02 | GOLPE REAL CERTO
A manhã da minha formatura na Royal Military Academy Sandhurst está sem um traço de chuva, o céu é de um azul profundo que parece quase perfeito demais. Estou de pé em meu uniforme escuro e não consigo evitar sentir uma pontada de nervosismo enquanto ajusto meu quepe.
Faz dez meses desde que comecei em Sandhurst, dez meses de manhãs que começavam antes mesmo do sol nascer e noites que pareciam nunca acabar, de treinamento físico exigente e exercícios intermináveis. Dez meses me esforçando mais do que eu jamais imaginei ser possível. Chegar a esse ponto definitivamente foi um processo. Passei no Regular Commissions Board em setembro de 2008, mas minha entrada em Sandhurst no ano seguinte foi adiada por dois meses devido a uma lesão no joelho que sofri jogando polo. Lembro-me da frustração daquelas semanas e da maneira como me senti ficando para trás antes mesmo de começar, ainda mais depois de considerar tanto se faria isso ou não. Mas consegui. Entrei para a academia em 8 de maio de 2009 e, daquele momento em diante, estava determinada a provar que sabia para onde queria ir. O treinamento foi tudo o que eu tinha ouvido falar — 44 semanas de desafios físicos projetados para levar todos os novos rostos aos seus limites. Não foi diferente do esperado. Houve dias em que pensei que não conseguiria continuar, mas também estava pensando em como não tinha ideia do que mais fazer, então foi nisso que continuei insistindo.
E agora, aqui estou eu, de pé no campo de desfile, o sol brilhando sobre mim enquanto me preparo para me formar. A cerimônia em si é um grande acontecimento, o tipo de evento que parece quase irreal. O campo de desfile é ladeado por fileiras de arquibancadas altas, cheias de famílias e amigos que vieram assistir à formatura. Vejo minha família quase imediatamente, porque eles estão de pé perto dos outros oficiais em uma estrutura separada e centralizada — minha avó está de pé com um vestido azul e chapéu ao lado do meu avô, que está usando exatamente o mesmo uniforme que eu, mas com mais medalhas. Meu pai também está lá, e então há meus irmãos — Joe e Henry são os únicos que não estão de uniforme, e Henry em particular, ainda apenas um garoto, parece estar se esforçando muito para parecer adulto em seu terno bem cortado. Anneliese está entre Joe e meu pai, e quando seu olhar varre a multidão de formandos, ele logo pousa em mim. Ela sorri, e eu sinto um nó na garganta enquanto tento sorrir de volta, mas engulo, me forçando a me concentrar nos próximos minutos.
A cerimônia começa com um desfile, os cadetes marchando em formação perfeita pelo campo de desfile. O som de nossas botas batendo no chão é estranho, mas preciso, um ritmo que se tornou uma segunda natureza para a maioria de nós nos últimos dez meses. E há tantos rostos aqui, os meninos e meninas, aparentemente alheios aos seus próprios movimentos, passando por eles automaticamente. Quando o desfile termina, ficamos em posição de sentido enquanto o comandante se dirige à multidão. Suas palavras são confusas, mas eu pego uma frase ocasional. Sei que fala de liderança, disciplina e honra, e se repete como tem feito por tanto tempo. E então, finalmente, é hora do comissionamento. Um por um, damos um passo à frente para receber nossas comissões, nossos nomes são chamados em voz alta. Quando chega a minha vez, dou um passo à frente e saúdo o oficial. Ele me entrega minha comissão, um pequeno documento que parece quase leve demais em minhas mãos para o que significa.
Mas não é a comissão que fica comigo. É o momento depois, quando fico em posição de sentido, e avisto minha avó, que agora está mais na posição de rainha do que da mulher que conheço há vinte anos. Ela passa por nós, e seu rosto chama minha atenção — o jeito como ela sorri amplamente, seus olhos sugerindo algo mais suave, algo que não não sei se estou tão acostumada. Por um momento, nossos olhos se encontram, e então, antes que eu possa me conter, sorrio, os cantos da minha boca se erguendo de uma forma que parece quase involuntária. É um gesto tão sutil que ninguém mais notaria, mas ela notou, e eu tento não a encarar, mantendo meu olhar fixo à frente, como todos os outros. Ela tenta não se demorar ao passar por mim, mas é difícil, e quase parece uma bênção o momento todo, especialmente quando sinto sua mão roçando levemente o tecido do meu uniforme cobrindo meu braço. Sei que ela não deveria fazer isso, mas ela faz, e o momento fica comigo.
A cerimônia termina com um desfile final, os cadetes marchando para fora do campo de desfile ao som de aplausos. Mantenho meus olhos para a frente, minhas costas retas, mas não consigo deixar de olhar para minha família enquanto passo por eles. É rápido, no entanto, porque logo estou seguindo os outros cadetes formandos, e marchamos escada acima do Old College. O Ajudante da Academia sobe os degraus em seu cavalo atrás da classe, e o cavalo é conduzido pelos corredores do Old College.
É a tradição que marca o fim da cerimônia.
*
O caminho de volta ao Palácio de Buckingham é tranquilo, a paisagem é calma, o barulho do carro é a única coisa aqui além do som do rádio ligado numa estação de notícias, a pedido da minha avó. Estou sentada no banco de trás, meu uniforme de formatura cuidadosamente dobrado e enfiado em uma bolsa aos meus pés, e não posso deixar de sentir familiaridade enquanto me recosto no assento.
Meu avô é quem está na direção, não exatamente o que se espera de um Príncipe que acabou de deixar a cerimônia do colégio militar mais importante da Inglaterra, mas tanto ele quanto minha avó nunca abrem mão desse tipo de coisa — as coisas mais mundanas como apenas dirigir de Sandhurst de volta para Buckingham. A chegada em Londres não deve ser movimentada, é a razão também pelo ambiente quase familiar. Com meu avô atrás do volante, minha avó conversando algo no assento do carona e eu sorrindo de alguma história que ele insistiu em contar por um minuto ou dois. Meu pai está em outro carro, junto com Joe, Henry e Anne, vindo logo atrás, seguindo os outros dois carros de segurança que são o ponto claro, o que me faz lembrar onde estou, para apenas colocar os pés no chão.
Quando chegamos ao palácio, a recepção não é agitada, por escolha minha, e então fazemos o caminho mais longo, entrando longe de qualquer registro pelas câmeras que estão lá fora por todas as vinte e quatro horas do dia. A sala de jantar privada da família está cheia de conversa e a longa mesa posta para o almoço. Eu troquei para um vestido amarelo-limão, o tecido macio e fluido contra minha pele, os detalhes assimétricos subjacentes dando a ele uma sensação divertida. É um vestido de verão, mas mais solto e bonito, e definitivamente muito confortável.
A sala está cheia de pessoas que conheço — minha família, é claro, mas também amigos próximos do meu pai e da família direta, além de Taylor, que está parada perto da janela, um pouco mais distante. Ela está usando um vestido azul simples, e o tecido abraça sua figura de uma forma que é ao mesmo tempo fácil, bonita e perfeita. Joe está ao lado dela, seu braço casualmente encaixado em sua cintura, como se ele estivesse com medo de que ela pudesse se afastar a qualquer momento, ou como se ele estivesse apenas aproveitando o fato de estar longe do mundo lá fora e de qualquer protocolo que o impediria de a tocar. Eles estão conversando com meu pai.
Nos últimos dois anos, Taylor se encaixou bem na família, ainda que sua relação com Joe permaneça muito bem protegida. Os dois se formam no fim do ano, e então os planos parecem claros. Joe me disse, ele planeja a pedir em casamento, porque diz ter entendido que se há alguém capaz de aceitar a vida que temos, essa pessoa é ela. Ele a ama, parece bem claro. Eu vejo o jeito que Taylor ri, sua cabeça jogada para trás, seus olhos parecem ainda mais claros. Sinto uma coisa estranha na garganta, e não quero pensar que possa ser o complemento das lágrimas se formando em meus olhos. É tão estúpido que eu engulo tudo, forçando a me concentrar em qualquer outra coisa.
A mesa posta não demora a ser preenchida — todos nos sentamos, e eu acabo entre Henry e Taylor, seguindo a linha de Joe, porque Joe quase implorou para que eu trocasse de lugar. Eu realmente não me importo, e acabo passando o almoço inteiro numa conversa com Henry que no alto de seus doze anos está animado falando sobre Eton. Minha mente não insiste em vagar dessa vez, mas meus olhos eventualmente saem em direção a Taylor, em direção ao jeito que ela está conversando com Anne, do outro lado da mesa, e o jeito que ela está confortável.
Depois do almoço, a sala fica mais vazia, pois a família extensa e os amigos vão embora, deixando apenas a família imediata para trás. Nós nos mudamos para a maior das salas de estar, um espaço amplo com tetos altos e janelas altas onde, desde criança, me lembro de passar as tardes. A sala se enche rápida, a televisão tocando baixinho ao fundo, mais para criar um ambiente do que qualquer outra coisa, em contraponto com as vozes e as conversas.
Eu me acomodo no canto, sentada em frente à janela acolchoada, minhas costas contra o vidro frio. A sala está cheia — meus irmãos estão esparramados em um dos sofás, e Taylor está ocupando o espaço ao lado, suas vozes subindo e descendo enquanto Joe irrita Henry sobre alguma coisa. Meu pai está sentado à mesa com o pai dele e minha madrasta, Anneliese, está muito bem acomodada no braço de uma cadeira, sua risada ecoando enquanto ela fala com um dos meus tios.
Por um momento, estou sozinha, e o barulho da sala me envolve, mas então, pelo canto do olho, vejo Taylor sair do lado de Joe e vir em minha direção. Ela de alguma maneira se move de um jeito que faz meu estômago revirar. Ela se senta ao meu lado, exatamente ao meu lado, e nossos ombros se tocam, suas pernas se cruzam, e ela sorri.
— Ei — ela diz.
— Ei — eu respondo, e minha voz soa baixa, como a dela.
— Você esteve quieta hoje — ela diz. — Está tudo bem?
— Sim, só... — eu aceno, embora pareça uma mentira. — Cansada, eu acho.
— Eu entendo. Foi um grande dia.
— Sim , sim — eu digo, minha voz sumindo.
Ficamos em silêncio por mais um tempo, o barulho da sala nos inundando. Então Taylor se inclina para trás contra a janela, seu olhar fixo à nossa frente.
— É legal, não é? — ela diz. — Estar aqui, com todo mundo. Quero dizer, o último ano não parece ter sido fácil, mas Sandhurst não é exatamente uma brincadeira.
— Oh, é — eu digo, embora não tenha certeza se concordo com a primeira parte. — É legal, eu imagino.
— Você não parece convencida — ela se vira para mim, seus olhos procurando meu rosto.
— É só que... — dou de ombros, meu olhar caindo para minhas mãos e para o anel de sinete que uso no mindinho. — Acho que me costumei ficar longe daqui, então isso, bem, parece 'muito'.
— Certo — Taylor acena. — Eu posso ver isso.
Não digo nada por um momento, apenas deixo o silêncio voltar a se estender entre nós. A sala parece ainda mais barulhenta ao redor, mas aqui, neste canto, está quieto, quase pacífico. Por alguma razão isso me incomoda.
— Estou indo para o Afeganistão — digo de repente, as palavras saindo antes que eu possa impedi-las.
— O quê? — Taylor se vira para mim.
— Província de Helmand — continuo. — Por 19 semanas. Vou embora em um mês.
— Grace — Taylor me encara, sua expressão muda de surpresa para outra coisa, talvez seja desconforto, talvez, ou uma preocupação. — Você tem... permissão para fazer isso? Quero dizer, você ainda é uma princesa.
— É tão estranho te ouvir falando isso — eu rio, um som curto que parece quase amargo. — Não importa. Eu não sou Joe, o que me dá a opção de apenas... fazer isso. Se algo acontecer... — eu paro, não querendo terminar o pensamento.
— Não diga isso — a expressão de Taylor cai, e seus olhos azuis quase escurecem.
— É verdade — eu digo. — Além de que... eu acho que preciso fazer isso. Eu não sei o que fazer além disso.
— Por quê? — Taylor pergunta finalmente. — Por que você está fazendo isso... — ela continua.
— É complicado explicar.
— Tente.
— Parte disso... — respiro fundo, meus olhos vagando para longe de Taylor — Parte disso é minha mãe. Eu era apenas uma criança quando ela morreu — tento continuar. — Mas todo o... contexto da vida familiar naquela época, não era nada saudável. Não era bom. Nunca foi. Disso eu me lembro. E eu acho... acho que carreguei isso comigo, desde então. E eu acho... acho que tenho tentado me curar disso, do meu próprio jeito. Da ideia de ter perdido ela. Da relação dela com meu pai. Mas é difícil, sabe?! Quando você faz parte desta família, quando há tanta... coisa. É difícil sentir que você tem permissão para simplesmente... viver.
— Então, o quê...? Você vai embora para... provar alguma coisa.
— São só algumas semanas — digo. — E não é só isso. É que... eu preciso sentir que estou fazendo algo de mim mesma.
*
Todas as manhãs, nas últimas onze semanas, eu sei que Ben Satchwell digitou as palavras "Princesa Grace" e "Afeganistão" no Google, e todas as manhãs, ele suspirou aliviado que o principal resultado foi o mesmo: "Princesa Grace está proibida de lutar ao lado dos soldados britânicos no Afeganistão, por ordem da própria Rainha". Sei disso porque ele diz em sua última carta, ressaltando que o "blecaute" da imprensa em notícias relacionadas a onde estou permanece firme.
O Sr. Satchwell fica aliviado como sempre; sendo o diretor executivo da Society of Editors in Britain, foi ele quem negociou um acordo ultrassecreto para manter minha presença no Afeganistão fora dos jornais britânicos e fora das ondas de rádio para reduzir as chances de que eu, ou o grupo com quem vim, nos tornássemos alvos especiais de combatentes inimigos.
As cartas chegam a cada três dias, às vezes mais se eu estiver me movendo. Elas vêm em lotes, entregues pelo mesmo mensageiro que traz o resto da correspondência para a base. Joe tentou ligar, mas o sinal aqui é irregular, na melhor das hipóteses, e nossas conversas são frequentemente interrompidas por estática ou um silêncio ruim que termina caindo em vozes travadas. Mas Taylor — Taylor envia uma carta a cada entrega.
É estranho, porque parece que ela e eu estamos mais familiarizadas uma com a outra agora que estou fora. Suas cartas são longas e detalhadas, cheias de histórias sobre seu dia, nunca sobre Joe, mas sobre a família dela e os amigos. Ela escreve sobre as pequenas coisas — o clima, os livros que está lendo, o novo café que abriu perto de seu apartamento que ela divide com meu irmão em St. Andrews. Ela escreve sobre as grandes coisas também.
As cartas são honestas, e as leio várias vezes, até que o papel esteja macio e gasto, até que quase consiga ouvir sua voz na minha cabeça. A carta de hoje não é diferente. Sento-me na beirada do meu colchão e abro o envelope com cuidado. Sua caligrafia é limpa, ela escreve de maneira cursiva, mas deixa escapar um estilo único de usar algumas letras em fôrma. É dela, e eu quase posso a imaginar com a caneta entre o indicador e o dedo médio escrevendo as palavras.
Ela fala sobre Joe pela primeira vez, e reforça que ele tem tentado ligar, mas é difícil receber qualquer coisa. À parte disso, deixamos o ponto atual em dois dias, então devemos ficar incomunicáveis de qualquer modo até que eu esteja de volta. Taylor também despeja suas preocupações sobre sua tese, e diz não estar certa do que vai fazer assim que deixar a faculdade. Eu quase quero dizer, na carta que escrevo minutos depois, que ela não precisa se preocupar com aquilo. Joe parece ter um futuro traçado, e Taylor está nele. Pelos próximos anos, acredito que as únicas coisas com as quais ela vai precisar lidar são os consideráveis protocolos a seguir em todas as recepções para embaixadores e líderes estrangeiros, as visitas e compromissos oficiais pelo Reino Unido e pelo mundo todo.
Na quinta-feira, alguns dias antes de completar minha décima primeira semana aqui, é quando estou me movendo junto com os outros e é quando também a zona militar mais proeminente da Grã-Bretanha finalmente entra na consciência do público, e o fato de que estou aqui é a notícia nova. Um jornalista chamado Matt Drudge coloca o segredo em uma fonte grande em seu popular site, The Drudge Report. Seguindo isso, alertado por um colega, sei que o Sr. Satchwell foi imediatamente telefonar para o coronel Bathurst, porta-voz do ministério da defesa, e disse que o blecaute da imprensa não poderia mais durar. Sei disso porque recebo uma ligação no fim da tarde, quando paramos numa base maior. O que Bathurst diz é "Agora temos uma questão de minutos e não horas para preparar uma declaração e cuidar das questões de segurança. Preciso te trazer de volta".
Na sexta-feira, o Ministério da Defesa, em conjunto com a porta-voz da imprensa do Palácio de Buckingham, assume que eu, a terceira na linha de sucessão ao trono britânico, estou voltando do Afeganistão porque é muito arriscado ficar aqui. Eu estou no avião quando isso acontece, e assisto a declaração na coletiva, onde Bathurst diz que embora eu devesse permanecer no Afeganistão por mais algumas semanas com minha unidade do Household Cavalry Regiment Battlegroup, a situação agora mudou claramente. Não é seguro para ninguém que eu esteja em Helmand.
Bathurst explica que o embargo de imprensa diante da minha ida foi quase exclusivamente britânico, embora a Associated Press, a Reuters e a CNN também tenham aceitado o acordo. Jornais americanos, incluindo o The New York Times, não foram informados sobre o acordo com a imprensa britânica, mas eles também não sabiam para onde eu tinha ido, até o reporte de Matt Drudge. Bathurst dá os detalhes que até o momento apenas minha família sabe. Que eu, com apenas 20 anos, nas últimas dez semanas estou trabalhando como controladora aérea avançada na província de Helmand, no sul, guiando caças em direção a alvos suspeitos do Talibã. Isso por escolha do exército, que decidiu no início da missão que era muito perigoso para mim dar instruções no Iraque e me enviaram ao Afeganistão com a condição de que tudo ficasse em segredo.
Após a divulgação cronometrada de onde eu estou, políticos, incluindo o primeiro-ministro David Cameron pularam uns sobre os outros em elogios a quem eu sou. Em seguida, repórteres britânicos liberaram para o domínio público todo o material que estavam guardando para mais tarde, e eu quero revirar os olhos quanto a quão claro parece ser o que estamos fazendo. Entrevistas e cenas de vídeo minhas discutindo a mobilização da base, usando uniformes e disparando armas. Não quis gravar nada disso, mas o fiz mesmo assim.
Em entrevistas gravadas enquanto eu parava em um canto apenas para seguir para outro, revelando que eu estava aproveitando uma vida de semi-normalidade entre soldados regulares, me achando também entre as poucas mulheres no meu grupo. Descrevendo como me senti quando soube que seria enviada para o Afeganistão, o que foi na verdade um pouco 'animador', e um pouco de 'ufa' por finalmente ter a chance de realmente fazer o serviço militar que eu queria fazer desde que decidi entrar em Sandhurst.
Desembarcando em Londres, as notícias ainda são essas. Um autor até escreveu extensivamente sobre mim, indicando que a imprensa britânica apoiava tanto o embargo da imprensa em parte porque eu estava mostrando um lado mais responsável que eles não esperavam, ao menos não exatamente, da segunda filha do Príncipe Phillip que não tinha muito a entregar não sendo o foco das notícias. Anteriormente, acho que eles imaginaram que eu seria a fonte constante de histórias de tablóides entre namorados, palhaçadas em festa e uso de drogas porque era o estereótipo de filho mais novo, ou pelo menos foi o que eles receberam com meu tio, Arthur, e a dinâmica entre ele e meu pai. Mas é diferente, e também é óbvio que a coisa toda sobre a minha ida para Helmand é um golpe publicitário fantástico para o Palácio de Buckingham. Parece o golpe real certo.
O avião pousa na RAF Brize Norton em Oxfordshire, um avião de transporte de tropas RAF Tristar. Isso acontece logo depois da meia-noite, as luzes da pista passam pela janela enquanto desaceleramos até parar. A cabine está silenciosa e eu fico ali sentada por um momento, meus cotovelos apoiados no apoio do assento. O secretário da família, que é diferente do secretário pessoal do meu pai, é um homem chamado Jose Hilding que está com a família desde que me lembro. Foi ele quem viajou para me buscar, apenas para garantir que eu entraria nesse avião segura. Ele está comigo, e desabotoa o cinto de segurança se levantando, alisando o paletó.
— Vamos direto para o palácio — ele diz.
Eu aceno, embora a ideia de sair do avião pareça esmagadora. As últimas dez semanas foram estranhas, mas não exatamente ruins, com toda aquela poeira e o barulho , dias longos e noites inquietas, e agora, de repente, estou aqui, de volta a Londres, de volta a um mundo que parece familiar, mas que não me anima em nada.
A porta se abre, e o ar frio da noite entra. Uma fina chuva está caindo e eu piso no asfalto, minhas botas batendo no chão com um baque suave, e imediatamente, o flash das câmeras começa. Os fotógrafos estão alinhados atrás de uma barreira, suas lentes apontadas para mim como armas, suas vozes gritando umas sobre as outras, me fotografando e filmando enquanto desço em meu uniforme. É tarde demais para que eles estejam aqui, mas eles estão. E eu escuto, "Grace! Aqui!", "Como foi o Afeganistão?", "Algum plano de retorno ao serviço ativo?".
Mantenho minha cabeça baixa, minha expressão neutra, e sigo Hilding até o carro que me espera. O caminho para o Palácio de Buckingham é mais rápido do que eu espero, as ruas de Londres não estão vazias a essa hora, mas o trânsito não é caótico, e a cidade iluminada pelo brilho dos prédios, dos pubs abertos e das luzes de rua são levemente acolhedores. Quando olho pela janela, com o carro parando nos limites do palácio, as janelas estão brilhando fracamente. A equipe de segurança está esperando na frente, e eu os comprimento quando a janela do carro se abaixa, mas não descemos.
— Sua família está nos aposentos privados — Hilding fala. — Devo levá-la até eles?
— Eu vou para Kensington — é a única coisa que eu digo, e então o carro continua seguindo antes mesmo que Hilding possa dar a indicação, porque o motorista certamente me escutou.
A viagem até Kensington é curta, uma linha reta que toma cinco minutos do tempo, e logo eu estou diante dos apartamentos 8 e 9. É aqui onde morávamos quando minha mãe ainda estava viva, e onde fiquei pelo breve período em que estive em Londres antes de partir para o Afeganistão, já que ninguém realmente usa o espaço. Meu pai está em Clarence House, e além dos meus tios ocupando outra ala de Kensington, exatamente aqui, não há mais ninguém.
Eu largo minha bolsa perto da porta depois de me despedir de Hilding e garanto que no dia seguinte vou estar pronta para o que quer que eu tenha que fazer. Então, finalmente vou direto para o banheiro, tiro meu uniforme e entro no chuveiro. A água está quente, quase escaldante, mas eu fico ali pelo que parece horas, deixando a água correr e lavar toda a exaustão.
Quando finalmente saio, o apartamento está silencioso. Eu me enrolo em uma toalha e vou descalço até a cozinha. A geladeira está cheia, e eu imagino que seja porque no início da manhã todos sabiam que eu voltaria. Há também potes de feijão Heinz em embalagens de quatro latas no armário, Bisto, praticamente pronto para ser colocado em água quente e transformado em molho para acompanhar carne ou purê, ou ervilhas, além disso tem biscoitos Ginger Nuts, Picles Braston, Marmite, Shreddies e tudo mais que me faz acreditar que quem cuidou de encher os armários foi Joe. Eu sei que ele está na cidade. Eu acabo encontrando Smiths Scampi Fries e tem Yorkshire Tea também na bancada, que eu preparo, acrescentando uma certa quantidade de leite.
Eu me mudo para a sala e ligo a televisão, e me sento para comer só depois de vestir um pijama azul. Ligo a televisão e deixo a reprise do Graham Norton Show da última semana na tela. Eu tento prestar atenção, mas isso não dura, porque o telefone fixo do apartamento toca, e eu preciso me levantar para o atender. É tarde, muito tarde, mas eu atendo. A voz de Joe surge no meu ouvido logo em seguida, enquanto eu volto para o sofá com o telefone na mão.
— Eu ouvi que você chegou — Joe diz.
— Ouviu? — questiono, mas sei que ele ouviu. Havia câmeras e mais câmeras e eu liguei a televisão ao tempo do segmento do jornal noturno passando a reprise da noite. Vi minha imagem gravada na tela, "Guerra da Princesa Grace" estampado logo abaixo, com a notícia falando sobre como eu estava em casa. Bem. Segura. Era o que importava.
— Ok, eu vi as imagens na BBC — ele confessa. — Passou no jornal noturno enquanto os pais de Taylor estavam assistindo. É como eles são, você sabe, a imprensa. Te gravaram o caminho todo até o carro.
— Você está na casa de Taylor?
— Sim. Vamos para a casa de campo amanhã para o fim da semana. Tenho certeza de que você consegue imaginar como vai ser.
— Então não vou te ver — eu digo.
— Não até segunda-feira — ele diz. — Eu, hm, ouvi sobre tudo. A maneira como a notícia sobre seu tempo fora foi vazada, bem... Você está bem?
— É, eu... — fecho os olhos por um segundo e posso ouvir a preocupação em sua voz, mas parece distante, ou eu pareço distante. — Estou bem. Acabou agora. Por agora. Não sei como isso vai ficar mais para frente.
— Claro — ele fala. — A propósito, pedi que abastecessem a despensa e a geladeira para você. Só queria ter certeza de que você tinha tudo o que precisava quando voltasse.
— Eu reparei — sorrio. — Obrigada, Joe.
— Você não precisa me agradecer — ele responde rapidamente. — Não é nada. Só imaginei que você estaria cansada demais para lidar com isso sozinha quando voltasse.
— Eu agradeço. Sério.
Há uma pausa na linha e, por um segundo, acho que vamos cair em um daqueles silêncios confortáveis que costumávamos ter, onde nenhum de nós precisava preencher o espaço com palavras. Mas então Joe fala novamente, sua voz mais baixa dessa vez, quase hesitante.
— Tem algo que eu provavelmente deveria te contar — ele diz, e o tom de sua voz muda novamente, algo mais sério se insinuando. — Eu, hum... eu pedi Taylor em casamento.
Minha mente para por um segundo.
— Você o quê?
— Duas semanas atrás — Joe diz, e eu posso ouvi-lo se mexer do outro lado da linha, como se estivesse desconfortável. Tenho certeza que ele não está mais desconfortável do que eu. — No nosso apartamento em St. Andrews. Usei o anel da mamãe, aquele com a pedra azul, sabe, e os detalhes de diamante. Ela disse sim imediatamente.
— O anel da mamãe — repito, minha voz saindo mais gentil do que eu esperava.
— Sim — Joe diz. — Ela disse sim. Ela... ela não queria que eu contasse isso com você tão longe porque nossas ligações eram sempre tão curtas. Queria esperar até que pudéssemos lhe contar pessoalmente. Mas as coisas ficaram agitadas, e então você voltou... Você está aqui. Não ia conseguia esperar até te ver.
Eu concordo, mesmo que ele não possa me ver. Agradeço que ele não consiga me ver. Taylor não querer compartilhar as notícias não é algo que faça realmente sentido. Ao mesmo tempo que faz sentido. Joe não sabia que ela me enviava cartas. Ela provavelmente pensou que não era o momento certo, comigo lá fora, lidando com minhas próprias coisas. Ainda assim duas semanas é muito tempo para guardar algo assim para si mesma.
— Estou feliz por você — eu digo, forçando as palavras porque é o que eu deveria dizer. E estou feliz por ele, de certa forma. Taylor nasceu para Joe. Eles fazem sentido juntos, e parte de mim sabe que isso é certo.
— Obrigado — Joe diz calmamente. — Significa muito ouvir isso de você.
— Quando é o grande dia? — pergunto, tentando manter minha voz leve, e sabendo que algo como um casamento, ainda mais se tratando da figura do segundo na linha sucessória, vai ser um espetáculo, do tipo que se toma meses para preparar.
— Ainda não definimos uma data. Ainda há muito o que fazer. Precisamos anunciar o noivado e você sabe como são essas coisas...
— Vocês dois tendo que se sentar para falar com a ITV — eu digo.
— E então as fotos, a caminhada pelo jardim. A apresentação oficial, ela e nossa família — ele suspira. — Deus, há tanto para ser feito. Mas, obviamente quero que você esteja em tudo isso. Vocês duas são muito amigas, acho que vai tornar tudo mais fácil, porque isso é novo para ela.
— Claro — concordo. — Eu vou ficar feliz em ajudar, no que puder ajudar, claro.
— Bem, eu provavelmente deveria deixar você dormir um pouco. Você teve um longo dia.
— Sim — eu digo, embora não tenha certeza se o sono virá facilmente. — Obrigada por ligar, Joe. E... parabéns, você sabe... eu fico realmente feliz pelo noivado.
— Obrigado, Grace — ele diz. — Vejo você em alguns dias?
— Vejo você em alguns dias — eu repito.
Eu olho para o telefone por um minuto depois que desligamos. Eu deveria estar feliz por ele. Estou feliz por ele. Mas há algo mais ali também. Apesar disso, tento não pensar sobre essa ideia. Também não sei bem a que horas acabo dormindo, mas faço isso no sofá, com as cortinas abertas. As luzes de fora se filtram através do vidro, e o barulho de Londres parece mais distante, e apesar de agitado é quase relaxante e familiar porque estou acostumada com isso. Meu corpo está pesado, minha mente finalmente quieta e, pela primeira vez em semanas, eu consigo realmente dormir confortável, com o sofá sendo definitivamente mais agradável que o espaço minúsculo entre dois níveis de uma treliche.
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