05 | ATO DE EQUILÍBRIO
*observação rápida que tem menção de suicídio aqui. então, se o assunto parecer pesado demais, apenas pulem esse capítulo.
Desde que Joe e Taylor se casaram, algumas coisas mudaram, e talvez eu não esperasse, mas deveria ter esperado. Já faz um ano, e passei a maior parte desse ano me adaptando à vida em Nottingham Cottage, que é menor do que os apartamentos de Kensington, apesar do seu óbvio charme de casa de campo.
Durante meus meses em Kensington nos antigos apartamentos da minha mãe, nada mudou realmente. Os apartamentos 8 e 9 permaneceram como sempre foram, mas quando Joe se casou, o apartamento foi assumido por ele e Taylor, então algumas reformas foram feitas. Fazia sentido para mim me mudar para mais longe do que apenas um apartamento ao lado. Agora o lugar está passando por uma segunda reforma, maior dessa vezes, e eles dizem que levarão cerca de sete meses, o que não parece ser um problema porque Joe e Taylor, bem, eles estão se mudando para uma ilha na costa galesa em breve. Não permanentemente. Joe está sendo colocado apontada para a Força Aérea Real como piloto de busca e resgate, e deve ficar lá pelo próximo ano.
Minha vida se estabeleceu em um ritmo único, no entanto. Permaneci em Londres, tendo sido promovida a segundo-tenente no Blues and Royals, e meus dias não são nada mais do que reuniões e compromissos reais ocasionais. Os planos são para que eu retorne ao Afeganistão em setembro, desta vez como copiloto em um helicóptero Apache, mas por enquanto estou aqui na cidade.
A maioria dos meus compromissos reais são com minha tia Charlotte, a irmã mais nova do meu pai. Ela é mais engraçada do que qualquer outra pessoa, então nunca é ruim realmente. Hoje, no entanto, é diferente. Hoje estou acompanhando Joe e Taylor a um evento de caridade para saúde mental, uma causa que parece ter se tornado mais importante para ele desde o casamento — mas sei que ele não tomou isso para si do absoluto nada. É pessoal. Profundamente pessoal. Está enraizado em toda a situação envolvendo a morte de nossa mãe, nos tempos que levaram a 1994 e, por extensão, nos nossos momentos ruins.
Não posso dizer com os detalhes claros quem estava lá na época, porque eu era apenas uma criança para conseguir registrar tanto, mas sei o suficiente. Nossa mãe era jovem demais para a Inglaterra quando veio para cá, ou talvez a Inglaterra fosse demais para ela e ela simplesmente não soubesse disso em um primeiro momento. Ela era filha de pais americanos, nascida em uma família rica, traçando a família até a França — os avós dela ainda viviam em Lyon. Aos sete anos, ela se mudou de Chicago para Londres e, no final da adolescência, conheceu e se casou com nosso pai. Ela tinha dezoito anos.
Por um tempo, ela foi o rosto mais charmoso da família real. Não era modo de falar. Ela era carismática, não havia muito o que fazer. Ela também era difícil de entender completamente, ao menos era o que diziam. Talvez isso fosse parte do desentendimento entre ela e meu pai. No fundo, imagino que meu pai estava procurando alguém que pudesse viver em sua sombra, mas minha mãe era ela mesma, ela chamava muita atenção para si mesma por isso. Então, entre o casamento deles em 1985 e seu fim em 1993, o relacionamento deles foi atormentado por traições por parte do meu pai. Esses escândalos estouraram em 1991, quando o The Sun publicou uma história de primeira página sobre uma velha amiga da família em Kent sendo fotografada com ele saindo de um clube de cavalheiros. Os detalhes eram quase obscenos, não que eu os tenha lido na época, por motivos óbvios, ou em qualquer outro momento para ser honesta, mas mesmo agora as pessoas falam sobre isso quando falam sobre ele, ou falam sobre ela. Acho que minha mãe estava lutando contra seus próprios demônios na época, cansada demais para suportar o peso de mais um problema.
Ela era propensa a mudanças de humor e automutilação. Não há maneira menos dura de dizer isso. Meu pai a descreveria como difícil, acusando-a de ser uma mentirosa e desatenta. De não se importar com nada. Mas para Joe e eu, ela era apenas nossa mãe. Honestamente, é difícil levar muito do que meu pai diz sobre minha mãe a sério. Suas palavras suavizaram com o tempo, acho que a ideia de apontar seu descontentamento sobre ela para nós simplesmente desapareceu quando ele percebeu que não daria em nada. Ela era a mulher que estava lá para nós muito mais do que ele. Apesar de todos os seus problemas, estava claro que ela amava ser mãe. E ela era boa nisso.
Sua morte em 1994 não foi o tipo de coisa com a qual qualquer um poderia dizer que lidou bem. Acho que o país acordou mais triste, na verdade. Piccadilly Circus ficou apagada pela primeira vez em anos. Ela tinha 27 anos. Joe tinha seis anos, com idade o suficiente para se lembrar de muita coisa. Eu estava prestes a fazer quatro anos. Estávamos em Balmoral na época e deveríamos encontrá-la em Althorp, sua casa de infância em Northamptonshire, no dia seguinte. Mas nunca chegamos a isso. Minha mãe foi encontrada no banheiro de seu antigo quarto em Althorp. Eu nunca soube os detalhes de como, e enquanto crescia, ninguém na família parecia capaz de dizer diretamente o que ela tinha feito. Era sempre sussurrado, insinuado, em conversas inacabadas e silêncios repentinos. Mas não demorei muito para juntar as peças até que alguém realmente teve coragem de sentar comigo e contar sobre a coisa toda. Meu avô quem fez isso, o pai do meu pai. O assunto também não era leve. Todos ficaram muito tristes, mas também não se preocuparam em proteger a imagem dela quando os detalhes surgiram depois da morte.
Joe realmente se lembra disso mais do que eu. Ele se lembra de tudo. Ele se lembra da risada dela, do calor dela, do jeito que ela dançava com a gente na cozinha do apartamento 9 em Kensington. Coisas que eu queria lembrar e não apenas ouvir falar. Mas imagino também que ele se lembre dos momentos mais sombrios — as vezes em que ela se trancava no quarto por horas, as vezes em que chorava sem motivo, as vezes em que ela e meu pai passavam a noite brigando, ela com a voz quebrada, a ponto de apenas desistir. Fazendo isso até realmente desistir.
A morte dela é o tipo de machucado que nunca vai cicatrizar completamente. É por isso que ele tem estado tão engajado em questões de saúde mental, por isso que ele está determinado a usar o tempo dele nisso. Em partes, é por isso também que eu não consigo dizer não quando ele estende o convite do evento para mim, por mais que eu tenha passado praticamente o último ano inteiro fugindo desse tipo de situação com ele e Taylor. Não que nossa relação seja distante. Nos vemos sempre, mas é só um passo mais confortável não me envolver mais do que esperado.
Hoje o evento é em um centro comunitário no leste de Londres, o prédio é grande e velho, não exatamente um contraste com aquela parte da cidade. As paredes estão forradas com cartazes e quadros feitos por moradores locais, e tem um campo descoberto com uma pista de corrida que está sendo usada. Em menos de uma hora vai ter uma corrida entre alguns jovens e então um jogo de futebol beneficente, mas por hora estamos parados na beira do campo, nós três. Eu, Joe e Taylor, cercados por uma multidão e na companhia dos responsáveis pelo evento. É um daqueles eventos em que você sabe que deve estar equilibrada e consciente de cada câmera à vista, mas então algo acontece e você esquece tudo isso. Eles insistem para que a gente se junte a brincadeira e logo Joe está esticando os braços sobre a cabeça, parecendo sério demais para alguém que está prestes a competir em uma corrida completamente não planejada em um evento de caridade. Seu suéter já está ficando amarrotado com o movimento, e não consigo deixar de rir de quão sério ele parece sobre tudo isso.
Taylor está ao lado dele, encostada no corrimão, ajustando o punho de seu casaco vermelho North Face, e ela chama minha atenção enquanto balança minha cabeça.
— Isso é ridículo — eu digo, mas estou quase rindo, puxando minhas mãos mais fundo nos bolsos do meu próprio casaco North Face, já sentindo o frio cortando o tecido.
— É para ser divertido — Taylor responde, e há uma trilha de luz em seus olhos. Ela é competitiva, eu sei disso sobre ela, mas ela também sabe como fingir, fazer parecer que é só para se divertir, mesmo quando ela está falando sério sobre vencer. E eu sei que ela está.
— Espero que você esteja pronta, Grace. Não vou pegar leve com você só porque você é minha irmã.
— Por favor, eu poderia correr mais rápido do que você se estivesse com os olhos fechados — eu retruco, e Taylor ri disso.
O evento tem durado horas, e passamos a maior parte do dia visitando palestras e painéis, ouvindo especialistas falarem sobre a importância de conversas abertas, redução do estigma e fornecimento de apoio. É algo sério, mas necessário apesar de pesado, e então tem esse momento — esse momento específico e leve em que todo mundo está do lado de fora, as conversas sérias um pouco deixadas de lado, e estamos apenas tentando nos divertir. Um pouco menos composto.
— Grace, você está bloqueando a visão de Taylor — Joe provoca enquanto nos alinhamos na linha de partida improvisada. Eu estou entre os dois, e não consigo evitar quando um segundo depois estou estendendo a mão para realmente cobrir a visão de Taylor.
— Uma garota tem que fazer o que uma garota tem que fazer — eu respondo, mas me movo um pouco para o lado, deixando Taylor dar um passo à frente.
— Eu vou me lembrar disso quando vencer.
Os organizadores também estão rindo, sem saber muito bem o que fazer com nós três brincando assim. As pessoas na multidão estão assistindo, seus celulares já ligados, gravando, tirando fotos. Eu deveria me importar com isso. Eu deveria estar pensando em como isso parece.
E então, alguém grita: "Vai!"
Nós realmente saímos e, por alguns momentos, eu só tento pensar em cruzar a linha de chegada. É apenas o vento frio passando pelo meu rosto, meu tênis batendo no chão e a sensação boa que vem com a corrida. Eu posso ouvir os passos de Joe atrás de mim, e os de Taylor também, ambos próximos, mas não chegando perto o suficiente. Eu empurro meu corpo mais forte, para frente, rindo para mim mesma enquanto avanço, e antes que eu perceba, estou cruzando a linha de chegada primeiro.
Eu me viro, um pouco sem fôlego, observando Taylor cruzar em seguida, com Joe logo atrás dela. Ele está respirando pesado, fingindo estar sem fôlego, enquanto Taylor balança a cabeça, com um sorriso divertido em seu rosto novamente.
— Você trapaceou — Joe diz, apontando para mim, mas ele não está irritado.
Eu estava um passo depois da linha, e poderia admitir isso. Ele sabe, mas não liga, porque está rindo.
— Eu ganhei, de forma justa e honesta — eu respondo, ainda recuperando a respiração. Puxo meu casaco mais apertado em volta de mim, o frio começando a voltar agora que parei de me mover.
A plateia que nós temos do lado, sem surpresa, está torcendo e rindo junto conosco, e eu imagino que pontuando como isso parece normal demais. Apenas uma corrida divertida e não planejada entre três pessoas, em que duas por acaso são irmãos — e filhos do Príncipe de Gales, o herdeiro direto da coroa. Parece comum.
Quando voltamos para dentro do prédio pouco mais de uma hora depois, onde o evento principal está sendo realizado, a atmosfera muda novamente. Está mais silencioso, mais sério. A luz artificial deixa o ambiente mais quente, e eu agradeço porque o frio intenso lá fora não é nada convidativo.
Um painel vai começar em breve, e devemos ficar na frente, parecendo atentos e solidários, na postura certa. Não é que alguém nos disse explicitamente o que fazer antes de tudo isso, mas é como memória muscular agora. Ninguém nos disse nada porque já sabemos. A postura ereta, mãos gentilmente entrelaçadas na frente, postura certa, sem cruzar os braços ou mudar de um pé para o outro. Sempre calmos, como se tivéssemos numa nuvem espessa de compostura.
Estou tentando prestar atenção em tudo isso enquanto tomamos nossos lugares na lateral do palco. As pequenas movimentações que as câmeras captam vão ser as que chegam às manchetes amanhã: Grace, Taylor e Joe mostram uma frente unida em uma instituição de caridade de saúde mental. Eles vão analisar nossa linguagem corporal como sempre fazem — estamos muito perto? Falando bem? Olhei para Joe quando ele falou? Eu sorri? Taylor acenou para mim? Eles vão ler tudo, encontrando significados que não estão lá, porque precisam ter o que dizer.
Meus pensamentos são interrompidos quando sinto a mão de Taylor nas minhas costas, me cutucando gentilmente.
— Você está curvada — ela diz suavemente, quase suavemente demais para qualquer outra pessoa ouvir.
Eu pisco, muito porque sou pega de surpresa com a intimidade repentina do gesto. A mão dela ainda está apoiada em minhas costas. É uma coisa tão pequena — apenas seus dedos pressionam levemente contra minha espinha, me endireitando. Mas ela não deveria fazer isso.
Eu me viro para a encarar, e ela apenas sorri, endireitando meus ombros como se fosse a coisa mais natural do mundo. E talvez deva ser. Mas para mim — para nós — não é. São coisas que ninguém sabe fora desse mundo, mas que não devem ser feitas. Coisas que você não faz. Coisas como tocar alguém em público, mesmo que seja casual. Mesmo que seja amigável. Existe uma política de "não tocar em público", ou pelo menos é assim que deveria ser. Não está escrito em lugar nenhum, mas é tão claro que vira costume quando se está em eventos oficiais. Nenhum movimento repentino, nenhuma demonstração de afeto, nenhum toque casual que possa ser interpretado como algo mais do que uma formalidade. As pessoas precisam nos ver, mas nunca muito de perto.
Mas Taylor esqueceu, ou talvez ela simplesmente não se importe. Não é como se alguém pudesse culpá-la — ela não cresceu assim, constantemente ciente do que seu corpo estava dizendo, de quão perto ela estava de alguém, como ela se movia em público. E talvez seja por isso que eu me pego amolecendo quando sua mão demora um momento a mais do que deveria, consertando minha postura como se ela tivesse esquecido onde estamos.
O painel começa, e nos sentamos na frente. A sala está cheia, mas silenciosa quando as pessoas vão se acomodando em suas cadeiras, e o som da voz do orador entra e sai da minha consciência enquanto estou apenas sentada ali. O resto do dia se desenrola sem pressa. Discursos, conversas, mais momentos para as câmeras capturarem. Sorrio quando devo, aceno quando o orador faz um ponto importante, bato palmas educadamente quando é hora de aplaudir.
O evento acaba antes mesmo que eu consiga registrar, a multidão começa a se dispersar e Joe ainda está lá dentro, profundamente envolvido em uma conversa com os organizadores, quando Taylor e eu saímos, com o ar mais frio nos atingindo em meio aquela luz de fim da tarde.
Uma fila de pessoas espera atrás das barreiras na frente do prédio, para lá dos carros, seus rostos se iluminando ao nos verem. Eles estão ali há horas, alguns deles estão segurando flores, cartões e pequenos presentes, nada fora do normal. Taylor se move em direção a eles primeiro, com um sorriso no rosto, sua mão estendida para cumprimentar a pessoa mais próxima.
— Obrigada por terem vindo — ela diz, suave, e é a coisa certa a se dizer.
Eu a sigo, meu próprio sorriso parecendo menos animado em comparação ao dela, mas tento igualar sua energia, abrindo as mãos e aceitando as flores e bilhetes colocados em minhas mãos e então passando para o segurança que me segue de perto. As pessoas por ali estão numa mistura de idades — mulheres mais velhas que seguem a família real há décadas, meninas segurando fotos recentes de Taylor, pais segurando crianças que balançam pequenos presentes e insistem em selfies. As selfies não acontecem porque não podem acontecer, mas Taylor e eu não podemos realmente impedir as pessoas de nos fotografarem de longe, então enquanto descemos a fila, eu consigo reparar no clique de câmeras simples e no barulho de alguns celulares. Estou definitivamente menos animada que Taylor por estar aqui, mas fico por perto, minhas interações são mais reservadas, mas tento ser educada.
Quando chegamos ao fim da fila de pessoas, Joe ainda não apareceu. Taylor se vira para mim, e pergunta se devemos esperar por ele.
Se Joe estivesse aqui, ele estaria andando na nossa frente. Ele entraria no carro primeiro, porque é isso que sua posição na linha de sucessão dita — o protocolo exige. E eu, como sua irmã, deveria estar tecnicamente um passo à frente de Taylor, entrando no carro antes dela, mantendo a ordem porque estamos em um compromisso oficial.
Mas Joe não está aqui, e a ideia de ficar parada sem jeito no meio-fio, esperando que ele termine sua conversa lá dentro, parece incômoda. Então balanço a cabeça e digo que podemos o esperar no carro. Taylor acena uma última vez, seus ombros relaxando um pouco, e ela me segue até o carro.
O Cadillac Escalade de oito lugares está esperando. O motorista abre a porta traseira, e eu dou um passo para o lado, gesticulando para Taylor entrar primeiro, ainda que eu não deva fazer isso. Taylor desliza para o banco de trás, eu entro atrás dela enquanto a porta se fecha com um baque suave, e ficamos sentados em silêncio. Mas o silêncio não dura muito.
— Hoje foi... — Taylor se inclina para trás contra o assento. — Divertido.
— Sim — eu aceno, minhas mãos descansando no meu colo. — Você foi ótima lá fora.
— Obrigada — ela diz, sua voz baixa, e por um momento eu penso que ela não está agradecendo o elogio. Quando ela olha para mim, eu apenas confirmo isso. — Por aparecer hoje. Eu sei que Joe te pediu, e... eu sei que você não queria inicialmente. Mas significa muito.
— Está tudo bem. No fim eu queria estar aqui- — eu me interrompo por um momento e vejo que ela olha para mim, e eu não sei ao certo o que pensar. O olhar dela é do tipo que sugere que consegue ver através das palavras que estou escolhendo cuidadosamente. Eu respiro fundo, tentando descobrir como continuar. Então continuo, talvez não apenas como ela espera. — Você disse, Joe pediu — digo simplesmente. — É realmente difícil dizer "não" para ele.
— Certo — ela sorri. — De qualquer forma, estou feliz que você esteja aqui, Grace.
Não digo nada, apenas sorrio. Ela está sendo honesta, e talvez uma parte de mim desejasse que eu também pudesse ser, de algum jeito. Mas então eu diria que não estou confortável, e o clima cairia para um lado ruim. Em vez disso, apenas aceno, mantendo meus próprios pensamentos no silêncio. E no silêncio que se segue, parece que eu sei exatamente onde estou — próxima o suficiente para conseguir apontar Taylor como uma conhecida, mas distante o bastante para nunca passar dessa linha.
*
É pouco depois da meia-noite quando coloco os pés para fora de Nottingham Cottage, saindo discretamente para que ninguém perceba. Não que isso importe — é tarde demais para que alguém esteja prestando atenção de qualquer maneira. Kensington está parado e escuro, e eu caminho rapidamente, apertando meu casaco em volta de mim enquanto sigo na direção ao carro em que David, o motorista, está esperando. O destino é o Alibi.
O Alibi é meu lugar favorito há anos. É um clube, claro, enfiado atrás de portas velhas num lugar apertado. Há histórias sobre mim neste clube, pequenas histórias que são passadas no jornal impresso e nas versões digitais das notícias, mas nunca saem disso. Eu cuido da minha imagem, sempre cuidei. Mesmo aqui. Raramente fui fotografada saindo do lugar e, se fui, sempre estava limpa. Apenas mais uma jovem saindo para uma noite com os amigos, nada de escandaloso sobre isso.
Mas as visitas regulares de jovens membros da realeza na boate são atraentes também, por isso tanta agitação. Minhas primas Mikey e Sabrina, os Glücksburgs, filhos do Rei Elliot I da Dinamarca quando estão na cidade, os van Cutsems, os Harbords — essas histórias circulam. O Alibi é onde essas pessoas se reúnem. Eu faço parte disso. É uma boate elegante de Londres. Um pouco difícil de entrar. As pessoas gostam de especular sobre o que acontece lá dentro, quem está com quem, quem bebeu demais, e tudo isso.
Quando chego, o segurança me dá um aceno. Ele me conhece. Todo mundo aqui me conhece. Lá dentro, tem pop antigo tocando. O lugar está lotado, como sempre em uma sexta-feira à noite, mas eu abro caminho facilmente. Não é difícil ver Emma primeiro, parada no bar com uma bebida na mão. Ela é uma das poucas pessoas que ficaram por perto depois da escola e agora vive em Londres. Emma me vê e sorri, acenando para mim.
— Você está atrasada — ela brinca quando a alcanço.
— Eu fui jantar com meu pai e Anne em Clarence House — eu digo, revirando os olhos. — Isso acabou tomando mais tempo do que eu achei que tomaria. Meu pai queria falar comigo sobre a viagem em setembro.
— Vai mesmo voltar? — ela pergunta, sabendo sobre o que eu estou falando.
— Não por muito tempo — eu respondo.
— Três meses?
— Cinco.
Quando o número sai da minha boca, imediatamente parece muito tempo — quase meio ano. Emma parece preocupada, mas ela não diz isso. Eu sei que ela se importa comigo e, por essa razão, não discuto o assunto. Eu devo deixar a Inglaterra em Setembro.
Eu peço uma bebida acompanhando Emma e um pouco tempo depois, Igor, um amigo que conheci no último ano surge nos cumprimentando. Ele é um ano mais velho que eu, do Blue and Royals, e nos conhecemos quando fui apontada para o Bulford Camp. Ele nos dá um aceno, e logo está pedindo uma bebida sem álcool. Somos próximos, não como Emma e eu, mas compartilhamos noites suficientes aqui e no trabalho para que eu saiba muito sobre ele e ele saiba muito sobre mim.
Garnik chega alguns minutos depois, saindo tarde do próprio trabalho, e se enfia do outro lado com o braço em volta da cintura de Emma. É o namorado dela. Ele é jornalista do Evening Standard, mas nunca escreve sobre mim. Esse foi o acordo quando ele e Emma começaram a namorar. Ele é um cara legal, é o que eu posso dizer, e entende o que significa estar neste círculo, falando sobre minha família, mesmo que ele não faça realmente parte dele.
Nós nos acomodamos num ritmo mais calmo e vamos nos sentar em um dos espaços mais para o fundo do lugar. Não é imprudente, mas é divertido. Gosto de estar aqui, cercada por pessoas que me conhecem, mas não estão fazendo disso uma grande coisa. É algo raro, esse tipo de espaço, onde posso simplesmente existir. E por isso o tempo passa mais rápido do que eu espero.
Em algum momento peço licença para sair da mesa e caminho pelo espaço lotado. Estou indo para o banheiro quando a vejo. Ela está parada perto do bar, seu cabelo escuro solto, seu vestido preto curto e colado no corpo, mas sem muito a vista porque ela está com um sobretudo por cima. Ela está segurando um copo pela metade, seus dedos enrolados frouxamente ao redor do objeto, e ela está falando com alguém que não reconheço.
Eu paro por um momento, apenas para ter certeza de que estou enxergando direito, mas realmente é ela. Ainda assim, não dou um passo além dos que eu daria e sigo pelo caminho que devo seguir, na direção do banheiro.
Catalina não me viu e eu não me importo tanto quanto a isso, porque logo pareço nervosa demais para manter uma conversa. E eu sei a razão disso. Eu e ela nos conhecemos há anos, mas não somos amigas — só temos essa coisa estranha em que sempre acabamos num jogo meio bobo que não nos leva a nada. Ela fala demais, e eu nunca fico quieta. Catalina é uma Bourbon-Anjou, a segunda filha mais velha do Rei Enrique V da Espanha e da Rainha Catherine, que vem de uma família de banqueiros ingleses.
Tem uma razão para a ideia de que tenho de Catalina, ela é um pouco cheia de si às vezes, mas não é nenhuma pessoa ruim. Eu sei que ela é um ano mais nova que eu, além de que conheço seu pai, sua mãe e seus três irmãos — Samuel, o herdeiros aparente; Anton e Arne. Eles estavam no casamento de Joe, e nos vimos em vários eventos reais, mas honestamente só recentemente começamos a nos encontrar com mais frequência. Ela está estudando na Universidade de Cambridge e, de alguma forma, continuamos acabando nos mesmos lugares.
Estou prestes a me virar quando deixo o banheiro quando Catalina olha para cima e me vê. Eu passo pelo mesmo lugar, mas dessa vez seu corpo está diretamente direcionado na minha direção. Seu rosto se ilumina, e ela se desculpa saindo da conversa, vindo até mim, e eu entendo que preciso parar. É o que eu faço, a vendo se aproximar.
— Grace — ela diz, com essa sugestão de sorriso no canto dos lábios. — Eu estava pensando se você estaria aqui esta noite. Eles têm uma foto sua no mural da entrada. Praticamente seu selo de aprovação.
— Catalina — eu rio, porque sei que ela pontua isso para me irritar. Mas não que seja mentira. Em uma das polaroids no mural de entrada eu devo estar lá, como qualquer outra pessoa, só que não exatamente. — Você não deveria estar em Cambridge?
— Eu sempre venho para Londres durante o fim da semana — ela responde. — Tenho um apartamento em Knightsbridge. Você sabe, sempre onde o movimento está.
— Sim, eu notei.
— Então, como você está? Parece que faz séculos desde que te vi. Aquele jantar oficial...
— Ocupada — eu digo, minha voz cuidadosa. — Meses agitados, mas nada de novo.
— Eu imagino. Mas você deveria dar uma pausa algum dia. Quem sabe ir me visitar em Cambridge. No geral, não são só livros, museus e todas essas coisas. Alguns bons pubs, vocês ingleses adoram isso.
— Claro — eu levanto uma sobrancelha, um sorriso puxando o canto dos meus lábios. — O que mais tem?
— Acho que você tem que ir e descobrir — ela sorri.
— Isso é um convite?
—Talvez. Depende. Você aceitaria se fosse?
— Eu posso — eu digo, e falo sério. — Mas o que eu ganho com isso?
— Eu poderia te mostrar o lugar, ainda que eu desconfie que você o conhece melhor que eu — ela olha para mim, seus olhos demorando um pouco mais na minha boca antes de falar. — Mas posso te dar um passeio "real", como dizem. Cambridge é linda.
— Não é a coisa mais bonita do leste da Inglaterra.
— Claro que não — o sorriso de Catalina cresce um pouco mais, lento e deliberado. Ela se inclina para mais perto, não tão perto, mas eu posso sentir o leve cheiro do seu perfume, algo mais doce e limpo. — Você parece estar brincando um pouco mais hoje.
— Eu não estou brincando de nada, Catalina — eu rio suavemente, balançando a cabeça.
— Não? — sua voz abaixa um pouco, e sua mão toca a minha levemente. — Ugh, quase poderia ter me enganado.
— Por que parece que você adora isso aqui?
Não afasto minha mão, não imediatamente. A música muda, se torna mais acelerada, e as luzes do clube diminuem um pouco, não é nada programado.
— O que exatamente é "isso aqui"? — Catalina pergunta, mas ela sabe do que estou falando e ri um pouco. — Ok, eu tenho minha cota de diversão.
— E é só isso? — eu pergunto e sei que minhas palavras têm algum efeito porque o sorriso de Catalina vacila, não de um jeito errado. Ela só parece imediatamente mais nervosa.
— Eu não sabia que você estava interessada — ela diz finalmente, num tom irônico.
— E quem disse que eu estou? — a irrito. Ela balança a cabeça, e revira os olhos e então sua mão viaja até minha cintura, intencional dessa vez.
— Eu estou dizendo. Você só não quer admitir.
*
Nós tropeçamos pela porta da frente do Nottingham Cottage, os lábios de Cata ainda nos meus, suas mãos emaranhadas no meu cabelo. Não há nada de legal na maneira como nos beijamos, nada controlado. É bagunçado, um pouco urgente. Seu corpo pressiona o meu enquanto eu empurro a porta para fechá-la atrás de nós, o clique da fechadura mal fica registrado em minha mente. Mal consigo entrar antes que ela me apoie de volta contra a parede, sua boca quente e insistente contra a minha.
Eu posso sentir o gosto dos restos das bebidas que tomamos, sentir seus seus dentes enquanto ela morde levemente meu lábio inferior. É tudo tão rápido, tão caótico, mas eu não me importo. Eu não sei se porque não quero parar e pensar nisso, ou se porque há certas imagens na minha mente que só vão se tornar mais claras se eu registrar o momento com precisão. Nada parece honesto, mas há algo na maneira como ela se move, na maneira como suas mãos percorrem meu corpo, que parece tão imprudente que caminha para ser bom, como se estivéssemos nos segurando e então finalmente a tensão está transbordando.
As mãos de Cata estão em todos os lugares — na minha cintura, nas minhas costas, me puxando para mais perto. Sinto os dedos dela cravando na minha pele através do tecido do meu vestido, seu toque é áspero por um momento, mas não incomoda. Eu solto uma risada ofegante, interrompendo o beijo por apenas um segundo para recuperar a respiração, mas ela não me dá muita chance. Os lábios dela estão nos meus novamente antes mesmo que eu consiga terminar de rir, e sinto que estou sendo puxada de novo, tropeçando na borda do carpete enquanto nos movemos para a sala.
De alguma forma, entre beijos e passos apressados, chegamos à escada. Minhas costas batem no corrimão com um baque, e ainda que não tão forte eu penso se isso vai deixar alguma marca. As mãos de Cata estão na minha cintura até que descem, levantando meu vestido apenas o suficiente para deslizar as mãos por baixo. Os dedos dela frios estão contra minha pele, e eu tremo com o toque, mas não me afasto. Em vez disso, eu a puxo para mais perto, envolvo meus braços na volta do seu pescoço, beijando-a mais profundamente.
— Lá em cima — murmuro contra seus lábios, e ela acena, sua respiração saindo mais curta e rápida enquanto nos separamos apenas tempo suficiente para subir as escadas.
Não é gracioso. Nossos pés se enroscam enquanto tentamos andar pelos degraus que mesmo não sendo parecem estreitos demais, e eu quase tropeço uma segunda vez, mas nada acontece, ela me segura, seu braço em volta da minha cintura para me firmar.
— Cuidado — ela sussurra, e há um tom brincalhão em sua voz, logo eu não posso deixar de sorrir.
Chegamos ao topo das escadas, nossos lábios se encontram novamente quando chegamos ao meu quarto. Eu abro a porta, puxando-a para dentro comigo. O quarto está escuro, iluminado apenas pela luz da rua lá fora. Mas não preciso de luz para saber onde está tudo. Conheço bem o quarto e, agora, a única coisa que me importa é a sensação do corpo de Cata pressionado contra o meu.
Caímos na cama, os lençóis frios contra minha pele enquanto a puxo para baixo comigo. Suas mãos estão na minha cintura novamente, puxando o tecido do meu vestido, e eu arqueio costas, ajudando-a enquanto ela o puxa sobre minha cabeça. O ar parece frio o bastante contra minha pele nua, mas não me importo.
Os lábios de Cata estão no meu pescoço agora. Posso sentir seu coração mais acelerado, rápido e errático, combinando com o ritmo do meu. Há algo quase terno na maneira como ela me toca, apesar da bagunça de tudo, apesar do fato de que nós duas sabemos que isso não é nada mais do que é e não vai terminar em canto algum. O jeito como seus dedos traçam a curva da minha clavícula, o jeito como seus lábios permanecem um pouco mais tempo na minha pele, como se ela estivesse tentando gravar a sensação. É bom, é o que eu posso dizer. Talvez eu queira mais do que consigo assumir. Eu a puxo para mais perto, minhas mãos passando por seus cabelos enquanto ela beija meu pescoço. Suas mãos agarram meus quadris e eu me deixo perder isso.
Não quero pensar em nada além disso. Então nós nos beijamos novamente, mais devagar dessa vez. Sua mão segura meu rosto, seu lábio traçando levemente minha pele. Partindo daqui, tudo parece um pouco desesperado. Quando eu caio ao lado dela, ainda está escuro do lado de fora, mas o relógio digital na mesa ao lado da cama marca quatro da manhã. Ela não diz nada, e eu também não, então é como um borrão e eu não sei ao certo quando, mas fecho os olhos.
Pela manhã eu acordo antes dela.
O céu já está claro lá fora, mas fechado como sempre, então a diferença quanto a horas atrás é mínima, aquele menor parecer de manhã se esgueirando pelas cortinas. Sinto o corpo de Cata enrolar ao meu lado, seu braço preguiçosamente pendurado em minha cintura. Eu fico ali por um tempo, ouvindo sua respiração suave, mas mexo pouco tempo depois, tentando não acordá-la. Olho para ela, o jeito como seu cabelo cai desordenadamente sobre seu rosto, o suave subir e descer de seu peito. Ela parece bem assim, completamente à vontade. O quarto está silencioso. Calma, eu saio da cama em seguida, tomando cuidado para não fazer barulho, e visto a primeira camiseta que encontro no armário. O quarto está frio, e eu me certifico de cobrir Cata antes de sair para a cozinha.
Eu abro a geladeira, pegando ovos, manteiga e o que quer que eu possa encontrar. Faço isso para manter minhas mãos ocupadas, para passar o tempo, e não pensar tanto. Eu quebro ovos numa tigela. A chaleira apita minutos depois, e eu desligo o fogo, despejando a água quente em duas xícaras com sachês de chá. O cheiro enche a cozinha, e eu me inclino contra o balcão, tomando um gole da minha xícara que completo com leite quente enquanto espero os ovos na frigideira com tomate.
Quando termino os ovos, eu os deslizo para dois pratos. Tem pão no armário que acaba tostado com manteiga e coberto com cream cheese e prosciutto, e eu também pego a caixa de Walkers Luxury, com um pacote de oito tortas de manteiga em miniatura, com recheio de carne moída e uma geleia de frutas. Eventualmente, ouço seus passos na escada, e olho por cima do ombro assim que Cata aparece na porta, seu cabelo ainda bagunçado, uma camisa de botão minha em seu corpo. Ela olha para mim com os olhos semicerrados contra a luz, mas não diz nada.
— Bom dia — digo, minha voz mais suave do que pretendo.
Ela sorri, um sorriso sonolento e preguiçoso, o que acaba me tirando um sorriso também.
— Bom dia — ela olha para a bancada, para os pratos que coloquei, e então de volta para mim. — Você fez o café da manhã.
— Achei que você pudesse estar com fome — dou de ombros.
Ela atravessa o resto do caminho, seus pés descalços no chão, e fica ao meu lado, perto o suficiente para que eu possa sentir seu corpo mais quente. Ela olha para a comida, depois para mim, e então se inclina, deixa um beijo rápido na minha bochecha antes de murmurar "obrigada".
Sentamos à bancada, ainda que a sala de jantar esteja a poucos passos, mas eu nunca a uso, porque parece grande demais para apenas uma pessoa — ou duas, se valer de algo. O silêncio inicial entre a gente não é estranho, não exatamente, mas posso sentir Cata me observando enquanto dou uma mordida na torrada, o barulho do garfo dela contra o prato enquanto ela empurra parte da comida.
— Você dormiu? — ela pergunta.
— Na verdade, não muito — dou de ombros. — Você?
— Muito pouco — Cata diz. — Nada fora do normal.
Comemos em silêncio por mais alguns minutos, tem o som ocasional do prato e dos talheres, mas nada além disso. Até que Cata direcionar o olhar para mim novamente, e eu posso sentir a mudança. Ela parece estar tentando descobrir como dizer algo, mas não sabe por onde começar.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Claro.
Ela coloca o garfo na mesa, suas mãos descansando na bancada, e seus olhos procuram os meus.
— Por que você... quero dizer, ontem à noite... — ela para, balançando a cabeça levemente como se não tivesse certeza de como terminar a frase.
— Sim... — eu incentivo.
— Isso simplesmente me surpreendeu. Você sempre pareceu tão... sei lá, distante. E então, de repente, passamos de apenas... ser um pouco irritantes uma com a outra, pelos últimos dois anos... para isso.
— Distante?
— Sim — ela concorda. — É, quer dizer, sempre tivemos essa coisa, em todas as vezes que nos vimos. Mas você nunca deixa isso ir para lugar nenhum. Bem, até ontem pelo menos.
Eu paro, minha mente correndo pelos últimos dois anos — cada vez que nos cruzamos, cada comentário, cada olhar que demorou um pouco mais quando estávamos na mesma sala. Ela não está errada. Sempre houve algo ali, mas eu mantive distância. Talvez porque eu não saiba o que fazer com isso. Ou talvez porque eu estou apaixonada pela esposa do meu irmão nos últimos cinco anos. Não é justo com ninguém.
— Acho que só não sabia o que fazer — digo. — Não foi pessoal, Cata. Eu só... — deixo a frase no ar, tentando encontrar as palavras certas. — Não tinha certeza se era uma boa ideia.
— E agora?
— Ainda não sei se é uma boa ideia.
— Bem... — ela sorri. — Pelo que vale, estou feliz que finalmente fizemos algo a respeito disso.
— Foi bom — eu digo suavemente, minha voz cuidadosa. — Muito bom-
— "Mas" — ela me interrompeu.
— Minha mãe... — começo, sem nem saber por que estou começando por aí. — Um fim de semana, dizem que ela se levantou da mesa de jantar durante o café da manhã. Ela não disse uma palavra. Simplesmente saiu.
A expressão de cata muda, tornando-se mais focada. Ela não interrompe, apenas escuta. Eu continuo, muito porque sinto o peso da história me puxando para frente, e não parece ter como voltar para trás.
— Meus avós saíram para assistir uma corrida de cavalos em Cheltenham naquela manhã — contínuo, sentindo o estranho distanciamento que sempre surge quando falo sobre isso, como se fosse uma história que não me pertencesse de verdade. — Eles a encontraram algumas horas depois. Ela entrou no banheiro do quarto dela na casa em Althorp e... bem, atirou na própria cabeça.
— Grace...
— Isso é uma merda. Eu não consegui acreditar que ela faria isso consigo mesma — digo. — Não quando a realidade do que aconteceu se tornou uma história e eu a ouvi. Quer dizer, eu tinha quatro anos na época. Me lembro de ouvir sobre a morte dela e não pensar muito sobre como isso aconteceu. Mas depois, quando comecei a ter pensamentos semelhantes no meu primeiro ano do ensino secundário... eles chamaram isso de ideação suicida. E aí, acho que fiz as pazes com o fato de que minha mãe tirou a própria vida. Então imaginei que a única maneira de me livrar desses... pensamentos... era construir algo para mim. Fazer algo de mim. E prometi a mim mesma que faria qualquer coisa, qualquer coisa, para evitar que eu me sentisse assim novamente — eu paro. O ar parece imediatamente espesso ao meu redor. Cata está me observando, seus olhos mais suaves, pacientes. Eu suspiro e, pela primeira vez desde que comecei a falar, me permito encontrar seu olhar completamente. — Tem uma pessoa. Alguém que parece estar na minha cabeça mais do que deveria. Eu odeio isso, e odeio isso porque é a pior coisa que já senti desde que descobri como minha mãe morreu. É como me senti naquele meu primeiro ano me mudando para Gordonstoun — Cata não recua, não desvia o olhar. Ela está atenta, absorvendo cada palavra. — Eu sei que foi egoísmo da minha parte... pedir para que isso, o que aconteceu entre a gente, acontecesse, sabendo que tenho sentimentos por outra pessoa. Mas... foda-se. Acho que eu só precisava de uma noite como a última.
— Você tem o direito de se sentir assim, ou querer isso — ela diz. — Isso não faz de você egoísta.
— Não sei. Às vezes parece que estou constantemente lutando contra essas partes de mim mesma. Tentando manter tudo junto.
— Talvez você não precise.
Balanço a cabeça suavemente de um lado para o outro.
— Sinto muito — eu digo depois de um momento.
— Eu não tenho ideia do porque você está me pedindo desculpas — ela diz. — Mas... o que acontece agora? Quero dizer, você disse... você quer que isso aconteça de novo?
Eu não sei se preciso pensar para responder isso, mas tomo meu momento de qualquer forma antes de abrir a boca. Eu não tenho uma resposta tão certa. Não é uma tão clara também, de um jeito ou de outro. Mas pela primeira vez em algum tempo, parece ok não saber cem por cento das coisas.
— Eu não sei — admito.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro