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Capítulo 2

Cléo, a minha editora no The Spector, o jornal da universidade, olhava para mim com cara de poucos amigos.

-Como assim, beijaste-o?- Cléo estava em modo inquisitivo, toda ela emanava um tipo de desaprovação maternal.

-Não foi bem um beijo. - Defendo. - Estava só a protegê-lo... da polícia. Se quero que ele confie em mim e me deixe entrar naquele mundo, preciso que ele não esteja preso.

Claro que isso nunca se colocou em questão. Eu tinha, irremediavelmente, metido a pata na poça.

-Foi um impulso. Um erro! - Garanto-lhe.

Cléo deixa-se cair na velha cadeira de cabedal dos editores e a peça de mobiliário range. 

-Claro que foi... nunca te devia ter contado sobre as lutas. Achei que estavas desanimada com o que aconteceu com o Max e falei sem pensar.

A minha mente viajou até ao meu ex-namorado, que aparentemente não estava tão interessado em mim, como estava na minha família.

-Foi uma ótima ideia, Cléo! Esta história é incrível, é um retrato da violência que está a crescer entre as camadas mais jovens, envolve dinheiro, poder... é perfeito.

Cléo olhava-me, receosa.

-Tu sabes que eu acho que és capaz, Cam, mas isto... ele é perigoso.

-Ele não me fez nada. Aliás, pareceu-me um tipo afável.- Depois de me ter agarrado e quase ter esmagado o pulso, mas ela não precisa de saber disso.

-Eu sinto que ele quer falar comigo. - Mentiraaa. - E se isto é por causa do boato do pai... Por amor de Deus, quantas pessoas andam por si, soltas, depois de terem cometido um homicídio?

Ela arrebita-me uma sobrancelha loira.

-Mais do que as que podemos imaginar.

-Confia em mim. - Digo-lhe, enquanto penduro a mala ao ombro. - Ele disse-me que tinha um combate na sexta e eu vou.

-Nem pensar! Sozinha?

-Ele vai estar lá...

Cléo levanta-se, pior que estragada.

-Claro, meio tresloucado de testosterona e fúria pura. Eu vou contigo, sem discussão.

Durante o caminho para casa, penso no que Cléo me disse sobre Max. Será que estou a tentar compensar? Não me lembro de me ter sentido assim tão magoada, sinceramente já namorávamos há um ano e mesmo com tanto tempo, que acho eramos mais amigos, do que namorados. Aquilo que não consegui suportar foi o olhar na cara dele, quando me disse que era importante para o nosso futuro, que eu voltasse a falar com o meu pai.

-Como assim, importante para o nosso futuro?- Nunca tinha ouvido nada tão estúpido. Max passou os dedos pelo cabelo preto e sorriu-me como se eu tivesse três anos.

-Tu sabes que o teu pai é diretor clinico do WU, eu vou começar o internato, não quero que as coisas sejam estranhas porque tenho de escolher lados.

Ao contrário de mim, Max vivia num apartamento luxuoso na 4th e detestava estar no Campus. Não se dava com ninguém cujos os pais não conhecessem os seus pais, e eu começava agora a perceber que o que fora um romance de secundário com o filho do amigo do meu pai, se estava a tornar um contrato de estabilidade para ele.

-Essa questão dos lados nem se devia colocar.- Disse-lhe, enquanto afastava uma daquelas mantas de caxemira, estupidamente caras.

-Eu concordo.- Lá estava aquele sorrisinho condescendente.

-Claro, porque o lado que tens de tomar é o meu!

Levantei-me e comecei a apanhar o cabelo, pronta para uma discussão.

-Cam, eu apoiei esta ideia maluca do jornalismo, acho que é muito querido teres uma experiência de vida "real", mas cortares relações com o teu pai é a tua pior ideia de sempre.

-Ele traiu a minha mãe!

-E? Eles estão casados há trinta anos... é o teu pai, por amor de Deus!

Senti o estômago cair-me aos pés. Quanto mais olhava para ele, quando mais olhava em volta, mais rápido a pessoa que eu achava que ele era se desfazia.

-Achas isso normal?

Max teve o cuidado de parecer embaraçado.

-Não, quer dizer... o teu pai é um tipo que está habituado a ter tudo, a conseguir tudo... Cam, eles podem resolver isto.

Comecei a enfiar o meu computador na mala, quando ele me agarrou pelo pulso.

-Desculpa.

Puxei o braço com força e espetei-lhe um dedo na cara.

-Ele quer deixar a minha mãe sem nada! É um homem podre, ganancioso e sem nenhum tipo de escrúpulos e muito sinceramente eu não quero estar com alguém que o idolatra ou normaliza o comportamento dele.

Max deu um passo em frente. Estava finalmente a perceber onde é que eu queria chegar.

-Tu não estás a acabar comigo, pois não?

-Bingo, génio. Não precisas de um doutoramento para saber isso.

E fechei a porta com força, na esperança de que um dos quadros ridiculamente caros que ele tinha no hall, lhe caísse em cima do dedo mindinho do pé. 

Quando abro a porta do quarto, Marisa, a minha colega de quarto está a atirar flores, mais propriamente camélias, para dentro de um saco do lixo. São centenas. Brancas e rosa.

-Eu não tenho de aturar isto, Camélia! Tenho alergias, percebes?!- Ela atira-me uma camélia cor-de-rosa à cara.

-São do Max?- Pergunto enquanto procuro um cartão.

-Claro que são, que outro idiota é que tem dinheiro para isto? Sabes quanto é que custam flores?

Encontro um cartão no cesto de camélias em cima da minha cama.

"Perdoa-me"

-Diz o quê? "Amo o teu pai, mais do que te amo a ti?"- Ela apanha o cabelo cor de rosa e atira-se para cima da sua cama.

-Nas entrelinhas.- Sussurro, enquanto atiro o cartão para o lixo.- Mas o que é que estás a fazer às flores?

-Ia mandá-las para o lixo antes de chegares.

Sorrio. Claro que ia.

-Sempre tão preocupada comigo.

Vejo-a corar e lembro-me que hoje é quarta-feira.

-Claro que não, o Jake está ai a vir.

-Podes demorar um bocadinho a reciclar as flores?

Agarro nas chaves de casa e vejo o entusiasmo nos olhos dela. Pergunto-me se alguma vez olhei assim para o Max, e a resposta é quase imediata: não.

-A maioria vai para o amarelo, porque este amor foi de plástico.- Digo de forma teatral.

-Isso é um ótimo verso para uma música da Taylor Swift. – Diz-me, enquanto me abre a porta do quarto.

-Ganhaste mais vinte minutos. Volto daqui... uma hora e vinte?

-Pode ser.- O sorriso dela é demoníaco e saio do quarto a rir.

Com as chaves numa mão e o saco de flores na outra, vou descendo os três pisos que me separam do térreo. Este dia não está a correr como planeado. A Cléo desaprovou o meu contacto com o Harry, o idiota do meu ex tenta afogar-me em polén... e camélias? Que original!

-Olá.- Jake sobe enquanto eu desço e sorrio-lhe. É um tipo baixinho de aparelho e com um sentido de humor capaz de me levar às lágrimas.

-Olá. Ela está à tua espera.

-Estava a contar com isso.- Ele mostra-me um ramo de flores, meio murcho.- Apanhei-as a caminho de cá, achas que ela vai gostar.

Reparo no ar horrível das flores e sou apunhalada por uma ponta de ciúmes. Eu recebi flores perfeitas, entregues por um estafeta qualquer e um cartão de uma palavra. E de alguma maneira, o ramo de flores meio murchas, tem mais amor do que alguma vez recebi do Max. O Max que não me deixava ouvir a minha música no carro. O Max que se ria das piadas da minha família, mas me achava demasiado dramática. O Max que claramente não gostava assim tanto de mim.

-São as flores mais bonita que vi hoje.- Digo-lhe, com um ligeiro aperto no braço.

-Obrigado! Vou subir.

Vejo-o subir os degraus de dois em dois e mordo o lábio. Percebo subitamente que tenho ciúmes da Marisa. Nunca ninguém saltou escadas por mim.

Quando chego ao resto de chão, abro a porta das traseiras e o escuro da noite engole-me. Não há iluminação quase nenhuma aqui e o cheiro a mofo e lixo é insuportável. Com um esforço hercúleo abro saco das flores e começo a atirá-las para o contentor. O som do silêncio é subitamente interrompido por um barulho baixo e paro o que estou a fazer.

-Está ai alguém?- Olho em volta, mas não vejo nada.

Continuo a atirar as flores para dentro do contentor quando oiço o mesmo barulho. O medo embrulha-se no meu estomago e lembro-me de uma rapariga que foi assaltada por um grupo de idiotas que apanhou a porta das traseiras abertas.

-Se está ai alguém... tenho flores e não tenho medo de as usar!

Agarro num punhado de flores e avanço até à porta. De repende a tampa do contentor fecha-se e alguém salta para cima dela fazendo-me gritar.

-AHHHHHH!- Num ímpeto tão estupido como cómico atiro as flores para cima do invasor e começo a correr em direção à porta quando vejo uma ratazana enorme e viro outra vez, a gritar com mais força.

-Calma!- Não espero para ver quem é e atiro-me para as costas dele. De qualquer maneira, se me quiser fazer mal, posso sempre esganá-lo.- O meu pescoço!- O homem lamenta enquanto o aperto.

A pessoa gira comigo às costas e vejo o rato pelo canto do olho.

-Ó meu Deus, é gigante não é?!- Fecho os olhos com força e o cheiro a hortelã invade-me os sentidos. - Harry? És tu?

Com surpresa afasta-o a cara do pescoço dele e sinto os seus dedos nas minhas coxas.

-É a segunda vez que te atiras para cima de mim. Isto está a ficar esquisito. – A voz dele é grave, mas divertida e começo imediatamente a sentir-me uma idiota.

-Leva-me daqui, agora!

Sinto a gargalhada dele no meu corpo e espero enquanto ele entra novamente dentro do prédio e fecha a porta. Nesse momento solto-me e tento recompor-me só para fugir do olhar dele.

-Não digas nada.- Sussurro.

Harry encosta-se à porta e muito lentamente vou olhando para ele. O rosto dele é diferente na luz clara do corredor, menos ameaçador e o sorriso parece-me mais aberto. Não me parece nada um tipo que ande à porrada por dinheiro.

-Se eu fosse um psicopata, ias matar-me com flores?- Ele está a tentar não se rir.

-Ia tentar.- Retalio.- Não ias mandar-me mensagem?

-Efeito surpresa... quis pagar-te na mesma moeda.

-Não foste tu que me assustaste, foi o rato... tenho medo de ratos.

-E de policias. Registado.- Harry ri e a covinha do lado esquerdo aparece.

-Foi um acidente. A partir de agora está relação é profissional.

Harry passa os dedos pelo cabelo e espreguiça-se na glória do seu metro e noventa.

-Claro, e já agora a tua tática de defesa é atirares flores a um possível agressor e a seguir montares-lhe as costas?- Ele cruza os braços numa posição interessada.

-Não estava a pensar.

-Obviamente.- Ele revira os olhos.

Abano a cabeça e tento esquecer a imagem do roedor.

-O que é que estás aqui a fazer?- pergunto-lhe interessada.- Pensei que o combate era só na sexta.

Harry dá um passo em frente.

-E é, mas só tu é que me podes seguir?- Ele está a provocar-me.

-Eu segui-te, não saltei uma vedação e quase te provoquei um ataque cardíaco.- Defendo.

-Discutível. - Ele estende a mão na minha direção e desvio a cara, o que leva a arregalar-me os olhos em advertência.- Calma, ok? Não te vou fazer mal, tens uma pétala no cabelo.

Como num truque de magia surge entre os dedos dele uma pétala. Sinto o calor dos dedos dele na minha pele e as minhas bochechas fervem. Num movimento de defesa, reviro os olhos tiro-lhe a pétala dos dedos, só para a esmagar.

-Estava a tentar livrar-me disso.

Ele espreita para as camélias que estão no chão, la fora e cruza os braços, meio interessado, meio tenso.
-Alguém deve estar muito arrependido. Namorado?

-Ex namorado.

-Traiu-te?

Espero bem que não.

-Porque é que achas isso?

-Flores caras, um homem só gasta de consciência pesada.

-É assim que funciona contigo?

Ele ignora a minha provocação e aponta com o queixo na direção das flores.

-Camélias... que falta de originalidade.

Tento não me rir, porque pensei o mesmo. Em vez disso sento-me nas escadas para recuperar dos últimos acontecimentos.

-Aliás, que raio de nome é esse?- Harry pergunta enquanto se senta ao meu lado.

Suspiro com força. Passo a vida a contar esta história, só para ouvir as pessoas derreterem-se de amores por uma falsa história de amor.

-O meu pai ofereceu Camélias à minha mãe quando a pediu em casamento.

-Isso é romântico.- O calor do corpo dele chega ao meu e tenho uma sensação estranha, como se o meu campo magnético estivesse a ser puxado pelo dele.

-É. Mas as flores deviam vir com um cartão: sou um traidor em série e no geral, um péssimo homem. Obrigado por aceitares desperdiçar a tua vida comigo.

Ao início ele não diz nada, mas quando me atrevo a espreitar por entre o cabelo, vejo-o olhar para mim com um ar sério.

-O teu pai parece-me uma pessoa horrível.

-Os meus namorados adoram-no. 

-Prometo que o vou odiar.- Diz-me enquanto tira um cigarro do maço.

-Isso é o que dizes ago...- Para de repente. Como assim? Será que ouvi bem?- Desculpa?

O meio sorriso dele é interrompido quando oiço duas pessoas descer as escadas aos saltos. Marisa e Jake param à minha frente, a sorrir e a tremer e ela estende-me a mão, que eu agarro.

-Está tudo bem?- Pergunto-lhe, assustada enquanto me levanto. Procuro por sinais óbvios de ferimentos.

-Olha!- Ela abana a mão à minha frente, mas não percebo imediatamente.

-O quê?!

Sinto o Harry aproximar-se da minha orelha.

-Ela está noiva, miúda.- Sussurra-me.

-O Jake pediu-me em casamento! - Marisa grita e olho-lhe para o anel discreto no seu dedo anelar.

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