➤ Salvadores
CARTER
— Você sequer sabe se ela é uma deles! A trouxe direto para nossa casa?! Enlouqueceu, irmão?
— Eu não podia deixar ela naquele beco, estavam indo atrás dela, ela estava ferida, ninguém a estava ajudando!— insiste meu salvador.
Eles batem boca em outro quarto, mas as paredes são finas e coladas. Eu ouço com clareza.
Eu os conheço, dos tempos de escola. Eles eram populares. Fred foi quem me salvou, eu reconheci quando eles começaram a brigar, os gêmeos se dividiram.
Eu terei que ir embora, eu sei. Mas para onde? Eu não devia ter fugido, devia ter deixado que me matassem junto de minha família porque eu não sei se vou aguentar isso.
Quando noto, estou chorando de novo, mas tento ficar em silêncio porque não preciso que eles pensem que estou fazendo show apenas para que tenham pena de mim.
— A gente conhecia ela, eu sei que você via ela pelos corredores!— Fred dizia.
— As pessoas mudam em tempos difíceis, há um ano que nós não a vemos, sequer...
— Sequer o que?!— grita Fred— Como ela vai ser uma comensal da morte se sequer é uma sangue puro!?
Mestiça.
Porque meu pai amou uma trouxa, ele pagou isso com a vida. Porque ele simplesmente.... amou alguém que não fazia parte do mundo dele. Porque eles me tiveram e ao meu irmão.
Meu Merlin, meu irmãozinho. Meu choro se intensifica e me escapa um soluço.
A porta do quarto em que Fred me deixou se abre, é um dos gêmeos, não sei dizer qual. Eu me encolho no chão perto da parede e escondo o rosto sentindo o gosto salgado das minhas lágrimas gordas na ponta da língua. Aparentemente, os dois vem em minha direção. Não sei, só ouço os passos pesados fazendo o chão ranger.
— Ei.— chama um, indeciso se deve ou não tocar meu braço sujo de sangue seco. As feridas se foram, Fred se livrou delas por mim. Eu abraço minhas pernas contra o peito com mais força ainda.
Eu estou chorando histericamente na frente dos dois. Não podia me sentir mais patética.
— Carter?— chama o outro ruivo, ele toca meu ombro, reconheço o anel de prata em seu mindinho. Este é o Fred— Pode nos contar o que aconteceu com você?
Eu sacudi a cabeça, tremendo. Não tenho forças para isso. Minha cabeça dói, meu peito também, eu mal consigo respirar.
— Carter, olhe para mim— pede George num sussurro, ele está na minha frente, decide enfim tocar meu braço. Eu levanto o olhar, mas estou cega pelas lágrimas e elas não param de vir não importa o quanto eu as seque— Ei— ele parece solidário. Franze a testa e me olha com preocupação— Olha para mim— ele pede.
— Está doendo muito— eu choro, meu peito treme— Eu quero morrer. Por favor...
— Não, querida, por favor, não diga isso— George pede e aperta levemente meu braço, ele e o irmão trocam olhares de pena, sem saber o que fazer. Ele volta a me encarar com seus olhos âmbar. A iluminação do quarto se baseia em apenas um abajur disposto na mesa de cabeceira ao meu lado. Seus cabelos ruivos tomam um tom acobreado sob a luz amarelada. Ele é muito bonito— Vamos nos acalmar antes de qualquer coisa, está bem?— ele pergunta, parece bem mais sério do que eu me lembrava dos tempos de escola. Eles são os gêmeos Weasley, são engraçados e imprudentes, quase explodiram Dolores Umbridge antes de meterem o pé de Hogwarts. Eles não são sérios, eu penso— Fred, pega algo para ela tomar, alguma comida— ele pede para o irmão. Fred assente e se levanta do chão, correndo para fora do quarto, não questiona.
— Me desculpa— eu falo para George com a voz embargada— Eu vou embora, me desculpa, eu não queria.... Ele não precisava me trazer até aqui— estou ofegante, minha garganta parece estar fechada e amarrada por uma corrente grossa.
— Primeiro, me ouve, tá? Me imita— ele pede, me encara sério e respira fundo— Inspira pelo nariz— ele fala. Eu obedeço, estou sem controle nenhum— Solte pela boca. Devagar— ele balança a cabeça— De novo— ele repete o processo comigo. Eu sinto que meu coração vai explodir.
— Me desculpa, eu não queria assustar vocês— eu insisto.
— Agora não, Carter— ele me censura— Concentre-se. Inspira. Expira.
Nós fazemos esse exercício até o irmão dele retornar. Fred trouxe uma xícara fulminante de chá e alguma gororoba em uma tigela grande e vermelha. Acho que é mingau. George pega a xícara e a segura na minha frente.
— Você quer?— ele pergunta.
— Eu não sei se consigo comer agora— começo a ficar ofegante de novo, foi-se todo o progresso que tínhamos feito— A gente estava jantando— uno as sobrancelhas, as memórias frescas em minha mente como se eu tivesse acabado de ter sido cortada. Uma ferida recém aberta e muito, muito grande. O sangue não para de jorrar.
— Você e sua família?— Fred pergunta atraindo meu olhar. Eu balanço a cabeça negativamente, as lágrimas voltam a me cegar e até isso está sendo doloroso. Eu seguro minha cabeça como que para mantê-la no lugar, mas as coisas não param de girar.
— Eu não pude salvá-los... Meu irmão— eu me levanto com dificuldade, deslizando as costas na parede, os dois se levantam em sincronia, deixando no chão a xícara e a tigela— eu preciso vomitar— aviso, alarmada, e George segura meu braço, me dando apoio.
— Por aqui— ele me puxa, me guia pela sua casa estreita. Assim que eu entro no banheiro no meio do corredor coloco tudo para fora na pia.
Minha garganta queima, mas não mais do que meu âmago. Eu sinto dor por todo meu corpo, me sinto quebrada de dentro para fora. Eu estou no inferno. Cambaleio para trás, mas Fred põe a mão nas minhas costas me impedindo de ir para a parede.
— Me desculpa— peço, secando a boca com as costas da mão, mas logo volto para pia e vomito mais uma vez. George enrola meu cabelo na sua mão. A mão de Fred sobe e desce pelas minhas costas, acho que algum consolo.
— Está tudo bem— George fala, ligando a torneira para que meu vômito não se acumule ali. Eu me curvo sobre ela, meu corpo todo treme incessantemente, eu estou tendo um ataque de pânico. Segura a onda.— Você tem para onde ir, Carter?— George pergunta.
— Eu me viro— falo ofegante, minha garganta dói.
— Não foi isso que perguntamos— Fred fala, eu não os encaro, sinto que estou prestes a desmaiar— Você tem para onde ir?— ele repete, sério.
— Sim, claro— dou de ombros sacudindo a cabeça.
Eles ficam quietos. Eu levanto o olhar e encaro George que entrou comigo no banheiro. Eu estou péssima, tem uma cicatriz que vai do canto direito da minha boca subindo pela bochecha até a têmpora.
Estou parecendo o Coringa, um palhaço muito perturbado do cinema trouxa. Meu irmão riria disso.
Meu irmão. O que fizeram com o meu irmão?
— Me desculpe por pedir demais, mas me deixa ficar essa só noite— encaro George, meio ou completamente suplicante, eu realmente não tenho para onde correr agora e estou apavorada de ser chutada de volta para o escuro. Ele e o irmão se encaram de novo. Pelo visto é George quem toma as decisões sérias.
Ele me encara de volta e assente.
— Vamos cuidar de você— ele diz com segurança— Por que não toma um banho agora?
Minha respiração está irregular e eu quero chorar de novo. Engulo o bolo que se forma em minha garganta.
— Sim, por favor.
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