ATO 10
A luta pela verdade deve ter precedência sobre todas as outras.
— Na aula de conhecimentos gerais deste semestre aprenderemos sobre a história dos fundadores deste orfanato, que por sinal, é inspiradora! — Dizia professor Oliver no meio do corredor de salas do segundo andar, onde todas as crianças se reuniram. Elas faziam três filas de frente para o rapaz engravatado, que parecia mais bem-disposto do que nunca.
O mesmo estava parado em frente a sala onde uma placa em cima da porta dizia: "Sala de cera"
— Hoje, pela primeira vez, conhecerão os queridos irmãos Corrigan! — E abriu a velha porta de madeira dando sinal com a mão para que entrássemos.
A sala inédita possuía um revestimento claro nas paredes, com diversos quadros pendurados de senhores e de alguns ângulos do orfanato. Já o carpete vermelho, cobria o chão por completo e em cada canto do cômodo possuíam quatro castiçais dourados de vela. O teto era decorado por um lindo lustre preto que sustentava várias velas.
Porém o que mais chamou atenção era as duas estátuas que estavam no centro, com placas de granito cravadas o nome de ambos os rapazes na parte inferior de seus pés. Estátuas feitas de cera, assustadoramente realistas. Se as encarasse muito, poderia jurar estarem te observando.
Atrás, uma estante de vidro extensa, onde haviam pertences e possíveis acessórios dos tais irmãos. Os murmúrios tomaram conta das crianças a partir dali. Com desdém, o professor voltara a falar:
— Quando a segunda guerra explodiu no mundo, milhares de crianças refugiadas saíam dos destroços de suas casas, órfãs, sem mais nenhum sentido ou propósito. Caíam no esquecimento, enquanto o árduo peso da morte as acompanhava de tempos em tempos. Doenças, pragas, sofrimento. — O professor franziu as sobrancelhas e mordeu os lábios enquanto olhava para as duas estátuas.
De seu bolso, sacara um pergaminho velho, onde o levantara em um nível aceitável para sua vista e começara a lê-lo.
"Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.
Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.
Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.
Oh, os dedos com alianças perdidos na lama...
Os olhos que já não pestanejam com a poeira...
As bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...
Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas... — e alcançariam as estrelas."
— Este poema da falecida Brasileira Cecília Meireles retrata a dor do mundo, em seu momento mais frágil. E foi neste momento mais frágil em que nossos heróis entraram em cena.
"Vindos de uma família nobre e respeitada, os Corrigan, um físico e um arquiteto, herdaram a fortuna de seu falecido pai, usando-a para construírem este lugar, abrigo de todas as crianças vítimas do caos que se expandia em massa. Por anos o Insanity Asylum fora reconhecido como o lar de muitos órfãos."
"Essas crianças teriam de volta as coisas básicas da vida. Estudos, comida, amigos, carinho, respeito e uma nova família. Aos dezoito, sairiam livres para enfrentar o mundo pós-guerra. Preparadas para a vida adulta. E as que se identificavam com o orfanato, poderiam residir o tempo que quisessem, para o resto de suas vidas, ajudando os funcionários, aprendendo coisas novas o tempo todo. Este era o propósito da vida dos Corrigan. Quando ambos faleceram, tudo foi distorcido, até virar o que conhecemos agora."
"Um abrigo para crianças assassinas. Por isso digo a vocês, jovens: Não julguem demais o que não conhecem. Alguns devem pensar que aqui é um lugar nefasto, mas saibam que nem todas as coisas ruins, são de fato ruins. Anos atrás, antes de chegaram aqui, muitas outras crianças órfãs já passaram por estas instalações e saíram livres, purificadas de seus terríveis passados."
"O que os irmãos Corrigan desejariam nesta época de paz é que todos vocês passem por este mesmo processo, e sejam livres ao atingirem a maioridade, libertas de seus pecados. Recuperáveis."
— Nós sairemos daqui aos dezoito anos? — Perguntei quebrando a calmaria.
— E por qual motivo não deixaríamos sair? Se ninguém adota-los, serão nossa responsabilidade até lá. Após isso, suas vidas poderão seguir caminhos independentes — respondeu — Além desta pergunta, existe alguma outra a respeito da história contada? — No entanto, ninguém mais se manifestou. Os irrecuperáveis se dispersaram na sala, analisando melhor as estátuas e as outras coisas enquanto Oliver continuava as explicações. Passei pelas estátuas e fui ao encontro da estante com diversos acessórios peculiares.
Vi um binóculo de bronze de três lentes, junto de uma caneta prateada e alguns papeis com letras pequenas demais para se enxergar por trás do vidro. Vi também uma planta do orfanato, com esboços e anotações dos Corrigan e na prateleira de baixo, dois crachás com as siglas "D.R.D", ao lado de algumas engrenagens e uma aliança dourada.
Ao soar da sirene anunciando a pausa de uma hora, saímos da sala rumo ao refeitório no primeiro andar. Patrick e os Freaks sentaram ao meu lado na grande mesa e ali ficamos.
— Que história bonita a dos Corrigan, não acham? — Perguntou Alisson.
— É interessante, mas estranho o professor separar uma aula apenas para isso — Questionou Patrick. Lá na frente, Dalva, com seu ilustre mal humor, jogava os frangos empanados nos pratos das crianças, junto com arroz.
— Ele queria corrigir a visão que temos dos funcionários daqui. Inclusive da diretora. Estava só tapando o clima da última aula de artes. Esses irmãos podem ter sido os heróis que fossem, mas não é o passado que vai corrigir as maldades que Pompoo está fazendo agora — Questionei ignorando a presença de Petúnia e Dayse, sentadas na mesa ao lado.
— Concordo — Disse Claire — Patrick nos contou todas as coisas desumanas que a diretora fez com você.
Ao termino da refeição fomos para o pátio principal, onde a vitrola tocava Tony Bennett - For Once In My Life. Os irrecuperáveis pareciam mais pensativos após a aula de conhecimentos gerais, e agora andavam em grupos como nós. Rumpel esfregava as manchas de sangue que Dante havia deixado no enorme tapete de centro, assobiando a mesma música que tocava. Naquela hora, um ocorrido chamou a atenção de todos ali presentes:
O grande portão principal de mármore que dava para o o escritório de Pompoo começara a se abrir ao meio, lentamente. Mas para nossa surpresa, não era a diretora que saía dali, mas sim, uma silhueta mais baixa ao lado de outra, do mesmo tamanho. Quando o portão se abriu por completo, saiu por de trás das sombras um garoto de terno preto, com cabelos bem curtos, de olhos esbranquiçados, junto de uma menina nunca vista antes.
— Pan, aquele ali não é o Brok...? — Perguntou Patrick.
— O próprio — Respondi intrigada.
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