magreza.
Fungos esverdeados espalhavam por suas peles pútridas. As veias de seus pescoços pulsavam, deixando-as bem evidentes. Elas reproduziam um som pela boca semelhante a um gemido, conforme mexiam os maxilares, gosmas escuras escorriam dali para o queixo pingando no chão.
O piso deste local era revestido de líquidos pretos e alguns insetos rastejantes, esverdeados. Ao erguerem a cabeça após a claridade, notei que seus olhos eram completamente brancos.
Não conseguiam falar nada, apenas grunhiam. Ali encontravam-se os grandes responsáveis pelos sons que me atormentavam desde a noite passada e que agora, me atormentariam para o resto da vida.
O que aconteceu com elas? Como ficaram nesse estado? Tudo se desligou por um minuto em minha volta, eu só tinha visão para aquela cena horrível. Não foi a traição de Mavis e nem a ilustre presença de Pompoo que me chocou como aquilo me chocara. Vira e meche as crianças se debatiam contra a parede de vidro, com as mãos para frente, em um gesto de suplica, talvez.
Coloquei as mãos no rosto, tapando minha boca e senti minhas lagrimas escorrerem. Meus olhos arderam. O sofrimento estava estampado em seus rostos acinzentados. Não pareciam vivas, nem mortas.
— Fingir estar com pena delas é um dom que você não tem, Pandora. Sua pesquisa sobre os órfãos desaparecidos foi um completo fiasco. Eles nunca estiveram desaparecidos, sempre residiram aqui, neste orfanato. São leais a mim, ao contrário de voc...
Antes que Pompoo pudesse terminar seu monologo, Petúnia correu em minha direção. Tão veloz que nem pude notar quando ela deslizou no chão impulsionando seu corpo para frente com a mão esquerda, e com um golpe de pé, ela chutou o quadril de Mavis, arremessando-a a uma distância considerável, fazendo com que a arma voasse alguns metros para longe de nós.
Foi tudo muito rápido.
Mavis levantou do chão quase no mesmo instante em que caíra, jogando seu corpo para frente com um impulso ágil. Depois correu até onde a arma aterrissou, mas Petúnia já estava próxima.
— SE AFASTEM!! EU MESMA VOU MATAR ESSA JAPONESA DE MERDA! — Gritou Petúnia ao nos ver aproximarmos para impedir Mavis de chegar até a arma. Quando Petúnia apanhou o revólver, Mavis já estava em seu encalce, aplicando um golpe com o cotovelo nas costas dela. Petúnia perdeu o equilíbrio soltando a arma. Ao ver Mavis correr, passando em sua frente, a garota agarrou seu pé esquerdo, derrubando-a novamente.
Com as duas no chão, Petúnia subiu em cima de Mavis, imobilizando seus braços com as mãos, mas não foi o suficiente para para-la. Mavis usou suas pernas para se prenderem no pescoço de Petúnia, no qual a fez solta-la. Na sequência, Mavis aplicou um golpe com a cabeça no rosto dela, jogando-a para frente.
A japonesa aparentava ser muito experiente em luta. Ficou em cima de Petúnia, aplicando nela golpes seguidos com os punhos, porém Petúnia defendia com seus braços sobre o rosto. Antes de terminar os golpes, Mavis foi jogada para o lado quando Petúnia virou seu corpo para tira-la dali. As duas rolaram no chão, puxando os cabelos uma da outra.
Eu e Patrick corremos para pegar a arma, mas Mavis percebeu nossa empreitada e se desprendeu de Petúnia, levantando-se e correndo até nós. No momento em que Patrick apanhou a arma, Mavis chutou sua perna esquerda, fazendo-a se deslocar do corpo. A parte de madeira que substituíra sua carne, se desprendeu, desequilibrando Patrick. Ele caiu no chão de barriga para frente, soltando a arma.
— Patrick! NÃO! — Gritei ao ver a perna de madeira saindo dele. Antes que Mavis conseguisse pegar o revólver, Petúnia atingiu seu ombro com o coturno que tirara do pé. O golpe foi certeiro. Mavis andou alguns passos para frente devido ao impacto.
— EU DISSE PARA NÃO INTERFERIREM! ELA É MINHA! — Vociferou Petúnia. Ambas se encararam por segundos. Mavis de um lado, perto da arma, e Petúnia do outro, sem seus calçados. Corri para ajudar Patrick a se levantar enquanto Pompoo observava a cena segurando sua xicara de chá.
Mavis sorria enquanto encarava sua adversaria, ela disparou em direção a Petúnia para ataca-la e então, Petúnia agiu. Retirou de sua cintura, um cinto que prendia sua saia com o resto da roupa e o manuseou no ar, lançando-o para cima de Mavis.
O cinto se prendeu em uma de suas pernas, no qual fez Petúnia puxa-lo com força para derruba-la de novo. Mavis caiu, e naquele momento, Petúnia deu um pequeno salto. Com o punho direito fechado, desceu um golpe certeiro no rosto de Mavis, espirrando sangue em uma parte da parede branca. A garota, ainda consciente, não permitiu outro golpe e rolou o corpo para direita, se safando de mais um ataque direto de Petúnia.
Um caminho de sangue percorria seu rosto. Seus olhos pequenos fitavam outra coisa:
O revólver.
Petúnia também desviou sua atenção e ambas correram para apanha-lo.
As duas chegaram no mesmo tempo, chocando seus corpos uma na outra e agarrando a arma juntas. Firmaram suas mãos no revólver e o puxavam na tentativa de desprende-lo da adversaria.
Pareciam duas crianças brigando por um brinquedo.
Enquanto a disputa acontecia, eu havia pegado a perna de madeira de Patrick e a colocava em seu devido lugar. Amarrei as cordas que conectavam o suporte da perna e o deixei fazer o resto. Patrick me agradeceu com um breve sorriso.
— LARGA ESSA ARMA, SUA CADELA! — exclamava Petúnia.
— VAI TER QUE ME MATAR! — Rebateu Mavis.
Observávamos com tensão. A ponta da arma ia para várias direções conforme a puxavam. Nos afastamos delas. Pompoo levantara de sua cadeira e saiu da mira do revólver. Até que por fim, escutamos um estalo alto.
Fechei os olhos naquela hora.
Um clarão surgiu e barulhos de vidros invadiam o local. Minha espinha toda havia arrepiado quando olhei para a área do impacto. A grande parede de vidro havia sido atingida pelo tiro e se despedaçado em milhares de pedaços.
Todos silenciaram.
Mavis soltou um grito ao ter o braço esquerdo atingido pelo joelho de Petúnia. Ambas soltaram a arma e Mavis ajoelhou, agonizando de dor. Seu braço havia quebrado.
— Que vergonha, ser derrotada por um garoto de saia — concluiu Petúnia com um ar de deboche. As crianças aprisionadas ali, começaram a sair, correndo em nossa direção, se esbarrando e tropeçando umas nas outras. Os milhares de passos faziam ecos na sala inteira. Passavam por Pompoo como se ela não existisse. Nem se quer encostavam nela.
— VAMOS SAIR DAQUI! AGORA! — Gritei a eles. Petúnia olhou para Mavis com desprezo, pegou em seu colarinho e desbravou um soco tão forte em seu rosto que alguns de seus dentes voaram de sua boca junto com um jato de sangue.
— Agora vamos — respondeu Petúnia.
Segurei no braço de Patrick, o mesmo agarrou a mão de Petúnia e juntos corremos para as escadas que davam para o pátio. Aquelas criaturas não tinham consciência, suas expressões aparentavam que iam nos matar a qualquer custo. A mesa do chá e todo o resto foi varrido pela horda de crianças que corriam até nós.
— NÃO ME DEIXEM AQUI! ME TIREM DAQUI! — olhei para trás rapidamente, Mavis suplicava, com a boca ensanguentada, arrastando seu corpo e erguendo seu braço para frente. Era tarde demais para se fazer alguma coisa, a multidão de crianças já havia a alcançado, se jogando em cima dela, mordendo partes de seu rosto e pisoteando-a até ela não ficar mais visível também.
Pompoo permanecia ao fundo da sala, sorrindo.
A partir dali o caos foi total.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro