ATO 29
Volta teu rosto sempre na direção do sol, e então, as sombras ficarão para trás.
O cansativo treinamento durou a noite inteira. As crianças do grupo estavam exaustas, então pedi a Dalva que fizesse uma refeição secreta para nós antes do restante chegar ao refeitório. Expliquei a ela o que estávamos planejando fazer contra Pompoo e os demais. Ela, apesar de apreensiva, não interviu em nosso plano. Acordamos cedo e corremos para lá, onde por sorte, a gororoba já não era mais como antes.
Em nossas tigelas, repousava uma sopa de feijão com pedaços de calabresa e um suco de laranja natural. Nossos olhos encheram de alegria.
A merendeira havia simpatizado comigo, mesmo não demonstrando abertamente.
— Comam isso de pressa, antes que os demais vejam. Não cozinhei isto para todo mundo.
— Muito obrigado mesmo, Dalva! Está maravilhoso — elogiou Alisson.
— Sério? — perguntou ela levantando uma das sobrancelhas grossas, quase fundidas umas com as outras.
— Muito sério — respondeu Patrick — Desculpe se isso for ofensivo, mas sua comida sempre foi um pouco... ah...
— Horrível — terminou Mavis — Sua comida sempre foi péssima. Mas desta vez está realmente boa! — Engolimos a sopa como se fosse água e quase nos engasgamos ao despejar o suco goela abaixo. Ao termino da refeição, jogamos nossas tigelas em um balde preto, onde repousava a louça suja. Me distanciei do restante do grupo e caminhei para a cozinha no fundo do refeitório. Apesar de pequena, desta vez o lugar estava arrumado.
Abri a porta ligeiramente e entrei.
— Aqui está. Como o prometido — tirei de baixo da camiseta uma pasta com alguns papeis soltos onde haviam os registros das crianças desaparecidas. Dalva manuseava uma colher cumprida de madeira, onde remexia um caldo verde em sua panela grande.
— Vejamos... — disse ela entusiasmada, soltando a colher de imediato.
Dalva folheava grosseiramente as páginas velhas, uma por uma, no entanto suas esperanças foram anuladas novamente ao terminar a analise — Ela não está aqui — suspirou desapontada.
Pensei em algo rápido para dizer a Dalva mas no momento não saía nada da minha cabeça. Senti pena. Pena de uma mãe que perdeu a filha para uma mulher perversa, assim como muitas mães também deviam ter perdido.
— O que aquela desgraçada fez com todas essas crianças? Isso aqui são documentos importantes, garota. Possíveis provas contra a diretora e o orfanato em geral! — Afirmou Dalva com seriedade — Muito cuidado ao andar por aí com isto. Pode estar assinando sua sentença.
— Serei cautelosa, pode deixar. E, sinto muito pela sua filha, eu tinha quase certeza que poderíamos encontrar alguma pista dela através desses papeis.
— Tudo bem, eu agradeço pela iniciativa. O que importa é as boas intenções. Ou você só me entregou esses papeis para saber mais sobre os funcionários?
— Tanto para te ajudar, quanto para saber mais. Conhecer melhor os funcionários daqui é uma vantagem. Precisamos de aliados fortes como a senhora, já que não conseguimos apoio da maioria das crianças.
— E quem disse que você tem meu apoio? Não participarei das suas tramoias. Apenas faça o que deve ser feito, ou ninguém mais aqui fará. Sou velha demais para essas coisas. Agora te darei um conselho. Não conte com nenhum dos funcionários, eles são perigosos. Existe uma irrecuperável de seu grupinho que está passando por uma situação delicada. Tem a ver com Joshua, o bibliotecário. Vigie os dois. É por sua conta e risco agora. — Dalva voltara a remexer o caldeirão de sopa — E mais uma coisa: Aquele moleque que está preso na cela não é uma criança comum. Ele sabe das coisas que acontecem aqui. Assim como também deve saber sobre o paradeiro da minha filha e não quer contar — afirmou ela.
— Dante? Como pode ter tanta certeza? — perguntei.
— Ele era o único que perambulava a noite pelo orfanato. Além de ter driblado o lobo do Rumpel, ainda matou uma irrecuperável e conseguiu enganar vocês por um tempo. Fique atenta.
Minha cabeça parecia explodir. Saí do local apressada e voltei ao refeitório. Chamei Patrick a sós para atualiza-lo do ocorrido.
— Alguém de nós está em uma situação delicada? Com Joshua? — perguntou intrigado — pelo que sei a única que fica com muita frequência na biblioteca é a...
— Lara — completei olhando para a mesa onde o resto do grupo estava. Lara não estava ali. Peguei na mão de Patrick e o levei para fora do refeitório — Vamos para a biblioteca.
Envolver o grupo todo em mais problemas só iria desgasta-los. Estamos dedicando todas as noites treinando habilidades e criando estratégias. Problemas como este, é melhor envolver o menor número de crianças possíveis. Patrick me fazia bem, eu realmente não conseguiria resolver as coisas sem ele.
Subimos para o segundo andar.
A biblioteca era a primeira porta do corredor de salas. Apertei o ouvido na porta para tentar fisgar algo.
— ...não estou segura quanto a isso... por favor... — a voz do outro lado soava abafada.
— Só mais um pouco e você pode ir — dizia a voz que reconheci ser de Joshua. Me afastei da porta e olhei para Patrick que me esperava perto das escadarias.
— E aí? Escutou alguma coisa? — perguntou ele.
— Não muito. Vamos esperar Lara sair. Ela não parecia muito bem pelo tom de voz. Patrick, o que você acha que está acontecendo?
— Não sei, Pan. Mas pode ter certeza que não é coisa boa. Nunca é.
A Sirene havia tocado naquele instante, dando início as aulas. Os irrecuperáveis começaram a se aglomerar e o corredor encheu rapidamente. Foi o momento em que Lara saiu da biblioteca apressada e se misturou aos demais. Seguimos ela, esbarrando uma vez ou outra em alguém, quando por fim, vimos a garota entrar na sala de utensílios ao invés de subir para a sala de aula. Olhei para Patrick e juntos entramos também.
O lugar estava em profundo silencio. Caminhamos entre os entulhos de coisas até chegar em uma parte onde o chão era visível. Lara estava sentada em uma pilha de livros, ajeitando seus cabelos negros e grandes.
— Lara? — chamou Patrick. A mesma olhou para trás assustada — Está tudo bem?
— Patrick! O que fazem aqui a essa hora? — perguntou desconcertada. Seu sorriso não era de alegria, mas sim de nervoso.
— Estamos preocupados — respondeu ele.
— Preocupados com o que? — perguntou desviando o olhar.
— Lara, você está com algum problema com Joshua? — questionei, indo direto ao ponto. Lara arregalou os olhos e ficou sem responder.
— Não precisa esconder nada da gente, porque uma hora ou outra, a gente acaba descobrindo.
— Não gosto de ser espionada — Disse ríspida.
— Lara, você é a nossa Freak mais inteligente. Somos uma família aqui dentro. Quando estamos em momentos difíceis, o mínimo que podemos fazer é estar perto uns dos outros e nos ajudarmos. Não foi para isso que criamos os Freaks? — dizia Patrick. A garota fazia esforço para não desabar.
— Não aconteceu nada, gente. Me deixem em paz! — exclamou. Porém, quando Lara virou o rosto para nós, notei que seu pescoço estava com pequenas marcas roxas e alguns arranhões no ombro onde seu cabelo cobria — Vocês irão se atrasar para a aula, vão embora, por favor!
Sem obedece-la, fui em sua direção e analisei as marcas mais perto.
— Isso... são hematomas? — perguntei intrigada, apertando a vista. Patrick também havia notado. Então a verdade veio à tona.
— Ele me obrigou, está bem? Podem me julgar a vontade — sua voz ficou fraca, e as lagrimas por fim caíram. Lara estava aos prantos. Ela abaixou a cabeça, onde uma boa parte de seus cabelos cobriam seu rosto — Me julguem, mas não contem aos demais, eu imploro. Ninguém pode saber dessas coisas.
— Aquele canalha fez essas marcas em você? — perguntou Patrick — Responda!
— Isso não é assunto para crianças! Vocês não entenderiam! Agora saiam daqui! Me deixem sozinha! — exclamou ela. Ficamos pasmos com aquela situação. Por outro lado, não tínhamos mais coragem de questiona-la. Nos entreolhamos e saímos da sala. Naquele dia, não fomos para a aula do professor Oliver.
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