Capítulo 3
Lembro-me de uma aula de psicologia, em que o meu professor nos disse que uma mulher começou a ladrar em vez de falar, enquanto tinha um acidente vascular cerebral e pergunto-me se abrisse agora a boca, me sairia um latido.
-Como assim? Casamento?- Estou atónica.
-O semestre acaba daqui a dois meses, a faculdade... já tínhamos falado, só não achei que fosse tão cedo.- Mar diz-me, completamente extasiada.
Jake encolhe os ombros, obviamente orgulhoso da sua façanha, até que os olhos se desviam para Harry e sorriso diminui ligeiramente.
-Andava a ver casas e senti... senti que queria fazer isto com a Mar.
-Parabéns, meu. - Harry aperta a mão e Jake acena, com um sorriso contraído.
Abraço-os. Primeiro Jake e depois Mar, que me aperta durante uns segundos a mais.
-Quem é o pedaço de mau caminho?- Sussurra-me.
-Não sei de nada. - Minto-lhe.
Ela afasta-me à distância de um braço e sorri.
-Então e a festa vai ser quando? Vai ser um noivado longo?
-Não.- Mar dá um pulinho de alegria.- Vamos casar daqui a um mês, no city hall.
Sinto o queixo bater no chão.
-Como assim? Um mês? Isso é antes do final da faculdade.
Mar olha para Jake, envergonhada e percebo que há aqui qualquer coisa que não estou a ver.
-Vou sair do dormitório daqui a uma semana, Cam.
-Vais?- Sinto-me tão estupida, devia estar contente, mas em vez disso tenho a sensação de que o Jake acabou de me roubar a minha melhor amiga.- Não podiam aguentar um mês, ou dois?
-Alguns de nós gostam de viver com o seu interesse romântico. - Dispara Jake, referindo-se obviamente às seiscentas vezes que o Max me pediu para ir viver com ele.
-Eu gosto da minha independência.- Resmungo.
-E o Max era um idiota chapado. Ninguém ia querer viver com um tipo que vestia as camisas por ordem cronológica.
-Isso eu gostava de ter visto.- Harry ri-se ao meu lado.
Marisa estende-lhe a mão.
-Acho que não fomos apresentados, eu sou a Mar, a colega de quarto da Cam.
O Harry oferece-lhe o seu melhor sorriso e aperta-lhe a mão.
-Harry. Sou a experiência social dela.- Ele aponta para mim com o ombro.
-Como assim?- O olhar interessado dela faz-me querer recuar imediatamente.
-É confidencial!- Guincho, incapaz de os continuar a ouvir.- Muito bem, vamos ao que interessa: muitos parabéns aos dois, mas já posso voltar para o meu quarto?
-Ainda não!- Mar diz-me antes de puxar Jake escada acima.- Só te queria contar a boa noticia.
Fico a vê-los desaparecer escada acima e recosto-me na parede.
-Nem acredito que vou ficar sozinha e sem poder entrar no quarto- Digo mais para mim mesmo do que para ele.
O Harry estende-me a mão para me levantar das escadas onde me sentei, mas não aceito e levanto-me sozinha.
-Dizem eles que o cavalheirismo está morto.- Harry revira os olhos.
-As experiências são podem ser cavalheiros, entendido?- Espeto-lhe o dedo na cara.
-Ah, mas tu já me podes beijar, é isso? Sabes, se fosse ao contrário, teria sido considerado assédio.
-Ok, pronto. Queres que me ponha de joelhos e peça desculpa?
-Quando te quiseres pôr de joelhos é contigo, eu não obrigo ninguém a nada.
Fico de boca aberta com a insinuação dele e decido que precisamos rapidamente de estabelecer regras.
-Chega, isto está a ficar muito pessoal. Sabes onde vivo, sabes que a minha amiga ficou noiva... precisamos de barreiras!
Observo-o enquanto ele abre a porta das traseiras, onde o roedor ainda anda à solta, e a trava com o pé. Acende o cigarro e o cheiro a fumo e a menta enche-me o peito.
-Sei onde vives porque enquanto me andavas a assediar através de um email muito interessante... já agora, usas sempre o [email protected] como email profissional? – Ele tenta esconder o riso.
Os níveis de humilhação nunca acabam e se por acaso andasse com uma pá atrás, provavelmente já tinha cavado um buraco onde me enfiar. Porque é que faço isto a mim mesma?
-Viste isso?- Guincho.
-Vi todos os emails que me enviaste. As mensagens apaguei-as, os telefonemas ignorei, mas os emails... eram demasiado divertidos para não ler, por isso, vamos já assumir aqui uma coisa docinho.
-Não me chames docinho.- Encosto-me à ombreira da porta, mesmo em frente a ele.
-Ok docinho. Então, vamos já estabelecer aqui que te dei muitas oportunidades para me deixares em paz.
-Justo.
-E que te tentei avisar.
-Ignoraste-me com bastante sucesso, eu é que não aceito não como resposta.
Ele sorri enquanto aspira o fumo.
-Boa.- Ele cospe o fumo e aproxima-se de mim.- Por isso, aconteça o que acontecer, a culpa é toda tua. Se continuarmos, daqui para a frente, é contigo.
-Estou perfeitamente ciente dos riscos de fazer isto.
Harry sorri, há um aviso nos seus olhos que não sou capaz de ler, e quando ele me agarra a mão e puxa, tenho a sensação que acabei de me atirar de uma ponte, sem saber se há alguma coisa lá em baixo para me aparar a queda.
***
Os dedos dele são quentes entre os meus e tenho de me refrear que de os apertar, embora tenha esta sensação no estômago que me mo peça para o fazer.
-Estás com medo?
Olho para cima e vejo-o concentrado no caminho à nossa frente. A música é alta e há vapor de água a sair de condutas antigas. Oiço vozes masculinas e um homem passa por nós com um projetor.
-Estás sempre a perguntar-me isso.- Murmuro, enquanto tento anotar cada pormenor do armazém para onde ele me trouxe.
-Porque ainda nunca me disseste a verdade.- Harry mete-se atrás de mim quando passamos por um corredor mais estreito e sinto-lhe o queixo no topo da cabeça. A mão que não agarra a minha agarra-me o braço.- Tem calma, só quero ter a certeza de que percebes no que é que te estás a meter.
Engulo em seco e penso no caminho que fiz até aqui. Caminhámos meia hora desde o meu prédio, e depois entrámos nas traseiras de uma área industrial, antes de ele me puxar para dentro de um armazém. Sim, acho que sou capaz de voltar para casa se for mesmo preciso. A minha mãe passou a vida a dizer-me se souber por onde vim, sei por onde voltar.
-Com licença. - Ele diz-me, antes de me tapar os olhos com a mão esquerda, que eu agarro imediatamente.
-Não!
-Vais ter de confiar em mim.- Sussurra, antes de nos enfiarmos num espaço apertado e de me sentir girar.
-Sou claustrofóbica. - Digo-lhe, meio a mentir, meio a falar a sério.
-Eu sei, por isso é que te tapei os olhos. Em frente agora.
Agarrada ao braço dele, e a tentar ignorar o calor da pele dele na minha, oiço uma porta de ferro ser fechada com força antes de começarmos a subir.
-É um elevador?
-Shh.- A boca dele está perto do meu cabelo e agarro-lhe a mão com mais força.
-Eu odeio elevadores.- Sussurro, com o estomago em queda livre.
Começo a lembrar-me das palavras de Cléo "meio tresloucado de testosterona e fúria pura". Talvez eu me quisesse fazer de forte, mas isto pode ter tido uma péssima ideia... e se ele matou mesmo o pai? E se me vai matar?
-Eu não te vou fazer mal.- A voz grave dele arraca-me dos meus pensamentos.
-Sai da minha cabeça.- Cuspo, raivosa.
Numa resposta silenciosa, e enquanto aquilo que julgo ser um elevador de 1920 é puxado para cima, Harry passa-me o braço livre pelo peito e agarra-me um ombro puxando-me contra ele. Respiro subitamente, e sinto o meu estômago em queda livre, numa direção oposta à do elevador. O meu coração bate descompassadamente e oiço rir-se baixinho.
-O quê?- Pergunto.
-Estás nervosa.
Nego com a cabeça, incapaz de mentir com palavras, o que o parece divertir. O Harry pousa o queixo dele pousa na minha cabeça e a seguir sinto os lábios dele perto o suficiente da minha têmpora.
-Sinto o teu coração no meu peito.
-Ainda bem.- Sussurro de volto.- Quer dizer que estou viva.
O elevador para com um solavanco e ele solta-me.
-Por enquanto.
O Harry espreme-se para fora de um elevador industrial cujas grades demora a afastar e eu sigo-lhe o exemplo. O armazém está mal iluminado e estamos no topo, numa espécie de rampa suspensa por cima de um átrio iluminado.
-Espreita.- Diz-me, enquanto me estende a mão. Desta vez, aceito.
Dou um passo inseguro na direção da plataforma de ferro e fico de boca aberta ao deparar-me com um ringue profissional, montado debaixo de uma enxurrada de luzes de estúdios e camaras espalhadas por todo o lado. Num canto, dentro de uma tenda improvisada, estão dois homens de olho em múltiplos ecrãs, que parecem captar cada segundo de uma luta violenta.
-Isto é gravado?
-Apostas por streaming.- Diz-me.- E ali o Vitto está prestes a mandar o outro tipo para a terra dos sonhos.
Daqui de cima é tão alto, que quase não os vejo, mas de repente, o tipo careca, aquele que julgo ser o Vitto executa um gancho perfeito na têmpora do adversário, que cai sem vida no ringue. Ninguém faz nada e eu debruço-me para a frente, à espera de que alguém o socorra.
-Ninguém o vai buscar?- Pergunto em pânico.
Harry, que está muito quieto a observar-me, encolhe os ombros.
-Geralmente, se ficamos inconscientes eles aproximam a imagem e deixam ficar.
-Ficar? Não estou a perceber, julguei que isto eram lutas ilegais, com apostares reais, com... sei lá, pessoas de verdade!
Ele avança até mim, e debruça-se no corrimão com uma calma que não entendo.
-Não. Deixaram de fazer isso uns meses depois de eu ter chegado. Agora é tudo online e as apostas são quase milionárias... claro que o perigo é maior.
Um homem vestido de preto finalmente puxa o tipo inconsciente do ringue e ele deixa um rasto de sangue para trás e depois percebo... hoje é quinta feira, amanhã é sexta.
-Isso quer dizer que.... amanhã és tu?
Harry oferece-me um sorriso complacente, e toca-me na ponta do nariz como se eu fosse uma criança.
-Inteligente, não és?
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