ATO 28
As verdades que nos salvam sempre foram anunciadas por uma minoria e rejeitadas pela maioria.
— Ela me chantageou. Pompoo arruinou o pouco de vida que tinha me sobrado.
Sempre trabalhei como doméstica. Minha mãe ganhava bastante dinheiro com isso. Não que eu também quisesse trabalhar assim, mas antigamente as coisas eram difíceis para as mulheres negras. E foi deste jeito a minha vida toda. Trabalhei em muitas casas nobres. Conheci um rapaz que me engravidou no primeiro encontro, e no segundo, já não estava mais lá. Céus, você é só uma criança! Porque estou dizendo tudo isso?
— Eu realmente não me importo, Dalva. Já escutei histórias complicadas, muitas vezes.
— A questão é que fui convocada pela diretora. Ela me propôs um ótimo salário e uma estadia generosa. Eu teria que cozinhar e limpar o local, mas o excesso de trabalho diminuiu meu ritmo. Estou neste lugar a cinco anos e meu salário nunca foi aumentado. Minhas condições aqui são péssimas. Olha só para mim! Sou uma velha obesa de cinquenta e dois anos! Ainda assim, aquela desgraçada não permitia que eu fosse embora.
"Teve uma época em que minha filha adoeceu e precisei pegar uma licença de algumas semanas para passar um período com ela. Pompoo permitiu que ela ficasse aqui com as outras crianças, sendo cuidada por seus enfermeiros. Com o tempo minha filha começou a frequentar as aulas diárias, já que passava a maior parte do tempo neste lugar e resolvemos que ela ficaria aqui de vez."
"Para me tranquilizar, Pompoo me deixou cuidando apenas da parte da cozinha e diminuiu minhas tarefas até chegar nos dias de hoje, onde apenas cozinho e sirvo vocês. Mas eu não estava mais com saúde para trabalhar, então pedi as contas. E o que ela fez? Sumiu com minha filha. Teve a ousadia de dizer que ela estava atrapalhando minha rotina aqui dentro. Falou que foi mandada para outro orfanato e só voltaria quando terminasse meu contrato com ela."
— Quando termina o contrato? — perguntei perplexa.
— Daqui dois anos. Não vi mais minha menina desde então. Hoje é seu aniversário. Tentei comunicar a polícia, mas Rumpel descobriu meus planos e me impediu. A partir deste momento não pude mais sair das instalações. Todos os aparelhos de comunicações foram descartados. Se acha que está presa aqui, saiba que nós também estamos. Os portões do pátio principal são impossíveis de serem abertos se não pela diretora.
— Se Pompoo disse que sua filha está em outro lugar, então porque perguntou ao Dante sobre ela? Você descobriu alguma coisa? — joguei mais uma pergunta.
— Não, mas eu sinto que ela ainda esteja aqui. Não tenho provas, mas sei. Toda vez que caminho pelo pátio principal sinto seu leve aroma, algo bem sutil, que somente uma mãe desesperada sentiria. Toda mãe conhece o cheiro do filho. Ela está aqui, em algum lugar. E se quer saber, eu não sou a única funcionária que está sendo chantageada. Outros estão em situações parecidas.
— Outros...? Que outros?
— Por hora já basta, garota enxerida! Entregue para mim os registros que me disse e aí posso pensar em compartilhar mais. Agora suma da minha frente, as aulas logo começam e tenho um mutirão de magricelas alienados para alimentar.
— Tudo bem... saiba que estamos no mesmo time, Dalva. Obrigado pela confiança — sem responder, a mulher levantara e abrira a porta de seu minúsculo quarto para minha saída.
As coisas estavam começando a ficar mais claras em minha mente. Talvez eu não tivesse tantos aliados quanto pensava, mas ter funcionários do meu lado é uma vantagem imprevista. Dalva poderia ser útil.
Com várias ideias formuladas, percebi que todos aqui estão sofrendo, até os adultos. Pompoo é uma arvore podre que está apodrecendo todo o jardim em sua volta. Temos que corta-la pela raiz, antes que não sobre mais ninguém para contar histórias.
Talvez tenha sido essa a motivação de que eu precisava. Ao termino da última aula, reuni Patrick e Mavis para um rápido comunicado.
— Nós faremos um treinamento com o pessoal que ficou do nosso lado. Irei prepara-los para uma batalha aqui, na vida real.
— Que bom que teve tempo o suficiente para pensar. Nós também conseguimos bolar ideias interessantes para a próxima reunião — afirmou Patrick.
— E onde esteve a manha toda? — questionou Mavis.
— Visitei alguns lugares do terceiro andar e descobri algumas coisinhas. Conto tudo uma outra hora, agora vamos.
A chuva que se arrastou o resto do dia, cessara. A sirene ensurdecedora ecoou por toda parte, anunciando a hora de dormir. Olhamos para as crianças restantes do grupo e acenamos com a cabeça. Ao chegarmos nos dormitórios, Mavis já havia programado as maquinas para que funcionassem da mesma forma que na noite passada. Esperamos todos se acomodarem em suas camas e mais uma vez nos encontramos em segredo.
— Sejam bem-vindos de volta — disse a elas com os braços por trás das costas. O cenário em que estávamos era uma floresta ampla, com monumentos astecas de fundo, pirâmides feita por pedras enormes e estatuas dominadas por musgo.
O sol se escondia por várias camadas de nuvens brancas e alguns pássaros estranhos com quatro asas sobrevoavam ali perto — antes que perguntem, não faço a mínima ideia de onde estamos. Pelo que Mavis me disse, os drenadores geram um lugar aleatório no banco de dados do sistema, e cá estamos. Muito obrigada por terem acreditado em mim e saído de suas zonas de conforto. Isso é muito importante para o que está por vir.
— E o que está por vir? — perguntou Dayse, a bailarina.
— Liberdade para todos aqui. As crianças que não se juntaram a nós automaticamente ficaram contra nós. Se quisermos sair deste lugar, teremos que passar por cima de todos que tentarem nos impedir. Não será difícil Pompoo joga-los contra a gente.
"Eu tracei um plano, mas para isso precisamos treinar nossas habilidades. Quero o lado selvagem de vocês se aflorando. Esqueçam os sonhos bons que os drenadores davam. Voltem com a fúria que sentiam quando assassinaram alguém, ou quando foram vítimas e acusadas injustamente. Pensem em todas as tristezas e frustrações e deixe-as ir" — a seguir, um baú grande e retangular de madeira emergiu da terra, no centro do campo.
— Essas são as armas que irão ajuda-los. Cada qual representando o lado agressivo de suas personalidades — continuou Patrick — Eu mesmo me encarreguei de cria-las, como somos a minoria, foi fácil.
— Somos uma minoria que fará a diferença. Podem apostar — reconfortei. Petúnia sacou do baú uma grande faca, semelhante a qual degolou sua mãe. Dayse obteve um arco e flechas.
Mavis tirou dali uma espada reluzente com siglas japonesas cravadas no metal. Patrick pescou um punhal de ferro e os Freaks, um machado, uma clava de espinhos e uma besta com um cesto de flechas de bronze. Gabriel, o novo alfa retirou do baú uma pistola calibre doze. E eu tinha em mãos um bastão de ferro. Haviam mais duas crianças ali que não conhecíamos formalmente.
— Ei, vocês dois, podem pegar uma também! — disse a elas. Era um garoto e uma garota, exatamente do mesmo tamanho. Pareciam gêmeos — quais os seus nomes?
— Eu sou a Mellany e esse é meu irmão Christian, prazer.
— O prazer é todo nosso. Fiquem à vontade, aqui não existem barreiras. Podemos fazer o que bem quisermos — disse a eles. Quando todos terminaram de analisar suas armas e fazerem movimentos para o ar, acenei com a cabeça para Patrick, o mesmo retribuiu a Mavis e na sequência, por trás das rochas e estatuas, algumas criaturas trajadas com mascaras astecas apareceram. Era em torno de vinte delas. Tinham corpos humanoides que seguravam lanças e escudos.
— Irrecuperáveis. Vamos à luta! — bradei a eles.
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