𝐀 𝐫𝐮𝐚 𝐝𝐞𝐛𝐚𝐢𝐱𝐨
𝑵𝒐𝒕𝒂 𝒅𝒂 𝒂𝒖𝒕𝒐𝒓𝒂: Olá, aproveitem o capítulo e não se esqueçam de deixar uma estrelinha e um comentário. Besitos!
𝓔normes refletores em tons de laranja e roxo, esqueletos flutuantes, cabeças de abóbora talhadas com sorrisos bizarros, teias de aranha pegajosas, sombreados fantasmagóricos e gargalhadas maléficas caçoam alto da inocência alheia. Aroma de maçã cozida, torta de abóbora e ponche de frutas ácido.
Corpos exageradores de ceifadores, bruxas, demônios e serial killers flutuavam sorrateiramente a procura de suas presas. Gritos de pânico, terror. Grasnidos de puro deleite.
A rua robusta estava decorada em todos os cantos visíveis e não visíveis. Cada casebre explorava o máximo da criatividade dos seus moradores com os enfeites delicadamente grotescos. De uma extensão a outra da rua fios fantasmagóricos adornavam o céu escuro, hologramas e drones criavam o clima divino e assustador cada vez que um par de olhos vermelhos surgia das sombras e pegava um despercebido de surpresa o fazendo correr como o diabo fugia da cruz.
A névoa massiva engolia o asfalto acinzentado, junto as pedras de lápide que flutuavam nos jardins das casas.
Charlotte abraçou o corpo atordoada com a decoração impecável, havia se esquecido o quanto todos de esforçavam para entrar no espírito de Halloween, ali na ponta de entrada da rua, parecia mesmo estar no meio de um cemitério, frio e mórbido. O realismo era resultado da histórica habilidade que os moradores detinham em realizar as melhores festas já vistas, os feriados nacionais sempre regados a feira de ruas e celebrações categóricas, mas quando se tratava do dia das bruxas, faziam questão de deixar seus demônios sem coleira.
Não seria uma grande surpresa ver fotos do evento no jornal local ou em colunas de blogs famosos no dia seguinte, estava tudo impecável e real. Tão real que a garota que enrolava um cacho no dedo indicador olvidou-se disto e se distraiu com a visão do espantalho de 1,80, um corvo bicava a cabeça feita de saco da pano. Embasbacou-se com o quão autêntico parecia, esticou o braço a fim de saber do que mais era constituído o boneco, só não contava com o membro alongado sendo capturado bruscamente pela criatura. Os olhos vermelhos acenderam-se a fitando e o monstro avançou sobre si como se a fosse devorar.
Por um instante imaginou-se sendo engolida pelo espantalho e mastigada com seus dentes falsos.
Apavorada, a cacheada retraiu o corpo rapidamente se jogando para trás chocando-se com o peito liso do rapaz que a vislumbrava de olhos cerrados, divertindo-se com o desespero da menor. Agarrou o corpo impedindo que fosse ao chão cravando os dois em um mesmo espaço, desafiando a Lei Newton.
— Isso foi bizarro. — reclamou vendo a criatura voltar ao estado de estátua.
— Bem vinda a Hope Street. — sibilou na altura do seu ouvido, Lottie agarrou a mão que ainda segurava sua cintura escapando do toque que fez arder sua epiderme, nutrindo a breve troca de olhares antes de romper névoa a frente.
Já estava arrependida de ter ido até ali. Não o suficiente para voltar, mas estava.
Contraposto ao mais alto que encarava todo o cenário horripilante com um sorriso capciosamente satisfeito nos lábios finos, como se estivesse em casa. Afastou os fios que caíam sobre seus olhos com a ponta dos dedos, repetindo o ato que sua companhia havia notado ser recorrente. Tocava franja com a falange dos dedos e depois as costeletas com a ponta.
Ao passo que seguiam pela Hope Street olhares curiosos e afetuosos apontavam para as duas figuras, algumas pessoas paravam o que estavam fazendo em suas barracas montadas para cochichar. A garota logo notou a repentina atenção, fitou o corpo relaxado ao seu lado e deu o veredito por si mesma.
— Tá todo mundo olhando pra você. — avisou colocando a mão sobre a boca para disfarçar a fala, tal como os outros cochichadores.
— Estão olhando para nós. — baixou o olhar e moveu as sobrancelhas sugestivo. — Devem estar surpresos em te ver fora da torre mais alta do castelo.
— Até parece. — bufou em desdém encolhendo os ombros desacreditada daquela narrativa. — Essas pessoas nem me conhecem.
As sobrancelhas afuniladas do jovem rapaz deixavam claro que não compreendia o que saía da sua boca, ele poderia facilmente começar uma discussão perguntando se ela havia caído de cabeça no concreto ou se o susto havia feito seus neurônios estourarem como bombinhas, ao menos isso explicaria o seu recente comportamento.
Estagnaram sua caminhada a frente de uma barraca roxa onde crianças e adolescentes talhavam expressões assustadoras nos enormes frutos alaranjados. Não havia como negar o quão habilidosos eram seus desenhos, não demorou a descobrirem que e tratava de uma competição. Assistiram encantados com a energia dos envolvidos. Parece que talhar abóbora enchia mesmo o coração das pessoas de alegria.
—Não posso acreditar no que meus olhos estão vendo. — a voz cantante soou as suas costas. — Estão mesmo aqui. — viraram-se ao mesmo tempo para fitar a mulher vestida de Mortícia Addams, o corpo longo e o sorriso encantador não se perdiam nas rugas disfarçadas pela maquiagem exageradamente pálida. — Quando me disseram que os nossos pestinhas favoritos estavam aqui eu tive que vir correndo para ver se era verdade.
Lottie buscou pelo olhar de Hobi a fim de entender quem era a mulher, mas ele já era envolto em um abraço, sendo espremido no decote fundo da senhora. Estreitou os olhos, algo na mulher não era estranho e isso não se dava pela fantasia, sentiu-se experimentando um dejá-vú.
— Venha me dar um abraço menina. — ditou ao soltar o rapaz envolvendo a menor em um afago caloroso. Ela cheirava a bala de maçã verde e calda de morango. A descoberta a fez resgatar uma memória que nem sabia que tinha.
— Senhora Gianni. — sibilou surpresa ao se recordar da mulher.
— Isso mesmo, por um instante pensei que tivesse se esquecido de mim. — contemplou soltando o corpo magricelo, que parecia muito menor próximo a mulher alta. — Estão tão crescidos. — choramingou limpando lágrimas falsas na altura dos olhos, em tocar a pele maquiada. — Quando me lembro que tinha que brigar por sempre saírem rua a dentro destruindo tudo. Argh. — agarrou um por um pelas bochechas lhe dando beijos molhados em suas testas. — Venham, os outros querem ver vocês.
E assim, a dupla descaracterizada se tornou a atração principal do moradores das casas do início da rua. Arrastados pela quatro barracas da entrada sendo cumprimentados e ouvindo sobre o quão era bom vê-los novamente. Hoseok exibia um sorriso largo, as vezes animado outras vezes sombrio. Era notável como ele estava confortável no local e ao mesmo tempo se distraia parecendo perder-se em memórias profundas.
O arco dos seus olhos afinou-se mais ainda observando a rua decorada em seu longo cumprimento, parecia buscar algo, ou temer, não era tão fácil decifrar.
— Parece que todo mundo gosta de você aqui. — a voz doce a agradável reverberou chamando sua atenção. — Já pode virar prefeito.
— Você votaria em mim? — demorou um segundo para responder, torceu pescoço pousando a atenção outra vez sobre a cacheada.
— De jeito nenhum, sou sua vizinha.
— O que isso deveria significar? — esticou o braço pegando uma tiara com olhinhos de sapo, na mesma cor que o moletom verde trajado pela garota.
— Exatamente o que significa. — seus olhos se prendem no braço longo e magro ajeitando a tiara em seus fios, cuidadoso para não estragar seu penteado e nem tocar em seus cachos sem permissão.
Notou as veias grossas que enfeitavam o antebraço sutilmente bronzeado, a pulseira com um pingente prateado e as unhas pintadas em tom de preto fosco, descascadas. A aparência excêntrica não se tornava estranha em Hoseok, na verdade somava a sua singularidade.
O rapaz que distribuía sorrisos e agradecimentos ao ser cumprimentado na rua carregava um personalidade descontraída e atraente, mas disfarçava-se em suas camadas de roupas estilosas e monocromáticas, olhares opacos e aspecto sombrio. Charlotte só era capaz de identificar a assimetria da sua personalidade com a sua aparência por ter o conhecido a versão que pareava os dois.
— Esta me encarando. — constatou recebendo um olhar envergonhado da moça.
— Não estou não. — respondeu na defensiva. Mas estava. — Se eu vou usar essas orelhinhas ridículas você também usar algo. — advertiu se inclinando em busca de algo no enorme cesto, o maior encarou o movimentou sem reservas.
As figuras descaracterizadas destoavam de todo o resto da festa, mesmo Hobi vestido de preto do pés a cabeça, no entanto aquele era seu normal.
— Contanto que não seja uma máscara. — deu de ombros, afinal qualquer coisa que cobrisse seu rosto mesmo que parcialmente o incomodava, já bastasse a invisível que colocava todos os dias ao levantar da cama. — Sem chance. — protestou a vendo levantar as mãos segurando tiara e ferrão de abelha.
— Você ficaria tão fofo. — resmungou unindo os lábios grossos em um bico. O ato arrancou um meio sorriso dele.
— Eu não tenho essa de ficar fofo. — ditou pegando o que parecia ser uma faca que encaixada na cabeça como se estivesse atravessada. Recebeu um tapa leve sendo obrigado a soltar o objeto. — Ei! — protestou surpreso com a ousadia. Acreditava que a garota continuava sendo cão que ladra, mas não morde.
— Aqui. — ajeitou o a tiara em suas orelhas e por baixo da franja movendo fios quase que totalmente para trás, apenas uma mecha ondulada restou descansando charmosamente na sua testa.
Teve a impressão de que não via seu rosto nitidamente a muito tempo, a franja sempre fazia sombra nos seus olhos, dando um ar sinistro a ele, não que tivesse menos agora, mas ao menos conseguia mirar sua íris. O olhar de Hoseok era codificado, um incógnita que parecia brilhar mai que o normal agora. Poderia jurar que suas pupilas se expandiram e voltaram ao normal em um lampejo de segundo. Por outro lado não havia se atentado que outra vez ocupavam um espaço perigoso demais para dois corpos existirem sem as devidas intenções.
— Então eu vou sair por ai parecendo um cachorro? — pigarreou puxando o pescoço para trás, livrando-se do contato inesperado.
— Você que tá dizendo, eu pensei em algo tipo um lobo, mas se cachorro te serve. — deu de ombros com um passo para trás, mantendo o que lhe pareceu ser uma distância segura. Olhou na direção em que vieram constatando que tudo continuava na mais completa escuridão. — Vamos nos distrair cachorrão.
— Vamos sapinha.
— Ei, crianças! — o tom animado da senhora Gianni os alcançou uma última vez.
Segundo a mulher, não poderia deixa-los ir sem alguns doces, lhe entregou cestas de plástico que imitavam a cabeças de abóbora como as que eram talhadas na competição. Após mais beijos babados e palavras doces de pura nostalgia foram liberados para continuar seu trajeto.
Era preciso manter os olhos atentos, uma criatura ou outra pulava á sua frente a fim de assustar o diabo dos dois. Hobi se mostrava muito confiante e zombeteiro daqueles que tentavam assusta-los, até ser pego desprevenido e acabar como um menino atormentado por monstros no parque. Mastigava uma barra de snickers quando foi atacado por um zumbi e amaldiçoou todas as gerações por baixo daquela fantasia.
— Quem diria que continua sendo um medroso. — zombou Lottie, que apesar de dar gargalhadas da desgraça alheia não saía do seu lado evitando ser pega por outro espantalho. — Pensei que fosse desmaiar como fez no quinto ano.
— Primeiro, eu fui pego de surpresa, tá legal? — defendeu-se levando a mão ao peito. — Segundo, eu só desmaiei no quarto ano porque você entrou em pânico e começou a gritar dissecando aquele sapo. — pontuou voltando a saborear a barra de chocolate, como se não tivesse quase morrido do coração instantes antes. — Se tem uma medrosa aqui é você. O sapo estava morto e você jurava que tinha visto ele se mover.
— Pois ele tinha, corpo podia está morto mas os olhos estavam bem vivos. — balançou a cabeça em negação. — Tive pesadelos com aquela coisa por uma semana, pedi dispensa das aulas de ciências.
— Se ficou assim imagina eu que te vi e tremer e gritar como se tivesse visto o demônio, seu gritos causaram pane no meu sistema.
— Qual é, vamos ser sinceros você se assustava com as coisas mais toscas e quando algo realmente assustador acontecia você nem reagia.
— Sempre fui um cara sensível e diferenciado. — soprou melodramático.
— Bundão.
— Pelo menos eu não molhei a cama até... —os dedos finos se chocaram contra sua boca impedindo que continuasse a falar.
Olhou de um lado para o outro assegurando-se de que ninguém escutava a conversa dos outros e só então relaxou.
— Prometeu que nunca ia tocar nesse assunto. — segurou a mão que tampava sua boca afastando-a gentilmente. O tom que saía da sua boca era ofendido, e ele não pensara que um assunto tão tolo do passado pudesse surtir este efeito ainda.
— Foi mal, deveria super isso, faz uns quinze anos. Vacilo meu.— agarrou os dedos aos seus alisando a pele com almofada do dedão. — Intimidade é uma porra né.
— Sim... — torceu o nariz, no entanto não estava ofendida como Hobi imaginava.
Encarou o ponto cego sobre o ombro dele, divagando em espanto ao descobrir que Hoseok ainda se lembrava daquilo, informações que trocaram a mais de uma década atrás, quando ser seu vizinho não era o único titulo que carregava. Estranhou a ideia de que se lembrava de episódios como aqueles pois haviam se afastado subitamente tornando-se apenas conhecidos em um piscar de olhos. Seria natural que certas coisas ficassem apenas no passado e fossem eventualmente esquecidas.
Se um dia se chocasse com ela na rua de uma avenida movimentada na hora de rush e ele nem sequer lembrasse seu nome ela entenderia e sinceramente não o culparia. Você esquece as pessoas que deixar de fazer parte da sua vida, elas se tornam lembranças vagas para que seja possível seguir em frente. Discursou para si mesma embalada com o carinho que sentia nos dedos, o toque era familiar demais para cravar em sua mente que tinha sido esquecido.
— Torta de abóbora. — sibilou baixo retornando sua atenção ao rosto que não havia se movido, mesmo tendo presenciado seu devaneio. Ergue as sobrancelhas em inquirição. — Sinto cheiro de torta de abóbora.
Os ombros largos se movem em trezentos e sessenta graus analisando o seu redor. O aroma de torta fresca e recém tirada do forno invade suas narinas carregada de uma memória nostálgica. Os lábios finos se esticam abrindo um sorriso sapeca que se espelha ao da jovem. Eles sabem bem aonde devem ir.
— As tortas do Senhor Pedro. — ditam em uníssono e saem em disparada como duas crianças astuciosas, sabendo exatamente para onde deveriam ir para encontrar o que desejavam.
𝓓entro da tenda de lona verde musgo e cabeças de monstros cantantes, a dupla se via rodeada de uma variedade de tortas que mais parecia um paraíso da gula. Como ditava um cartaz na lateral da tenda, não como aviso, mas instigando os festeiros a cometerem o pecado. Afinal, por que não comer até morrer. Uma imagem de Bruce Bogtrotter devorando um bolo de chocolate inteiro na cena icônica do filme Matilda dançava sobre suas cabeças. Era impossível não sentir vontade de sentar no chão e devorar a maior travessa de torta até sua cabeça doer.
Os olhos encantados pela coloração diversa das tortas foi logo notada. Charlotte se inclinava sobre o expositor passando a impressão de que poderia babar ou roubar todas elas em um estralar de dedos. Levou a mão ao estômago chorosa, podia sentir o sabor da fatia farta na ponta da sua língua, a deixava faminta.
— Vou pegar uma com coco e uma salgada para experimentar. — anunciou o dono dos fios longos igualmente tentado com a variedade a sua frente. — Mas a tradicional também é uma delícia. — divagou começando uma luta interna.
— Fica a vontade, eu não vou querer. — a voz agradável parecia sofrer ao pronunciar aquelas palavras.
— Então é melhor ir só com a tradicional, vou pegar uma média pra gente dividir. — prestes a virar o corpo em direção ao balcão de atendimento foi impedido pelos dedos finos.
— Eu não quero, não posso comer isso.
— Desde quando? — abriu a boca surpreso. — Tem alergia ? — ela negou — É por causa do glúten? Não tem. — negou outra vez descontando sua frustração nos lábios visivelmente macios.
— Eu sei que não tem glúten, mas tem uma tonelada de calorias. — explicou olhando de soslaio para a torta alaranjada que por um momento pareceu ascender os olhos vermelhos e chamar por seu nome.
— E daí? — de surpreso passava a confuso. — É claro que é cheio de caloria, é uma delícia.
— Estou de dieta, não posso comer isso. — declarou e o rapaz teve a impressão de que ela estava prestes a chorar.
— De dieta? — perguntou com certo receio e deu um passo para trás. — Você esta de dieta? — repetiu recebendo uma segunda confirmação.
O par de olhos adornados com uma leve sombra escura no desenho montanhoso fixou-se na figura a sua frente fazendo uma varredura descarada dos pé a cabeça, a procura de um motivo plausível para sua desculpa. E não achou. Lottie sempre pareceu estar no peso considerado ideal para sua altura e se em algum momento passou disso Hobi não era capaz de se lembrar, por que apesar das suas desavenças ligadas ao som alto, não haviam muitos defeitos para listar na garota, não que estar acima do peso fosse, pois não era mesmo. A bendita ainda seria uma das criaturas mais bonitas que já viu na face da terra. Pensou descrente consigo mesmo.
Ajeitou o moletom verde ao sentir o olhar pesado a escaneando do começo ao fim, percebeu surpresa como o pomo de adão moveu-se grosseiramente com seu olhos encarando as pernas, pelos arrepiados e a sensação de que estava sendo caçada pela criatura bonita a sua frente.
— Esta encarando. — devolveu o aviso de mais cedo.
— Só estava procurando por uma explicação. — divagou subindo as íris vagarosamente por seu dorso. — E não achei.
— Deveria me perguntar e não ficar me secando. — brincou imaginando que ele negaria a insinuação, mas a negativa não veio. Limpou a garganta e cruzou os braços na falha tentativa de proteger-se dele. — Estou tentando uns projetos como modelo e preciso manter o peso para a competição de natação e apesar de estar só estudando no momento preciso manter a disciplina também.
— E ficar passando vontade deve estar te ajudando a manter toda essa disciplina. — ironizou virando o corpo outra vez.
— Onde vai?
— Comprar uma torta pra gente. — baixou o queixo provocativo ao ver os olhos arregalados sobre si. — É Halloween, a única data no ano que o senhor Pedro faz essas tortas, a gente come ela desde que eu me lembro. Não vou te forçar a comer uma torta inteira, mas ao menos um pedaço vai experimentar.
— Não! — em outras situações ele até teria aceitado seu protesto, mas não era o caso.
Deixou a garota brava na entrada da tenda e caminhou em passos preguiçoso até o balcão.
Além de provar a raiva justificada de Lottie com seus solos melódicos a qualquer hora do dia na garagem de casa, que por um golpe de sorte era de frente para a janela do quarto desta, ele também conseguia acompanhar sua rotina.
Por vezes ensaiou até tarde da noite e pôde ver a sombra do corpo debruçado na escrivaninha estudando, por horas e horas. Incansavelmente. Seu esforço estava estampado em eu rosto, as linhas cansadas nos detalhes bonitos do seu rosto, os olhos naturalmente grandes apresentando uma profundeza anormal.
Ela merecia um agrado, querendo ou não.
Pagou pela torta tradicional de tamanho médio, agarrou as garfos de plástico reciclável e voltou a entrada a sua procura. Sentada no meio fio, encostada em uma lápide falsa onde a névoa fantasmagórica estava quase invisível. Parecia chateada, o boca formava um bico e o braços continuavam travados a frente do corpo.
— Não 'tô tentando sabotar sua dieta. — sentou-se ao seu lado criando uma imagem agradável aos olhos de passantes.
As roupas pretas largas e o corpo apesar de esguio consideravelmente maior o fazia parecer um grande lobo ao lado da moça fantasiada de sapinho, consideravelmente menor espelhando uma criança brava. Opostos. Tipo presa e predador, só que inverso ao que aparentavam.
— Tanto faz, não estou com fome. — assegurou sendo traída pelo som do próprio estômago roncando. Uma gargalhada fantasmagórica soou caçoando da mesma.
— Que pena, pois eu pedi para adicionar canela na tradicional, do jeito que você gosta. — esticou o braço serpenteando o recipiente de alumínio a frente dos seus olhos. E bem, parecia de fato delicioso. — Só um pedacinho não vai te fazer mal, é a sua recompensa por ser tão focada e diligente, todo mundo merece um agrado Lottie.
Como um pobre cachorrinho olhando frangos rodando na forno vertical. Sentia-se assim ao olhar aquele belezura com a casquinha lustrosa e recheio provavelmente cremoso e macio. O aroma da abóbora misturada as especiarias e a canela foram golpe baixo. Hobi retirou um pedaço em uma garfada e levou a boca tomando seu tempo para saborear, para depois oferecer a ela. Negou, mas não se afastou e por fim relaxou os ombros aceitando o pedaço.
Mastigou o pedaço temendo que todo seu corpo fosse explodir em alegria, como fogos de artificio no ano novo. O agridoce dançava na sua língua dando piruetas e fazendo manobras radicais descendo goela abaixo. Era delicioso.
— Só mais um. — pediu abrindo a boca e roubando o garfo cheio das suas mãos.
Ignorou a voz que a repreendia por devorar aquela torta e o sentimento de culpa que a rondava conjuntamente. Hobi, apesar de lhe irritar a maior parte do tempo tinha razão sobre aquilo, estudava feito uma condenada e era disciplinada com seus objetivos, sempre se policiando, poderia se presentear aquela vez.
— Devo pegar mais uma ? — questionou ao notar que metade do fundo do alumínio estava visível.
— Não, seu diabinho. — respondeu limpando o garfo que usava.
Em um movimento impensado esticou o braço guiando o polegar a lateral do lábio fino, sujo de torta. Pressionou o dedo na pele sentindo também a maciez do canto da boca. Afastou com a mesma naturalidade levando o resquício da torta a própria boca. Sugou o polegar e sorriu aérea ao que acabara de fazer.
Bufou o garoto e abaixou a cabeça entre os joelhos negando o que quer que aquele ato tenha lhe causado. Satisfeito deixou o que sobrara da torta em suas mãos e esticou os braços apoiando as mãos na calçada arenosa.
— Eu tinha me esquecido de como aqui podia ser divertido. — comentou brincando com o garfo. — Tipo, se fantasiar de algo idiota e ficar horas e horas andando por essa rua e batendo na portas das pessoas atrás de doces realmente era divertido.
Um grupo de meia dúzia de pré-adolescentes fazia baderna no meio da rua, assustando uns aos outros, dando gargalhadas e se empurrando. Pareciam ter saído de um filme do Tim Burton, havia uma Edward mãos de tesoura, um Jack direto do seu mundo estranho, uma Noiva Cadáver, um Willy Wonka e uma dupla de Sweeney Todd e Senhora Lovett em o Barbeiro demoníaco.
— Ainda é, olha para eles, sem preocupações ou ansiedade, rindo feito hienas. — tombou a cabeça para o lado. — Aquele Willy Wonka parece ter sido cuspido por um Oompa Loompa e ele tá nem ai. Nós costumávamos ser assim também.
— Sim. — deu uma risadinha. — Lembra aquele ano em que sua mãe esqueceu a fantasia e nós te enfaixamos dos pés a cabeça como uma múmia.
— Eu deveria ser um faraó e virei a múmia de um desenho de criança. — lamentou. —Mas não dei a mínima na época, foi uma das festas da Halloween mais iradas que fomos.
— Foi mesmo, tudo deu errado naquele dia e nós ainda curtimos como se fosse o melhor dia.
— Você começou a sentir cólica no meio da noite e mesmo assim a gente não foi embora.
— Nem foi tão ruim, tinha uma múmia do meu lado me mantendo distraía o tempo todo. — Hobi ergueu o queixo encontrando o rosto delicado olhando compenetrada para si.
— Sinto falta disso. — confessou. — Sinto falta de como tudo parecia mais divertido sem o mínimo esforço, da alegria genuína, da inocência, da leveza.
— Eu também. Tudo era diferente naquela época, nós éramos diferentes. — ela pontuou com pesar na voz. — Erámos melhores amigos e agora somos apenas vizinhos que se detestam. — contemplou a realidade mordiscando o interior da boca.
— Quem dera se eu pudesse te detestar. — murmurou por baixo de um suspiro pesado voltando a olhar para o grupo de baderneiros que seguiam seu caminho.
— O que isso deveria significar? — não teve a cara de pau de deixar aquilo passar, as falanges inundaram-se imediatamente em suor.
— Exatamente o que significa. — sibilou roubando-lhe a frase de efeito.
O silêncio repentino e pegajoso instalou-se. Lottie sentiu seus bochechas arderem, atordoada com o que deveria pensar depois daquela declaração misteriosa. Ler as entrelinhas parecia tão perigoso quanto enfiar sua cabeça no encaixe de uma guilhotina por pura diversão. Deixou o recipiente de alumínio vazio ao lado e esfregou as mãos.
— Hobi eu...
O grito estridente que mais parecia o uivo de um lobo e fez cair para trás, por pouco não se protegendo atrás da lápide falsa que se apoiava.
Distraído com o silêncio repentino, Hoseok não notou o inseto escalando a camisa preta destruída que vestia, pousando em seu ombro, o inseto de poucos mais de dez centímetros e pernas grosseiramente peludas fez contato visual com o rapaz que não teve tempo de pensar, tomou um susto tão grande que arremessou a coisa longe rolando pela grama em pânico. Com as mãos apoiadas no chão e um olhar que oscilou rapidamente de amedrontado para raivoso ao ver a criança no auge dos seus oito anos com um controle remoto em mãos. Ela ria. Não. Dava gargalhadas após ver o desespero do adulto com seu pequeno robô aranha.
— Você pestinha! — apontou, a voz engrossando os olhos tornando finos e medonhos. — Gosta de assustar os outros hm? Que tal eu te pendurar de cabeça para baixo no poste.
— Hobi, ele é só uma criança.
Já estava de pé, pronto para seguir a criança quando Lottie segurou seu pulso.
— E daí? — rosnou indo em frente e a arrastando consigo.
— Você é um adulto, esqueceu?
— Que se dane, é Halloween. — berrou e o menino catou o brinquedo se apressando para sair dali. — Eu também sei como assustar, só que eu vou ser o único rindo.
— Qual é tio, não tem que ficar bravo por ser um bundão. — reclamou o menino se retraindo com uma risada contida.
— Do que me chamou?
— Hobi!
Agarrou-lhe o rosto fazendo com que sua atenção voltasse a ela, o dedos quentes cheirando a torta de abóbora amassaram suas bochechas o prendendo no espaço em que compartilhavam.
— Continua sendo o mesmo brigão de sempre. — contemplou relaxando o toque no seu rosto.
— Pelo menos dessa vez tenho você por perto pra me acalmar.
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