ATO 36
Duas almas com um mesmo pensamento. Dois corações que batem como um só.
O cansaço era implacável.
Para uma criança de doze anos, eu me sentia com quarenta. Dores nas costas, na cabeça e com a pálpebra esquerda tremendo, descontrolada. Podia ser do stress e de tudo de ruim que poderia estar por vir. Nunca esperei coisas boas acontecerem, seria estranho. Penso em muitas possibilidades, todas elas ruins também e quando coisas ruins acontecem, lembro da palavra "infância". Não me recordo de absolutamente nada que faça jus a ela a não ser o Insanity Asylum. A impressão que tenho é de estar nesse orfanato, fugindo das coisas, correndo atrás de respostas a minha vida inteira. Temo por minha infância não ser nada mais do que isso.
Se eu escapar daqui, qual seria o próximo passo? Não terá ninguém lá fora me esperando. Minha fase criança foi aqui dentro, junto com a dor e o sofrimento.
Cortei minha linha de raciocínio ao abrir a porta que dava para a fria cela do terceiro andar. Dante estava de pé.
— Como Rumpel não conseguiu descobrir que você roubou as chaves daquele compartimento?
— Foi simples. Na época em que peguei o manual de domesticação de animais, também dei uma espiada no dos drenadores. Bloqueei minhas lembranças relacionados ao furto através da combinação de um código que aprendi nele. Agora vamos ao que interessa, você conseguiu a chave? — perguntou olhando diretamente para meu short. Quando retirei o objeto enferrujado do bolso, o garoto mordeu os lábios — perfeito.
— Me diz uma coisa, o que pretende fazer fora desta cela? — perguntei colocando a chave na fechadura.
— Não é da sua conta. Mas se isso te conforta, não ficarei perambulando lá embaixo. Ficarei por aqui, no terceiro andar — com as mãos tremulas, abri a porta e Dante saiu. Bateu em suas vestes para tirar a poeira, arrumou seus cabelos negros e bagunçados, pegou a chave da cela, colocando-a no bolso esquerdo e no do direito retirou o objeto que me prometera — aqui está a última chave do compartimento. Divirta-se — Dante saiu do local e ficou parado no corredor das salas, de frente a sala de depósitos.
— O que tem aí dentro? — soltei mais uma pergunta, seguindo-o.
— Aqui é onde os construtores guardavam seus acessórios que usaram para criar esta mansão. Pelo que li em um arquivo, essa sala contém muitas coisas interessantes. A chave da cela é a chave para todas as salas desse andar. Só não consegui pega-la antes porque ficava o tempo todo com aquele zelador idiota.
— Rumpel não é idiota. E seja lá o que você for fazer, sabe muito bem que estará morto se tentar alguma coisa contra nós.
— Sei, sei. Nos despedimos aqui, Pandora — Dante destrancou a porta do deposito e entrou. Para a minha segurança decidi não acompanha-lo. Apenas corri para fora do corredor, desci as escadas para o segundo andar até chegar ao pátio. Faltava pouco tempo para o começo das aulas do professor Oliver. Os irrecuperáveis estavam espalhados pelo local aguardando o soar da sirene.
— Pan! Onde você foi? Estávamos te procurando! — perguntou Patrick preocupado.
— Eu preciso que você falte na aula hoje para me ajudar a resolver uma coisa.
— Que coisa?
Segurei em seu braço e o puxei para longe dos olhares curiosos. Juntos entramos nas escadarias do subterrâneo. As chamas das tochas que ficavam presas na parede de pedra quase se apagaram ao passamos por elas as pressas. Desci os degraus junto dele em saltos até chegar no local do compartimento secreto.
— Pan! Responde!! — ordenava ele de expressão assustada.
Ignorando-o, apertei os tijolos dali e novamente eles afundaram, dando abertura para o compartimento de três buracos. Patrick arregalou os olhos ao ver aquela parte da parede se transformando. Saquei do bolso todas as chaves e as coloquei em seus respectivos encaixes.
— Isso aqui é o que descobri na noite passada enquanto vocês faziam a reunião com o grupo. Fui até Dante e o pressionei, forçando-o falar dos segredos que sabia. No fim ele me revelou muitas coisas, e aqui estamos.
— O que?! Você foi pedir ajuda ao psicopata que matou minha irmã? Perdeu o juízo, Pan? E se isso for uma armadilha? — questionou Patrick.
— E se não for? Eu tinha que aproveitar essa chance! Por favor, me perdoe. Não faço a mínima ideia do que encontraremos quando essas chaves funcionarem, mas de qualquer forma, não conseguiria fazer isso sem você — Ficamos quietos, encarando a expressão aflita um do outro, esperando um dos lados cederem — Você foi o único que esteve comigo até agora. Te dei coragem para encontrar sua irmã, e você me deu coragem para continuar lutando.
— Ainda não engoli essa história do Dante, mas tudo bem, estou aqui — o garoto colocou as mãos em uma das chaves.
A tensão foi grande.
Nossos corações tamborilavam em conjunto, as mãos suavam frio e os dedos que tocavam nas gélidas chaves deslizavam um pouco. Parecíamos estar em completa sintonia. Nossos olhares se cruzaram mais uma vez, de uma forma suplicante, como se ele estivesse me dizendo para acabar logo com isso.
Estamos tão perto, mas perto de algo que não sabíamos ao certo. E uma coisa era fato, Patrick me dava segurança e confiança. Eu podia fazer qualquer coisa estando com ele.
Juntos viramos as três chaves para a esquerda como se estivéssemos destrancando uma porta de três fechaduras. Sentimos um leve tremor acima de nós, um barulho de concreto se locomovendo. Nos entreolhamos e subimos rapidamente para a superfície. As crianças estavam tumultuadas no centro do local, formando uma roda. Olhavam para o chão enquanto murmuravam coisas.
Pareciam muito apreensivas.
— Nos dão espaço! Vamos! — gritou Patrick empurrando dois ou três para conseguir ver o que tinha acontecido. Quando conseguimos ter a visão do local, notamos que o centro do tapete redondo que ocupava metade do chão estava afundado.
— Se afastem!! — Gritei a eles. Patrick puxou o tapete para trás arrastando-o até mostrar a deformação no piso que se escondia por baixo dele. Era uma entrada, em forma de rampa com escadas. Fui em direção a ela e olhei para a escuridão lá em baixo.
— Vou descer — avisei a ele.
— Vou com vocês — disse Mavis se aproximando de nós.
— Eu também irei — afirmou Petúnia.
— Brok, Alisson, Clare e Lara, vocês podem ficar aqui na retaguarda? Se algo acontecer, quero que coloquem aquele plano em pratica mesmo assim — pedi a eles, segurando no ombro de Brok — conto com você, meu amigo.
Me virei para a entrada, fechei os punhos e desci os degraus. Meus pés tremiam conforme a escuridão nos consumia. Os demais desciam logo atrás. Quando não pudemos mais enxergar nada a não ser a abertura acima de nós, uma forte luz se acendeu como um flash. Luzes brancas florescentes que machucaram meus olhos de primeiro impacto.
Elas se acendiam em efeito dominó, mostrando uma sala espaçosa, com algumas maquinas ao lado e monitores nas paredes de canto. O local não parecia fazer parte do orfanato. A iluminação ali, era por lâmpadas de Led cumpridas e fortes. A única coisa familiar, era o som de gemidos assustadores que se aproximava conforme avançávamos.
Ao acender a última luz no fundo, uma mulher estava sentada em uma cadeira vermelha, aveludada, de pernas cruzadas. Em sua frente, uma mesinha branca com uma jarra de porcelana detalhada com desenhos florais, junto de duas xícaras da mesma estampa.
Quando temos um sentimento forte por alguém, sentimos nossa barriga formigar, as pupilas se dilatam e o coração bate mais rápido. Foi o que aconteceu quando olhei naquela direção para a pessoa sentada. Posso dizer que não foram apenas essas reações que surgiram. Fiquei com um pouco de falta de ar e meu pulmão se reprimia. Tudo acontecia ao mesmo tempo dentro de um corpo tão pequeno quanto o meu.
— Pandora, finalmente apareceu! — exclamou Pompoo dando um gole do liquido que estava em uma das xícaras. Minha expressão foi igual a de Patrick naquele momento: desprezo. O ódio já havia dominado meus sentidos — Estávamos esperando vocês para o chá da tarde.
— Vai ser o seu último chá, sua desgraçada — afirmei de punhos trêmulos. A diretora olhou para mim com seriedade, ainda sentada.
— Não entendo qual o problema de vocês comigo. Vocês são uma minoria que acham estar conduzindo um motim. Pensam que podem sair daqui quando quiserem, mas não podem. Até vocês atingirem a maioridade, eu estou no comando. Eu sou a lei deste lugar. Eu dito as regras. Francamente crianças, estou muito desapontada.
— CALA ESSA BOCA! VOCÊ MANIPULA TODO MUNDO, O TEMPO INTEIRO! VOCÊ E A VACA DA SUA IRMÃ! — gritei, com as veias saltando de meu pescoço.
E então, escutei um clic. Algo encostara em minhas costas. Algo metálico. Olhando para trás, pude ver o que estava acontecendo. Mavis segurava uma arma, apontada em mim.
— Olha o jeito que você fala da minha mãe — disse ela segurando o revólver com firmeza.
— Isso mesmo, minha querida sobrinha, defenda Audrey desses insultos — continuava Pompoo.
— Não se movam ou eu mato ela aqui mesmo, entendido? — vociferou Mavis olhando para Patrick e Petúnia que naquele momento não conseguiam dizer nada.
Os gemidos e murmúrios continuavam a assombrar o local.
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