Capítulo 9
Feeling Good- Michael Bublé
-Tens água com gás? - O Harry atira a camisola para dentro do lavatório da minha casa de banho e abre o frigorifico em miniatura onde guardamos restos que trazemos do refeitório.
-Acho que não. - Digo-lhe ainda sem saber como me sentir de o ter aqui, em no quarto, sem camisola.
Os homens têm realmente uma qualidade para se sentirem à vontade que eu invejo.
-Para de olhar para mim.- Harry diz-me, enquanto continua a procurar uma água com gás que nunca vai encontrar.
-Então veste qualquer coisa!
Ele endireita-se e levanta os braços num claro "e visto o quê?". Abro uma das minhas gavetas e atiro-lhe uma t-shirt das que uso para dormir.
-É só pele.- Garante-me enquanto apanha a t-shirt.
-Harry, estou enjoada, não como nada há horas e tenho sono, por favor, não me faças discutir contigo a liberdade do corpo masculino.
Num movimento que já aprendi ser o de curiosidade, ele encosta-se à parede de braços cruzados. Reparo novamente na cruz que ele tem tatuada no pescoço.
-Como assim?- Pergunta-me.
-Como assim? E se eu tirasse o soutien e a camisola?
O sorriso dele aumenta de tamanho e reviro os olhos.
-Não te prendas por mim.
Reviro os olhos e abro um armário debaixo da cama, de onde tiro um pacote de bolachas.
-É isso que vais comer?- Pergunta-me.
-Queres dividir?
Ele olha com um nojo mal disfarçado para as bolachas e senta-se ao meu lado, enquanto veste a camisola que lhe dei. Sorrio com satisfação ao reparar que a cara da Barbie está completamente distorcida e esticada pelo corpo dele. Harry olha para baixo e novamente para mim, em choque.
-Não acredito.
-Fica-te bem.- Digo-lhe enquanto tiro os sapatos e me sento na cama e ele faz o mesmo.
-A esta hora, se estivesse em casa, ia grelhar um bife.
-Claro! E comer dois ou três latas de atum.
Harry ri-se e dá-me uma cotovelada. Eu agarro-lhe o braço e arregalo os olhos. Caramba... alguma vez toquei num homem assim? O Max era maior que eu, mas não era tonificado e o Harry parece magro, mas ao mesmo é como se me pudesse escodar do mundo com ele. É uma sensação de proteção estranha.
-Este corpo não se mantém com bolachinhas. – Diz ele enquanto leva uma bolacha à boca.- Estás bem?
Os dedos dele destapam-me o ombro e encolho-me. Os dedos dele já não estão frios e a pele não está propriamente dormente, mas a ponta dos dedos dele é quase cortante.
-Sim. Ele estava só... alterado.
Respiro fundo, e os dedos dele continuam a mexer-se na minha pele a um ritmo cadenciado.
-Ele costumava ficar alterado muitas vezes?
-Às vezes. - Um filme de todas as vezes em que tive de me ir embora, por ele estar severamente pedrado passa-me pela cabeça. Uma das vezes, num jantar de família, o pai meteu-o fora de casa.
Os olhos do Harry perscrutam-me de forma intensa e percebo que lhe posso ter dado a ideia errada.
-Ele nunca me magoou. Mas discutíamos muito... não sei, ele já esteve limpo. Pensei que estava.
-Foi por isso que acabaram?
-Não. - Rio-me.- Ironicamente acabei com ele porque... porque ele tentou desculpar a traição do meu pai.
-O teu pai traiu a tua mãe?
-Hum. - Digo-lhe, concentrando-me na parede ao fundo do quarto. O Harry passa-me o braço pelos ombros e olho para ele de soslaio. - Não te estiques.
A gargalhada rouca dele viaja pelo quarto e os dedos dele voltam a massajar-me o sítio onde Max me tocou. É quase como se quisesse apagar o toque e a presença dele.
-Tivemos uma noite comprida, deixa-me... ajudar.
-Eu estou bem.- Garanto-lhe.
O silêncio estende-se no quarto e para além o som da ventoinha que Mar tem sempre ligada estamos imersos num silêncio confortável que me faz olhar para ele. Tem os lábios entreabertos e os olhos profundos estão presos nos meus. Tão intensos que por um segundo julgo que me vai beijar. Os meus olhos voam-lhe para o caracol rebelde que lhe cai para a testa que ele encosta a mim.
-Miúda, deitei os meus cigarros fora por tua causa por isso, neste momento, a única coisa que me está a deixar relaxado és tu. Ok? Por isso, tu estás bem, eu nem tanto.
E num gesto simples, ele encaixa a cabeça no meu ombro. O cabelo dele cheira a maça e faz-me fechar os olhos.
-Também não adoro propriamente andar a bater no teu ex-namorado depois de uma luta, por isso deixa-me só... estar.
-Desculpa.- Sussurro.- O que é que costumas fazer depois de uma luta?
Ele parece pensar nisso por um segundo.
-Como, fumo... ligo a alguém.
Alguém. Uma mulher. Claro. Uma ponta de ciúmes atinge-me o que me deixa confusa. Não posso gostar assim tanto dele que tenha ciúmes. Não o conheço. E para além disso, nunca senti ciúmes de nada ou de ninguém... nem de Max.
-Se ele te voltar a chatear. - Harry diz-me, quase que a sussurrar.- Dizes-me?
O mais provável é que não diga. Apesar do lado violento me servir de objeto de trabalho, a verdade é que ainda consigo ver-lhe a raiva nos olhos quando encostou a cabeça do Max à parede e a verdade é que isso é assustador. Talvez tenha mais medo do Harry, do que do Max.
-Claro. - Minto.
Harry endireita a cabeça e com o polegar obriga-me a olhar para ele. Não gosto de olhar para as pessoas desta maneira, desvio sempre os olhos antes que os outros possam reparar, mas algo na maneira como ele me segura me faz segurar a mentira que lhe contei.
-Tu não o conheces.- Digo-lhe.- Ele não é má pessoa.
O sorriso na cara dele é cético, e vejo-o levantar-se num salto elegante. Sinto imediatamente falta da presença dele ao meu lado e sigo-lhe o exemplo, enquanto tento controlar a deceção de o ver ir embora.
-Conheço muitas pessoas assim, Cam. Melhor do que possas pensar.
Ele olha em volta e agarra num velho casaco de Jake, que veste sem ao menos olhar para mim.
-O que é que isso quer dizer?- Pergunto enquanto acompanho os cincos passos que nos separam da porta.
Vejo enquanto os dedos dele puxam o fecho do casaco e engulo em seco. São dedos bonitos, longos... acorda!
-Exatamente o que quer dizer. – Ele aproxima-se de mim, o ar à volta dele é quente e denso e faz-me questionar a minha sanidade mental.- Ou só tu é que podes mentir e ser dissimulada?
-Eu não menti!- Guincho, ofendida.
-Vais protege-lo. Está-vos no sangue.- O tom dele é venoso, guarda rancor e apanha-me de surpresa. Quem são eles? Está no sangue de quem?
-E isso? Isso quer dizer o quê?- Contra-ataco.
- Que tu não és diferente dele! Ele defendeu o teu pai e isso feriu-te o orgulho, mas tu estás a defendê-lo a ele!
A voz dele, o tom, a forma como o sinto a raiva ferver-me o corpo fazem-me mostrar-lhe um dedo do meio.
-Tu nem sequer me conheces! - Digo-lhe, naquilo que acho que é um grito sussurrado.
-Conheço a tua gente melhor do que pensas! Onde é que achas que ele arranja o dinheiro para a merda da coca? Hum? É um tipo muito trabalhador?
Os olhos dele rebentam de superioridade e aproximo-me dele.
-E tu? És assim tão diferente dele? As pessoas não se vendem todas ao diabo por dinheiro?
A risada sarcástica do Harry gela-me o sangue e vou até à porta.
-Sai daqui. - Peço-lhe.- Esta conversa não vai dar a lado nenhum e estou cansada.
O Harry olha para mim, enquanto faz um beicinho fingido.
-Chateei-te? Já não precisas de mim? Que pena!
-Desaparece!- Abro a porta e espero que ele saia.
-Com prazer.- Ele cospe e sai.
Quando o vejo pelas costas faço-lhe um grande dedo do meio, e numa tirada que não antecipo ele vira-se para trás, mesmo a tempo de me ver. A cara dele torce-se numa careca de raiva. Com os olhos franzidos ele avança na minha direção com um passo decidido, e ainda de dedo no ar dou um passo hesitante atrás. Não é medo, é só...
O ar sai-me rápido dos pulmões quando ele entrelaça o dedo do meio dele no meu e me encosta à parede.
-Tu não fazes ideia de quem eu sou, Cam e chatear-me é uma péssima ideia.
Ergo os olhos e aperto-lhe o dedo com força.
-É? E tu sabes?
A respiração furiosa dele bate-me na testa e de repente a boca dele choca com a minha num beijo furioso. Sinto os dedos dele passarem-me na garganta até pararem no queixo para me manter quieta.
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