Trinta
Não esquece o votinho, por favor!
— Bruno, espera! — Quando ouviu o irmão chamá-lo com tamanha pressa, o mais novo refletiu por alguns segundos se deveria sair ou não. Com a mão sobre a trinca do portão, ele esperou até que o outro o alcançasse.
— O que queres, mano Miguel? — Perguntou, virando-se para o outro com o cenho franzido.
— Você vai sair? — Vendo que o irmão parecia surpreso com sua súbita curiosidade, o mais velho emendou. — Quero dizer, precisa sair? Quero conversar com você.
Bruno vacilou por alguns instantes. Não era por mal que insistia em se afastar durante a estadia do irmão, que anos antes era seu amigo mais próximo. Ainda era difícil assimilar que seu castelo de areia fora detonado pelo outro, sem qualquer anestesia para amortecer a dor. Mesmo após seis anos, ainda doía as lembranças de como, gradualmente, a imagem que tinha do irmão fora destruída por suas ações.
— Vou à praia, se queres ir. — Sugeriu, parecendo desinteressado.
Miguel sorriu diante da resposta do irmão, era algo pequeno, mas era a brecha que precisava para tentar esclarecer o passado.
— Vou avisar a mãe para cuidar da Lira. — Respondeu, sabendo que não precisaria avisar Alexia, já que ela havia saído cedo para resolver outros problemas.
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A morena estava nervosa e suas mãos suavam. Apesar de parecer convicta, tinha certeza que seu coração batia com mais força do que deveria. Vitória também não estava em melhor condição. A cunhada havia concordado em levá-la à casa dos avós maternos de Lirhandzo, mas não passava muita segurança à outra, questionando a cada dois segundos se a brasileira tinha certeza do que estava fazendo.
— Tens certeza, cunhada? — A moçambicana estava temerosa, as últimas conversas entre membros das duas famílias não foram realmente positivas para que esperasse uma mudança exponencial.
— Tenho, e se continuar a me perguntar a cada minuto, vou pedir para você ir embora e entrar sozinha. — Ameaçou a mais velha, e a caçula dos Mahene resolveu guardar para si a opinião de que aquela era uma péssima ideia.
Assim que desceram do chapa, as duas caminharam em silêncio por mais duas quadras até chegarem diante da grande casa onde moravam os pais de Nilai. Apesar de não ser uma mansão na forma mais literal da palavra, tampouco era uma simples casa, como a da família de Miguel ou de Aníbal.
Quem as atendeu foi uma empregada e essa pareceu surpresa ao ver Vitória Mahene solicitando para falar com seus patrões, acompanhada por uma estrangeira desconhecida por ela. Sônia era uma mulher de pouco mais de quarenta anos e já servia aos Cande por muitos anos, tendo acompanhado toda a história daquela família, incluindo suas dores. Sabia muito bem que aquela conversa não poderia ter um bom resultado, mas, ainda assim, foi até o patrão avisar da inusitada visita.
Jaime não entendia o motivo de Miguel enviar a irmã caçula à sua casa, já que, de todos os Mahene, aquela jovem era a que menos havia se envolvido em toda a situação enfrentada por eles. Ele estava com um advogado no telefone quando foi avisado da presença das duas mulheres, e desligou rapidamente a chamada, curioso e quase irritado pela audácia do ex-genro de enviar duas mulheres em seu lugar. O que ele não sabia era que uma das mulheres, a mentora de toda a ideia, não tinha intenções de sair dali antes que fosse realmente ouvida. Assim que chegou ao portão, ele despejou:
— O que querem? O Miguel foi tão covarde que não se atreveu a aparecer aqui? — Apesar de tentar direcionar as palavras à irmã do referido, seu olhar estava cravado em Alexia, e por alguns segundos ele tentou se recordar de tê-la conhecido em algum lugar.
— Não foi o Miguel que nos enviou aqui, senhor Jaime. — Respondeu a morena, resoluta em suas palavras. — Prazer, não tivemos oportunidade de nos apresentarmos formalmente. Sou a namorada de Miguel e só sairei daqui depois que me ouvir. — O mais velho arregalou os olhos, surpreso com tamanha ousadia, quase perturbado ao sentir a convicção em cada frase pronunciada por aquela estranha.
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Já na praia, Miguel comprou amendoins de um rapaz que vendia ali, e deu um a Bruno, que continuava a olhar para o horizonte, sem saber o que deveria dizer ou o que esperar daquela interação com o mais velho. Os dois estavam sentados sobre o banco de concreto, olhando o oceano em sua imensidão, e assim como o mais novo, Miguel tinha ressalvas de iniciar o temido assunto. Mexer no passado não era algo que lhe agradava em absoluto.
— Alexia disse que nossas versões sobre o passado não batem. — Começou o mais velho, pigarreando em sinal de desconforto.
— Então ela contou tudo? — Perguntou o outro, fixando os olhos no irmão, que colocava uma grande quantidade de amendoim na boca, como se assim pudesse distrair sua mente da conversa que deveria prosseguir.
— Não, ela não contou nada. — Respondeu Miguel, depois de engolir o conteúdo que mastigava. — Disse que só você pode me contar. Sei que está chateado comigo por causa da minha inesperada ida ao Brasil, mas eu precisava apoiar minha esposa, Bruno.
— Não tem nada a ver com tua mudança, mano Miguel. — Apesar de chateado, o mais alto conseguia manter o respeito característico de sua criação.
— Não tem? — Perguntou o outro, espantado com aquela descoberta.
Bruno sempre fora o irmão mais apegado a ele, desde muito novo tentava o imitar e o procurar para resolver problemas. A diferença de nove anos era suficiente para que Miguel fosse visto como um herói pelo mais novo, e não tão distante quanto os outros mais velhos. Quando o pai deles morreu, o filho mais novo dos Mahene tinha apenas oito anos, e o irmão do meio foi seu esteio por quase toda sua adolescência. Mesmo estando ocupado e já namorando Nilai, Miguel sempre estivera disposto a ajudar na criação dos irmãos mais novos, sabendo que o peso sobre a mãe era muito para que ela o carregasse sozinha.
Quando Nilai recebeu a bolsa para estudar no Brasil e eles decidiram se mudar, a comoção foi geral. Vitória, a mais nova, não queria aceitar que seu irmão preferido ia para outro continente e jurou não falar com ele caso não a levasse com eles. Já Bruno, ficou arredio, mas não pediu para o irmão ficar, apenas se afastou. Para o mais velho, a mudança havia sido o problema, porém o que ele não sabia é que não fora por sua decisão de ir a outro país que o rapaz começara a nutrir mágoa por ele.
— Não teve nada a ver. Você tinha sua vida e sua família, nunca te julgaria por apoiar sua mulher. — Completou Bruno e Miguel novamente franziu o cenho, sem entender então o que havia ocorrido para que o irmão tivesse tanto rancor.
— Mas você se afastou, nem apareceu para se despedir. Pensei que estava magoado comigo porque resolvi me mudar para outro país e não podia te levar.
— Não sou como a Vitória. — Resmungou Bruno, cruzando os braços. Os traços de seu rosto eram muito parecidos aos de Miguel. — Eu me afastei por causa da Laura. — Justificou-se, embora não entendesse por qual motivo deveria se explicar ao outro.
Ninguém duvidaria dos laços sanguíneos entre eles, mesmo de longe. O mais novo era mais alto, malhado, e tinha covinhas que o diferenciavam dos demais Mahene, ainda assim, Miguel e ele eram os que mais se pareciam fisicamente.
— Laura? O que ela tem a ver? — O mais velho estava confuso. Nada corria como planejava, nem perdão havia pedido, e tudo o que pensara sobre as razões do irmão em nutrir mágoa ia por água abaixo.
— Eu estava namorando a Laura quando vocês decidiram ir embora para o Brasil. — Miguel, que havia colocado mais amendoim na boca, quase se engasgou com a confissão.
— O quê? Você já namorou aquela garota? — Perguntou pasmado.
— Sim, na época em que me deixavas ir muito à tua casa, Laura também frequentava. Lá nos aproximamos e eu me apaixonei. Mas ela nunca se apaixonou por mim e deixou isso claro quando decidiste partir. — Depois de uma longa pausa que quase irritou o outro, Bruno prosseguiu. — Ela surtou quando disseste que iriam ao Brasil. Aí ela terminou comigo e confessou que sempre foi apaixonada por ti. Por isso me afastei, não suportava pensar que a pessoa por quem era apaixonado, na verdade estava tentando se aproximar do meu irmão mais velho. Não tinha nada a ver contigo ou Nilai. — Confessou.
Miguel coçou a nuca, mais uma vez incomodado com o rumo daquela conversa. Aquela fixação da prima de sua ex-esposa era quase doentia, a ponto de ser capaz de se aproximar de seu irmão apenas para alcançá-lo. Em sua mente, flashbacks de comportamentos estranhos por parte da então garota lhe assolaram, e finalmente entendeu o motivo de Nilai sempre tentar mantê-lo longe da prima adolescente.
— Eu não sabia disso.
— Quase ninguém sabe. Só Imani e Vitória, a mãe nem desconfia. Durou pouco tempo, de todo modo. Não foi isso que me tirou a fé que tinha em ti. — Completou, quase exausto pela conversa que não chegava ao fim.
— Então o que foi? Por que não me explica?
— Sério que finges não saber de nada? Como se eu fosse louco por agir assim? — Revoltou-se o mais novo, levantando-se do banco, disposto a ir para qualquer lugar que não precisasse reviver feridas de um tempo que preferia esquecer. — Já sabes da Laura, é o suficiente, acho que era isso que tua namorada queria que soubesses. Vou para outra parte, podes voltar à casa. Não vou me intrometer em tua vida, nem ser o irmão mau, não te preocupes.
— Alexia não queria que só me contasse sobre a Laura, tenho certeza que não, ela queria que nos resolvêssemos, e eu também quero isso, Bruno, quero meu irmão de volta. Não suporto olhar para você e ver a decepção no seu olhar. E agora estou ainda mais confuso, por favor, precisa me dizer o que eu fiz, porque não me lembro de nada além de ter decidido buscar uma vida melhor em outro país. — O mais novo olhou para o irmão por alguns instantes, seu interior se debatendo sobre o que deveria fazer, mais uma vez naquele dia.
— Não te recordas, mano Miguel? Realmente não te recordas? — Ainda em pé, Bruno chutou a areia involuntariamente, seus sentimentos estavam confusos e atrapalhados dentro de si.
Estava diante de quem, por grande parte de sua vida, fora seu maior exemplo e quem mais se importara consigo. Porém, toda sua admiração havia acabado depois daquele telefonema e de todo o descaso com que fora tratado pelo mais velho.
— Não sei do que está falando, Bruno. Por que está tão zangado? O que eu fiz?
— Não é possível que não te lembras do dia em que te liguei pedindo ajuda e me tratastes tal qual animal, como se não tivéssemos importância para ti.
Miguel não se lembrava, não conseguia recordar de tal ocasião. Mas aquela ligação havia calado fundo no Mahene mais novo, mudando sua forma de enxergar o irmão e sua ajuda. Vitória estava doente, Imani tinha ido fazer intercâmbio na África do Sul com a ajuda de Arlindo, e Bruno pensou que deveria recorrer ao irmão mais próximo a si. Ligou para ele e pediu ajuda, disse que não sabia lidar com a irmã mais nova, que estavam passando dificuldade financeira e que a mãe estava muito cansada. Contou que havia trancado a faculdade e que não tinha conseguido um emprego que fosse suficiente para suprir as necessidades. Falou que tudo estava difícil demais e que precisava dele ali, apoiando-os. Chegou a dizer que tinha saudades.
Mas Miguel não parecia ser seu irmão que sempre o apoiava em tudo e com quem podia contar. Não, aquele que atendeu ao telefone com tamanha rispidez e que apenas ouviu o que ele tinha a dizer, encerrando a ligação com a resposta "não posso fazer nada", não poderia ser seu irmão. Pelo menos pensou que não, imaginou que ele repensaria em sua resposta e ofereceria sua ajuda, que diria que não estava com cabeça naquele dia, mas que se importava com a família.
Bruno esperou. Sim, esperou ansiosamente algumas semanas, meses até, e nenhuma mensagem ou ligação recebeu do irmão, nada. Por fim, Nilai voltou sozinha a Moçambique, e aquele rapaz de dezoito anos percebeu que não podia contar com o irmão. A mãe não reclamava, não contava o que passava aos outros filhos. Vitória estava alheia a tudo, apenas tratando de sua doença e pensando em aproveitar a vida. O jovem Mahene sentiu que precisava amadurecer a qualquer custo, deixar de se apoiar em pessoas que não o queriam de verdade, e passou a trabalhar incansavelmente para ajudar no sustento da família. Vendia amendoins na praia, pintava unhas, ajudava nos chapas de vez em quando, até que os outros irmãos perceberam sua luta e o ajudaram.
Mas Miguel não voltou, não ligou, não mandou mensagem. Não soube metade das coisas que haviam acontecido, e principalmente, não se lembrou daquele dia e da ligação do irmão que implorava por socorro. Enquanto tratava de se reerguer depois da partida da esposa e se remoía em culpa, o irmão mais novo dele tentava não se quebrar e não deixar a mãe e irmã mais nova quebrarem.
Por três anos, Bruno não pôde retornar à faculdade de psicologia, que era seu sonho, e precisou ser mais forte do que imaginara ser, porque não queria que mais ninguém sofresse como ele precisou sofrer. Depois de ser socorrido pelos três irmãos mais velhos, que dividiram a carga entre si, o assunto ficou no passado da família Mahene, e ninguém nunca voltava a essa época quase sombria.
Com o passar dos anos, Miguel voltou a falar normalmente com a família, a se preocupar, mas ninguém nunca contava o que precisaram passar para que ele não fosse envolvido. Ana queria poupar o filho que mais sofrera com a morte do pai, sem perceber que estava colocando a carga no mais novo com essa atitude. Perceber como Miguel fora recebido, tal qual filho pródigo que retorna ao lar, não foi fácil para Bruno. Todos estavam tão felizes com o regresso do outro, que se esqueciam dos duros anos que tiveram com a completa ausência do irmão do meio.
— Você me ligou e eu disse isso? — O mais velho estava atordoado com a história contada pelo irmão. Não conseguia dimensionar a dor que outro devia ter sentido. — Eu não disse isso, Bruno, nunca ignoraria sua dor ou a de qualquer irmão meu. — Negou Miguel, balançando a cabeça de maneira frenética, querendo negar veemente que tinha sido alguém totalmente inescrupuloso com a família.
— Estás a dizer que sou mentiroso, mano Miguel? — Bruno se irritou.
— Não, não estou dizendo isso. Só que não lembro de ter feito isso, não posso ter feito isso.
— Mas fizeste. — Outra vez, Bruno chutou a areia e Miguel ficou a observar o irmão por alguns instantes, entendendo o motivo de tamanho rancor.
Apesar de Tito e Arlindo serem os irmãos com idades mais próximas à sua, o moçambicano que havia ido ao Brasil sempre se sentira responsável pelos irmãos mais novos, quase assumindo uma figura paterna. Sempre se perguntava o que havia acontecido para o irmão nunca mais chamá-lo, e apesar de pensar que era por causa da distância, tinha de admitir que nos primeiros dois anos o mais novo ainda mantinha contato.
— Quando fiz isso? Você se lembra? — Miguel tentou mais uma vez.
— Já faz seis anos. Foi em uma sexta-feira.
— Sexta-feira? — Então ele se lembrou.
No dia referido pelo mais jovem, Miguel estava trabalhando no restaurante, a cabeça a mil ao pensar em Nilai e seu comportamento estranho nos últimos meses. Quando viu que o irmão o ligava, pensou em não atender, estava cansado, esgotado por sua própria situação familiar. Resolveu que não poderia deixar sua família em segundo plano e o atendeu, sendo bombardeado por informações que não conseguiria se lembrar mais tarde. Ainda ouvindo o que o irmão tinha a dizer, o celular apitou, mostrando que havia uma nova mensagem. Era Nilai. Ele afastou o aparelho para ler a mensagem e o que viu fez seu coração parar. Ela havia perdido o bebê. Atordoado, o moçambicano respirou fundo e disse alguma coisa para calar o irmão, precisava voltar para casa e amparar a esposa.
Desnorteado pela trágica notícia e com a reviravolta que houve em sua vida pessoal, Miguel apagou de sua mente a ligação do caçula. Não se recordava de suas palavras desesperadas ou do que havia pedido, só sabia que sua vida estava a ruir e não tinha como controlar. Os eventos seguintes pareceram efeito cascata em sua vida. O divórcio. Ficar sozinho com uma filha de dois anos. A morte da ex-esposa. As ameaças dos pais dela. Mudar de cidade.
Quando finalmente sentiu que a vida entrava nos eixos, ele voltou a se aproximar da família, ligar com mais frequência, mas nunca fora informado do que havia ocorrido na mesma época em que perdera seu segundo filho. As versões de ambos não coincidiam e dentro de cada um havia mais do que o outro podia notar.
Depois de contar o que realmente havia acontecido, Miguel sentiu os olhos do irmão sobre si, a mágoa a dar espaço para outros sentimentos, mais brandos e compreensivos que os anteriores, mais nobres. Quando os olhares se encontraram, ambos entenderam que naquela história não havia vilão. Apenas humanos que erravam tentando acertar, pessoas imperfeitas que se esforçavam em serem melhores que outrora, mas ainda assim, simples humanos.
— Eu não sabia que terias outro filho. Não sabia. — Desculpou-se Bruno, as lágrimas a tomarem conta do rosto, magoado consigo por ser tão impiedoso com o mais velho, sem ao menos se esforçar para entender o que realmente havia ocorrido.
— Não tinha como saber, assim como eu nunca imaginei pelo que você teve de passar. — Aceitou Miguel e viu o irmão se sentar ao seu lado outra vez.
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Do outro lado da cidade, ainda na casa do ex-sogro do namorado, Alexia observava as fotos na parede e se encantava com a beleza de Nilai, pensando no quanto Lira ficaria parecida com aquela mulher.
— O Miguel não é quem ele parece ser. Ele fez da vida da minha filha um inferno e vai fazer o mesmo contigo. — Despejou Jaime, ainda tentando não aceitar o que aquela mulher dizia.
Vitória quis se pronunciar, não aceitaria que alguém falasse algo assim de seu irmão, mas Alexia a conteve.
— E quem disse que não sei do passado dele, senhor Jaime? Por que acredita que ele ocultou tudo de mim, se não sabe metade do meu relacionamento com ele? — O outro ficou calado diante da resposta direta. — Diferente do que o senhor pensa, Miguel me contou sobre seu passado, seus erros, e, acredite ou não, não há um só dia em que ele não se sinta culpado por não ter percebido antes os problemas que Nilai enfrentava. Ele não tenta parecer perfeito para mim e nunca me pediu para vir aqui, mas eu vim, porque não se trata apenas do Miguel ou de sua filha. Estamos falando de Lirhandzo, e se for para falar dela, eu vou interferir porque a amo como se fosse minha filha.
— Ela não é sua filha, a mãe dela morreu por culpa do seu namorado! — Alterou-se o mais velho.
— Ela estava doente! Doente! Por que ele seria culpado por uma doença que ninguém tem controle algum? O senhor pode garantir que ela ainda estaria viva se tivesse voltado antes para casa? Tem essa garantia? — O silêncio tenso era quase palpável. — Miguel não é perfeito, não estou aqui para dizer que ele nunca errou, nem para jogar a culpa em outra pessoa. Mas ele demorou a perceber que ela sofria porque ela nunca contou sobre sua doença, ele só descobriu depois que ela morreu.
Jaime se levantou do sofá e deu a volta pela sala, angustiado por voltar àquele assunto. Seria mais simples contatar advogados para que devolvessem pelo menos uma parte do que havia perdido, uma parte de sua filha.
— Nós criaríamos melhor a Lirhandzo, aqui não faltaria nada para ela. — Mudou a tática.
— Faltaria o pai dela, será que não percebe isso? Por que está tão empenhado em tirar a pessoa mais importante para Miguel? Por pura vingança? Quer deixar Lira tão infeliz quanto sua filha foi nos últimos meses da vida dela? — Alexia também se levantou, o olhar cravado no senhor à sua frente.
— Ele me deixou sem minha filha, eu só quero ter uma parte dela comigo. — Admitiu cansado, ao mesmo tempo em que a esposa aparecia no campo de visão dos presentes. Jaime se sentou novamente, as informações contadas anteriormente pela estrangeira começavam a reverberar em sua mente.
Miguel não sabia da doença da esposa, por isso não moveu céus e terra para ajudá-la. Ela havia empurrado Lira e por isso ele socorreu a garotinha e a deixou sozinha. Ele havia criado a menina sozinho por seis anos, passando por maus bocados apenas para sustentá-la e fazê-la feliz.
— E o senhor precisa tirar a filha dele para recuperar essa parte que perdeu? — O mais velho levantou os olhos para encontrar as órbitas verdes que pareciam revoltas com seus pronunciamentos. — Miguel nunca tentou te afastar de Lirhandzo, só disse que não a daria a vocês, ele a criaria. Poderiam ter ligado, pedido fotos, ele jamais impediria isso. Se tivessem apenas falado que queriam ver a neta de vocês, ele a traria aqui, nunca a afastaria. — A esposa dele, sentada ao seu lado, orava silenciosamente por uma conclusão que lhe permitisse ver a neta.
Depois de alguns segundos, a morena concluiu:
— Mas o que estão fazendo é amedrontar uma criança de nove anos, passar a impressão que vão tirá-la de seu meio, apenas porque têm poder para isso. Não é Miguel que não deixa ela vir, Lira que me pediu para não os ver, ela tem medo de a roubarem. Será que o senhor pode entender isso? Sua obstinação em travar essa luta sem sentido só está te afastando ainda mais sua neta. Ela estava feliz antes de vir, animada para ver os avós, todos os três. Sabia que Miguel nunca falou mal de vocês antes de chegarmos aqui? Lirhandzo pensava que vocês não ligavam porque não tinham celular. Esse monstro que estão pintando só existe dentro de suas mentes. — Completou e voltou a se sentar ao lado de Vitória, que tinha um enorme sorriso ao perceber a garra da cunhada. Ela era, sem sombra de dúvidas, a melhor opção para seu irmão e sobrinha.
— Eu só quero ver minha neta. — Zélia se pronunciou por fim. Os olhos da senhora estavam marejados, aquela luta também a cansava, sabia que a obstinação de seu marido não os levaria a lugar algum, mas não conseguia convencê-lo a agir de outra maneira.
Alexia abriu sua bolsa e pegou o celular. Na foto de capa havia uma foto dos três, ela sorriu ao vê-la, e se levantou, indo até o casal. Abriu a galeria para mostrar as fotos da feira cultural do mês anterior.
— Essa é a neta de vocês. — Entregou o celular e os dois mais velhos olharam para a imagem com curiosidade.
Na foto, Lirhandzo estava com a roupa africana e um sorriso enorme no rosto.
— Acredita mesmo que Miguel não sabe como criar uma filha? Ou que ele quer que ela perca sua cultura?
— Ela é linda, parece muito com Nilai. — Zélia falou, colocando a mão sobre a foto, emocionada.
— Sim, pelas fotos de Nilai, sei que Lira é muito parecida com ela. — Pegando o celular novamente, Alexia passou para a próxima foto, uma de Lira com Clara e Akili. — Esse é meu sobrinho e a cunhada de minhas irmãs. Lira tem amigos lá, tem família, tem amor. Ela pergunta toda noite se vai voltar com a gente para o Brasil, diz que precisa voltar para os amigos, para sua vida. Não tentem tirá-la de seu meio, não a façam infeliz, por favor. — Implorou a brasileira, e Jaime voltou a encará-la.
— Ele... ele nos deixaria vê-la se não tentássemos ficar com ela? — Perguntou e a morena pôde ver um resquício de dúvidas na face marcada daquele homem.
— Ele vai deixar. E Lira vai amar conhecer os avós. — Sorriu com sinceridade e Zélia se entregou ao choro.
Teria a oportunidade de passar um tempo com a neta, olhar para alguém que lembrasse que Nilai deixou sua marca no mundo, que não seria completamente esquecida. Jaime saiu da sala, envergonhado por suas ações, e foi até seu escritório. Precisava se afastar e chorar. Por sua perda, por sua obstinação, por estar afastando o único vínculo vivo que teria com a filha. Teria que rever seus conceitos e quebrar suas próprias barreiras, mas faria isso, pelo bem da neta.
Vendo a emoção nos olhos da mais velha, Alexia não se conteve e puxou a mulher para um abraço. Não havia conhecido a filha deles, nunca conheceria, assim como Lira não teria memórias com a mãe, mas, naquele momento, sentia a compaixão a crescer em seu ser. Sabia que a aproximação com a família da mãe biológica seria importante para Lirhandzo e faria qualquer coisa por aquela pequena. Seu pequeno tesouro.
Saiu! Que capítulo ein? Altas revelações e resoluções? E aí? Bruno é vilão? Miguel é vilão? Os pais da Nilai são vilões?
Pelo visto, todos são humanos e erraram, ein? E mano Bruno namorou a Laura, que cosa, no?
O que acharam do capítulo? Espero que se preparem, porque ainda não acabou, ainda vão sentir fortes emoções.
Sobre as postagens, resolvi! Vão ser às quartas, sextas e domingo. Assim, espero conseguir terminar de postar o livro até o meio do mês que vem.
Homens que Choram vai para a Amazon. Ainda não leu? Então dá uma olhadinha nesse booktrailer que a maravilhosa da NinaMSimonE fez pra mim:
https://youtu.be/W060L8TnizY
É isso, Alecrins! Até sexta!
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