Dez
— Temos um planejamento, Miguel! — Alexia anunciou, em um tom de voz bastante elevado, ao entrar na padaria na segunda-feira seguinte.
O moçambicano, que estava colocando os pães na exposição, sentiu a empolgação na voz da morena, e se virou com um sorriso já formado. Ele havia retirado o gesso, e já estava com o braço livre, embora ainda tivesse alguns cuidados para não o forçar.
— Quanta empolgação para uma segunda de manhã, Lexi. — Ele constatou e a morena se aproximou, deixando papéis sobre o balcão, com a mochila onde trazia seu notebook.
— Não se acostume. — Ela brincou e piscou para Miguel, que não teve certeza de seus batimentos cardíacos por alguns segundos. — Só estou empolgada porque consegui terminar o planejamento que havia te falado.
Sim, assim que se passou a euforia inicial devido a tantas notícias, ela havia conseguido conversar com a irmã sobre a situação de Miguel, e essa havia feito o orçamento inicial e uma projeção realista do que ele precisaria e como lucraria em um período de um ano. A morena também havia conversado com Pedro e ele estava disposto a ouvir a proposta e investir com um modesto capital, além de colocar os itens vendidos por Miguel na cantina de sua empresa, e indicá-lo para outros conhecidos.
— Vem aqui. — Disse indicando a banqueta ao seu lado. — Lira ainda não acordou né? — Ela continuou, enquanto ele deixava a forma em um canto do balcão, e o contornava para se aproximar.
— Não, ainda não são nove da manhã, raramente ela acorda essa hora. — Ele respondeu, sentando-se ao lado dela.
— Mas eu ainda vou a levar esses dois dias para a escola, né? — Perguntou com um sorriso inocente que teve um tremendo efeito sobre o moçambicano.
— Já estou com os dois braços livres, Lexi. — Sim, depois do consentimento dela, ele se acostumou a usar o apelido dado por sua filha.
— Não importa Miguel, só faltam dois dias para ela entrar de férias, e depois não vou vê-la todos os dias, deixa eu levar? — Pediu, e ele decidiu que não estava satisfeito com o fato de que não se veriam todos os dias.
— É só você vir todos os dias para a ver. — Sugeriu, embora seus motivos estivessem longe de serem direcionados apenas à filha.
— Vou tentar, mas não vou entrar de férias com os alunos. Vida de secretária. — Deu de ombros. — Vou ter férias só em novembro.
— Novembro? — Ele perguntou, tendo uma ideia que poderia funcionar, caso ela quisesse.
— Sim, por quê? — Alexia perguntou, curiosa.
— Você me disse que tinha vontade de conhecer a África, e bem, minha irmã casa em novembro em Moçambique. Se conseguirmos o dinheiro, Lira e eu vamos para o casamento, gostaria de ir com a gente? — Propôs, e a morena abriu a boca sem saber o que dizer. Teria a oportunidade perfeita para viajar e conhecer o continente preferido da irmã mais velha. Ao perceber o silêncio dela, Miguel se arrependeu de sua precipitação, e tentou emendar. — Foi uma ideia louca, eu sei, mas se quiser pensar, pode levar uma amiga junto. Assim você conheceria uma parte da África, e aproveitaria para ir a um casamento, que é bem diferente daqui. São três dias de festa.
— Três dias? — Alexia finalmente se pronunciou, com a mente a mil, pensando em como conseguiria dinheiro para a passagem e despesas, mas sem querer desistir da oferta. — Miguel, seria incrível, não sei como conseguiria juntar todo o dinheiro necessário até lá, mas eu quero muito ir. Imagina três dias de festa? Uau! — Ele finalmente relaxou ao ouvi-la, ela queria ir, aceitou seu convite. A sombra de um sorriso se desenhou em sua face antes de contesta-la.
— Se esse seu planejamento incrível der certo, você tem direito a parte dos lucros, não é? Poderia usar o dinheiro para a viagem. — Ele negociou e ela sorriu em resposta.
— Você é esperto. Eu não cobraria Miguel, estou fazendo porque quero ajudar, mas vendo desse lado, eu aceito, quero muito conhecer a África, a San é apaixonada por lá, e eu sou a única das três que nunca saiu da América do Sul. — Comentou, já imaginando como seria essa viagem. Estaria com Lira, conheceria mais da cultura deles, e, olhando para o homem à sua frente, lembrou-se que viajaria com ele também. Seria uma boa ideia? Corria o risco de se apaixonar outra vez? Espantou os pensamentos e centrou-se nos pontos positivos do convite.
— Então temos um acordo. Agora quer me mostrar seu super planejamento? — Miguel voltou ao assunto inicial, e a morena abriu o notebook para mostrar as planilhas que havia feito.
Assim que ligou o aparelho, surgiu a foto de Akili na tela inicial, e ela se pronunciou.
— Ai, Miguel, eu estou apaixonada. — O outro abriu os olhos em pratos e a encarou, confuso e talvez decepcionado. Ao ver a expressão dele, ela riu, e se corrigiu. — Por ele, Miguel, meu sobrinho. — Disse apontando para a tela e ele relaxou. — Eu já tinha te falado dele né? — O moçambicano assentiu, e a morena continuou. — Consegui falar, com a ajuda da San, duas vezes com ele. Tenho vontade de protegê-lo de tudo. Acho que a Lira vai se dar muito bem com o Akili. — Sem perceber, ela já incluía a menina como sendo da família, como parte de sua vida.
— Quando ele vier, vamos marcar para que Lira o conheça. — Miguel concordou, cansado de pensar nos pontos negativos daquela aproximação.
— Ok. — Ela falou, ainda o encarando, e logo desviou para a tela do notebook, mostrando as planilhas e todo o planejamento.
Ficaram quase uma hora discutindo sobre todos os detalhes, e ela explicava com fervor cada passo, como se tratasse de seu próprio negócio.
— Então, no caso, eu contrato alguém, e quem pagará os primeiros salários será o investidor? — Perguntou Miguel, tentando ver se acompanhava o raciocínio da morena.
— Exatamente, Pedro vai investir com uma pequena parte, e você terá um prazo para começar a lucrar e devolver o que foi investido. A ideia inicial é você contratar mais uma pessoa para te ajudar a suprir a cantina de três empresas. Nesse início não será possível reformar o local, mas a ideia é que em três meses seu alcance aumente e você seja capaz de pagar mais uma ou duas pessoas, e a focar na divulgação da própria padaria, além do fornecimento de pães e outros itens para as empresas envolvidas. — Reiterou Alexia, os olhos verdes a brilharem de empolgação, algo que não passou despercebido por ele.
— Acha mesmo que vai funcionar? Digo, o plano é realmente bem elaborado, e mais do que eu poderia esperar, mas acredita mesmo nesse potencial, não está apenas tentando levantar meu astral?
— Quanto negativismo, Miguel. É claro que acredito, não me envolveria em algo se não acreditasse em seu potencial. — Ela falou com convicção.
— Isso inclui relacionamentos? — Ele perguntou com picardia e ela bateu em seu braço bom, fazendo-o rir.
— É claro, né? Acha que entrei nos meus relacionamentos pensando que estavam fadados ao fracasso? — Sua espontaneidade em dizer sem ressalvas o que pensava deixava Miguel pouco a pouco mais cativado, sem que pudesse se desenredar dos sentimentos que começavam a aparecer em seu íntimo. — Eu via futuro. Não se preocupe, não vai acontecer com sua padaria o mesmo que aconteceu com meus relacionamentos. — Ele gargalhou ao ouvi-la.
— Assim espero. — Recebeu um beliscão em resposta e resmungou.
— Encerramos por hoje, Miguel. E tenho quase certeza que minha mini adulta está acordada. Posso ir vê-la? — Pediu e ele foi incapaz de negar.
O mês de julho chegou depressa, trazendo as férias escolares, e muitas mudanças na vida de Miguel, e também de Alexia. O moçambicano havia contratado uma senhora de meia-idade chamada Josélia, recomendada por Pedro, que se mostrou muito eficiente e ágil. Junto com ela, conseguiu atender as novas encomendas, e ampliar seu cardápio, utilizando novas receitas. A morena que havia sido a mentora de toda a ideia também estava muito presente, e muitas vezes ficava a manhã com Lira, ou a pegava para passear no fim de semana, enquanto ele trabalhava. A presença constante dela em sua vida tornou-se quase indispensável a ponto de fazê-lo questionar sua própria sanidade em alguns momentos.
Por outro lado, Alexia nunca estivera tão agitada. Ainda trabalhando, usava o tempo disponível para cuidar da irmã do meio, que estava desenvolvendo uma peculiar personalidade advinda da gravidez, e desejos incomuns, além de ajudar Miguel em alguns dias, e passar algum tempo com Lira. Ainda tinha que pensar que em pouco tempo teria que encontrar um lugar para si, pois nas casas das irmãs os espaços estavam se tornando escassos com a vinda das novas crianças. Durante as noites, conversava com Alessandra sobre uma infinidade de coisas, e quase sempre o assunto se voltava para o sobrinho que em breve estaria em casa. Tinha pouco tempo para pensar em como se sentia, e quando algum pensamento importuno ousava a atrapalhar, dispensava-o veementemente.
Já no fim do mês, ela e Miguel começaram a pensar em maneiras de reformar a padaria, visto que o resultado inicial era melhor que previram. Apesar de limpa, o estabelecimento carecia de equipamentos, e sua estrutura estava levemente afetada pela falta de manutenção, como pintura e piso. Alexia começou a pensar em detalhes que começavam a ser essenciais para o desenvolvimento das próximas etapas.
— Sério que você não tem nenhum nome em mente, Miguel? Como pode a padaria não ter nenhum nome? — Ela reclamou indignada, na última sexta-feira de julho, durante a manhã, sentada ao lado de Miguel em uma das poucas mesas dispostas pelo salão.
Naquele dia, Josélia não pôde ir trabalhar, então estavam apenas os dois no local, visto que as encomendas da manhã também já tinham sido entregues.
— Quando vim trabalhar aqui, Abrahim disse que costumava chamá-la de Safira, a versão no nome da Zafiro, mas nos documentos está apenas Panificadora A.Z. Não quero esse nome, era algo deles. — Ele disse, coçando a nuca, e Alexia se repreendeu por sempre notar esse movimento dele, e saber exatamente o motivo disso, ele estava desconfortável. Sempre fazia isso quando sentia desconforto. Admirou-se por não apontar o fato, como costumava fazer por não ter freios na boca.
— Repete seu nome completo. — Ela pediu.
— Miguel Alfredo Mahene.
— Acho que você já me disse, mas nunca tinha reparado que você tem nome composto. — Alexia apontou.
— Não é nome composto. Alfredo é o nome do meu pai. Costumava ser, pelo menos. — Ele disse, uma expressão nostálgica que enterneceu a morena.
— Ele... morreu? — Perguntou em um sussurro.
— Sim, ele não chegou a conhecer Lira. — Outra vez coçou a nuca. — Sabia que tenho um outro nome? Um nome que é usado apenas pela família? — Mudou de assunto.
— Sério? Já quero saber. — Ela pareceu empolgada para descobrir algo novo sobre ele.
— É Mugui. Na verdade, seria Muguidjima, mas é longo demais, então só me chamam de Mugui. — Ele confessou.
— Mugui? Por que esse nome? — Inquiriu curiosa.
— Temos uma tradição, não existe em todas as famílias, mas é uma tradição changana, meu idioma materno, de colocar um nome em changana para ser chamado apenas pelos parentes próximos. Quando os portugueses colonizaram nosso país, proibiram os pais de colocarem nomes locais nos filhos, instigando-os a colocarem nomes ocidentais. Como os pais não queriam perder a cultura, criaram o hábito de dar nomes nativos para chamarem em casa, e agora dizemos Vito dza chilande, que traduzido é: nome em changana. — Alexia o encarava absorta em sua explicação, admirada com sua empolgação para contar algo que era tão dele, tão pessoal. Gostava daquela sensação, e não queria pensar muito sobre o que ela significava.
— Uau! Amei a explicação. E incrível vocês não perderem sua cultura, mesmo com toda a pressão. Gostei de Mugui, é diferente, posso te chamar assim? — Pediu.
— Claro. — Ele aceitou, com um sorriso a aparecer.
— E o nome de Lirhandzo? É changana também, né?
— Sim, significa amor.
— Eu amo esse nome e esse significado. — Ele continuou a observá-la, então ela continuou. — Sobre o nome da padaria, que tal Mahene's Panificação? Ou Panificadora Mahene's? Algo que os lembrem de sua origem. Não necessariamente esse nome, mas seria muito legal preservar sua origem. — Ela falou, apontando para o esboço do banner que faria para o estabelecimento.
— Vou pensar em algo, Lexi, e se não pensar em nada realmente bom, fica Panificadora Mahene mesmo. — Miguel respondeu, e ela, que estava concentrada no notebook, virou-se para ele.
Algo na conversa, talvez o fato de ele contar algo pessoal, ou ela ter demonstrado tamanho interesse no que ele dizia, mudou a atmosfera do ambiente. Quando os olhares se encontraram, não conseguiram desviar. Não era a primeira vez a se encararem, não, esse hábito era frequente e cada vez mais demorado, nenhum dos dois tinham problemas em olhar nos olhos, não desviavam, não baixavam. E pode ter sido esse o motivo de naquele momento, naquele específico minuto, depois de uma conversa aparentemente trivial, a conexão não ser rompida por bons segundos ou minutos.
Os rostos, por intuição, aproximaram-se, os olhares baixaram juntos para a boca alheia, e em milésimos de segundos, sem interrupções dramáticas ou teatrais, os lábios se encontraram. Os olhos fechados, os corações em ritmos descompassados e distintos, e um beijo despropositado, um beijo que durou um pouco mais do que se esperava, menos do que os corações pediam. Ao se afastarem, os olhos de ambos em chamas, inflamados, revoltos, tentavam se acalmar e tentar entender o que havia acabado de acontecer.
— O que está acontecendo com a gente? — A voz de Alexia foi a primeira a soar, um pouco mais rouca do que era comum, fruto da agitação interior que o beijo havia causado. Seu sussurro soou como um murmúrio para si, e seus olhos continuavam fixos no homem à sua frente.
— Lexi. — A voz dele, grave, parecia mexida, emocionada, transformada. — Eu acho que estou me... — Diria apaixonando, se não fosse interrompido por um dedo feminino que lhe tocava os lábios, impedindo-o de continuar.
— Não Miguel. Se você só acha, não diga. Eu não tenho tempo, nem paciência para achismos, sempre os interpretei mal. — Ela contestou, a voz mais controlada, e seus olhos ainda eram capazes de emitirem faíscas, que podiam queimar a quem lhe via naquele momento.
— Não, Lexi, eu não acho, eu tenho... — Outra vez foi interrompido. Ela não parecia disposta a deixá-lo continuar.
— Não, você não tem certeza. Eu não tenho. E nossas vidas já estão complicadas demais para ainda ter que lidar com algo incerto. — Sua voz não era demasiado dura, mas o coração de Miguel se encolheu com a resposta. Ela estava certa, sabia que estava, realmente não tinha certeza, estava certo que ela mexia com seu interior, mas não podia medir a proporção, não tinha certeza do que realmente significava. Depois de beijar aqueles lábios que lembravam morangos, ou algo ainda melhor, não conseguia raciocinar sobre tudo o que aquilo implicava. Estavam confusos, e de confusão bastava a vida de cada um.
— Eu sinto muito, Lexi. — Ele disse ao vê-la guardar o notebook na mochila e se levantar. Temia tê-la magoado de alguma forma, e não se perdoaria se isso acontecesse.
— Não sinta. Não beijou sozinho. — Ela disse já com a mochila nas costas, pronta para sair do ambiente. Ela deu alguns passos em direção à saída, e logo pareceu se lembrar de algo, virando-se na direção de Miguel que continuava sentado a observá-la se distanciar. — E Miguel. — Ele fixou seus olhos nela, e ela disse, com um sorriso de canto. — Até que você beija bem. — O moçambicano custou acreditar no que ouvira, mas sua fala fez com que um sorriso involuntário escapasse por seus lábios.
— Digo o mesmo. — Ela riu, e finalmente saiu do local, atordoada e incerta sobre o que pensar a respeito daquele episódio.
A morena parou um momento na calçada, tentando raciocinar sobre o que sentira. Não imaginava que sentiria aquele magnetismo que a fez se aproximar involuntariamente e consentir em beijar Miguel. Não teve o frio na barriga que era constante de outras vezes, ou uma sensação de formigamento que a atordoava. Foi diferente, único, foi um beijo com sabor de lar. Como se, por alguns segundos, encontrasse seu lugar, e isso era assustador. Assustava-a pensar que não havia percebido como estavam se conectando, como estavam se aproximando. Assustava-a ver que pela primeira vez ela não estava ansiosa por um beijo quando isso aconteceu. E, principalmente, era assustador pensar que não havia deixado seus pensamentos a avisarem que algo acontecia, por medo. Medo de se apegar e ser machucada, medo de não ser correspondida. Ela havia ignorado todos os sinais, e novamente se envolvia em uma confusão. Uma confusão de sentimentos, um emaranhado que envolvia coisas demais para que pudesse simplesmente se jogar.
Com a chave do carro na mão, ainda tentando processar onde havia se metido, ela caminhou com a intenção de ir até o veículo. E teria chegado, se não tivesse esbarrado em alguém, por conta de sua distração. Ao sentir o mesmo cheiro que tanto se acostumara outrora, ela pensou que fazia parte de uma comédia romântica de muito mal gosto, e estava naquelas cenas clichês que faziam alguém do passado retornar nos momentos mais impróprios. Assim se sentiu Alexia ao se afastar e levantar os olhos para encarar a pessoa à sua frente:
— Caíque. — Em sua voz não havia nenhum entusiasmo.
Outra vez, do ponto onde parei! Desculpe a todas que me acompanham pelo transtorno, eu fiquei realmente abalada com o ocorrido, e espero que não ocorra outra vez. Mas não vou desistir de passar a história, nem que tenha de repostar todos os dias. Faço isso por vocês e por mim, e por Alexia e Miguel que merecem ter sua história contada...kkk...
Amanhã tentarei voltar com o segundo C.A.L. e se não for pedir demais, depositem aqui novamente as perguntas para os personagens masculinos da série, pois as colocarei amanhã. E vamos tentar reerguer a história, então, por favor, votem, comentem, e indiquem, fará uma grande diferença. Muito obrigada a todos que me apoiam até aqui, mais uma vez!
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