ATO 22
Os que temem a vida já estão meio mortos.
— Pan? Pan, acorde! — Uma voz abafada surgia ao fundo — Não tenho o tempo todo, vou te deixar aí — E então abri os olhos. Mavis me encarava impaciente, com o corpo inclinado e seus cabelos jogados para baixo.
— Você não consegue ser um pouco amigável, pelo menos por um minuto? — reclamei enquanto me levantava, sentindo leves dores musculares.
— Eu sou amigável, mas a palavra amigável tem seus limites. Eu te chamei milhares de vezes e você não acordava.
— E como sabia que eu acordaria?
— Porque se estivéssemos sido eliminadas, teríamos voltado para a realidade. Olhe em sua volta e me diga se isso se parece com nosso dormitório.
— É... não se parece — cedi ao notar um outro salão escuro com decorações antigas. Havia apenas uma porta à frente, nada mais além disto — Me diz uma coisa, Mavis... o que aconteceu no deserto?
— Os escaravelhos atacaram a gente até a morte. Mas aquilo não passava de um enigma, e eu consegui decifra-lo. Encontrei um pedaço de papel naquele navio abandonado, lembra? "Os escaravelhos eram seres sagrados, sendo usados como amuletos relacionados com a vida após a morte". Sacou? Teríamos que "morrer" para poder passar. A porta que ficava no topo da pirâmide não passava de mais uma armadilha. Poderíamos ter sido eliminadas de fato, caso chegássemos até lá. Nenhum deles nos atacava enquanto subíamos. Mas quando os insetos perceberam que ficaríamos paradas, logo seguiram suas programações nos levando ao caminho certo. E aqui estamos.
— Mavis, você é um gênio! — elogiei enquanto batia em minhas vestes para tirar a areia que sobrara.
— Obrigada. Agora vamos, infelizmente essa palhaçada toda não acabou — Olhamos para a única porta presente e caminhamos até ela. Diferente das outras, esta era do nosso tamanho, completamente de madeira. Em um golpe certeiro com o pé, Mavis a destruiu nos dando passagem.
Além, vimos uma escadaria que dava a um jardim espaçoso, e mais adiante, uma floresta de troncos cinzas com folhas secas. Estávamos na parte de fora da mansão. No jardim, um rapaz alto e ruivo estava de costas para nós, com ambas as mãos no bolso. Três crianças encontravam-se ali, uma do lado da outra, nos observando.
— Sejam bem-vindas de volta — Disse Rumpel sem entusiasmo. Sua expressão cansada nos cansava ainda mais — Pelo visto não há mais sobreviventes.
— Somente nós — respondi se aproximando dos demais.
— Pois bem — prosseguiu ele — Primeiramente devo parabeniza-los por chegarem até aqui. No hall de entrada, todos escolheram uma das seis portas. Cada porta os levava para alguma região estrema do planeta. Gabriel, o que você viu ao entrar em uma das portas? — perguntou o zelador para um garoto robusto, com sardas no rosto e cabelos castanhos claros, bagunçados.
— Vi um vulcão. Estávamos em seu interior, senhor. Tínhamos que subir correndo uma passagem espiral enquanto a lava subia. O calor era insuportável.
— E como sobreviveu?
— Empurrei os outros dois que estavam comigo para o fogo. Por algum motivo a lava parara de subir.
— Interessante. Stevan e Bella, qual foi a experiência de vocês?
— O cenário era em uma estação espacial. Bella fora a única que me acompanhou nesta porta. No começo, encontramos uma capsula de oxigênio limitado que só dava para uma pessoa, mesmo assim, compartilhamos da mesma e ambos conseguimos sobreviver.
— Pan? — disse Rumpel.
— Apenas confiei em Mavis — respondi a ele.
— Excelente! Talvez vocês não entendam o real motivo para terem chegado até aqui, mas todos tiveram algo em comum: Medo.
"Estive presente em todos os cenários, analisando de fundo a atitude de cada um. Notei que Gabriel teve medo de matar seus adversários, mas no fim fez o que achava ser certo. Stevan e Bella tiveram medo de se ajudarem caso faltasse oxigênio no caminho, mas se ajudaram. E Pandora teve medo de confiar nos planos de Mavis, mas acabou cedendo e permanecendo viva."
"Quando pedi para não terem medo e usarem a cabeça, era disto que eu estava falando: Em se unir com o medo de vocês. Não se baseia em temer criaturas ou situações, baseia-se no medo de agir. Agindo da maneira que pensaram ser o certo, tanto salvaram vidas como tiraram. O importante é agir sem medo em qualquer situação" — Rumpel deu uma pequena pausa, franzindo a sobrancelha — Porém... não posso dizer que todos aqui sairão vitoriosos. É contra as regras. Só um vai ser Alfa — e os abriu novamente.
— Se não tem mais desafios, então como pretende resolver isso? — perguntou Mavis ansiosa.
— Não lembro de ter dito que as disputas terminaram — concluiu o zelador, expressando um sorriso de lado enquanto olhava para a entrada da grande mansão. Sentimos um pequeno calafrio.
Algo enorme e extremamente perturbador saía dali.
Todos, exceto Rumpel, deram um passo para trás ao notar a nova criatura.
— Só pode estar brincando... — murmurei.
O monstro não se parecia com nada visto antes. Ele possuía um corpo semelhante a uma lagosta com casco na parte das costas. Suas sete pernas longas cujas pontas eram afiadas, davam destaque para uma única perna de boneco, menor que as demais. Seu braço esquerdo era uma garra de caranguejo, o direito também, mas ao invés de duas pinças eram dois braços de porcelana. Ele não possuía um rosto, e sim, três. Dois deles eram cobertos por mascaras de teatro e o do centro, uma cabeça de manequim.
Não fiquei muito tempo reparando nos demais detalhes, mas o pouco que vi, fora o suficiente para nunca mais esquecer.
— Mate-a — Sussurrou Rumpel olhando para mim — De algum modo a criatura, um pouco distante dele, escutou sua ordem, produzindo sons parecidos com pac pac enquanto corria ao meu encontro.
Fiquei sem escolha. Entrei pela floresta e corri o mais rápido que podia.
Ilustrador: Gabriel Belloni, autor da Crônica "A casa dos sonhos"
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