01
Amber Villard
I used to know, but I'm not sure now
What I was made for
What I was made for - Billie Eilish
Só mais uma página, eu repito para mim mesma, finalizado.
Eu escrevo desde os 15 anos, as palavras conseguiam transmitir o que eu sentia e não conseguia dizer.
O primeiro livro que eu li na vida e me prendeu foi "A Seleção" de Kiera Cass e eu me apaixonei, pelos personagens e tudo o que havia naquelas páginas, além da parte política também havia paixão e um amor de tirar o fôlego. E foi naquela tarde com os olhos cheios de lágrimas depois de ler "A Elite" que eu decidi, me tornaria uma escritora e faria as pessoas se apaixonarem também, as faria sentir todas as emoções possíveis, a ansiedade, a angústia, o medo e a paixão.
Depois do colégio o que todos sonhavam era uma faculdade de prestígio, se possível uma ivy league mas eu tinha sonhos maiores e mais difíceis até, escrever um livro é fácil, mas ter uma história dentro de si que as pessoas leem e se vejam nela, isso é difícil, usar as palavras da forma certa com sensibilidade e fogo é algo único e que eu tinha certeza de que tinha, mas a vida adulta chega e a quebração de cara vem junto. Por isso estou na minha quinta garrafa de cerveja que nem gelada está mais e finalizando o meu último escrito.
Aos 19 anos eu consegui algo quase impossível, um estágio numa das melhores editoras de Nova Iorque, eu iria começar do fundo, a base da cadeia alimentar da empresa, ajudando nos arquivos e iria subindo de cargo a cada promoção, mas a minha ambição era só chegar em Sheron Rose, a editora chefe, a poderosa chefona que decidia se o manuscrito de sonhadores como eu era digno de publicação, o plano era muito simples, conseguiria sua simpatia e por acaso deixaria escapar que eu escrevia e falaria da minha paixão pelos livros publicados por ela e como mudou a minha vida, então em um dia qualquer leria meu manuscrito perto dela com a desculpa de que estava revisando, inocente Amber, a vida te deu uma grande porrada.
Sheron não é como eu imaginava, é fria, durona e muito arrogante, mais do que o preciso para ser uma empresária no meio de tantos tubarões famintos dos negócios. Consegui subir de cargo mais rápido do que o esperado, chegando a trabalhar diretamente com ela, como secretaria executiva e estava feliz assim mais não foi isso que sonhei pra mim, muito menos esperava escutar aquelas palavras dela.
"Ela é nova e ainda não sabe nada sobre a vida, quem dirá sobre escrever alguma coisa, ela é ótima sendo minha secretária e vai continuar assim"
Minha mente maldosa me forçava a repetir isso na minha cabeça, o tempo todo, a sensação das mãos soando, o corpo quente de raiva e decepção também, toda vez que a via eu sentia uma vontade enorme de deixar as lágrimas rolarem dos meus olhos, mas eu não me dei por vencida e continuei, trabalhava cada dia mais e com mais dedicação, me desgastei tentando provar a ela e a mim mesma de que era capaz e ela publicaria um livro meu.
Minha última tentativa, imprimo tudo e faço um bom trabalho com diagramação das páginas conferindo uma por uma antes de colocá-las dentro do envelope de papel pardo, na capa as palavras "O Último Verão" por Amber Villard, o sobrenome do meu pai, ele sempre me diz que nossa história daria um bom livro, ele estava crescendo na carreira policial e numa noite quente no estado da Califórnia voltando de uma ocorrência de furto em loja de conveniência quando me viu dentro de uma cesta de piquenique em frente a delegacia, os seus colegas me olhavam fascinados pelo o que ele disse, uma bebezinha que parecia ter 5 meses com a cabeça cheia de cabelinhos castanhos e olhos grandes e brilhantes, ele conta que sentiu na hora uma conexão e que precisava cuidar de mim então me levou para casa e sua mulher Zuria surtou mas ela diz que quando me pegou no colo chorou na hora emocionada, eram jovens mas assumiram as responsabilidades e depois de muita burocracia eu me tornei Amber Villard, filha de Zuria e Charles.
É uma história muito bonita mesmo e aos 5 anos, eu conheci meu amor maior, minha irmã caçula que hoje já tem 16 anos e como eu sinto meu coração apertar a cada aniversário, ver ela crescendo e se tornando uma adolescente toda independente e linda, completamente linda!
Mantemos contato por ligações de vídeo e mensagens constantemente, eles sabem mais da minha vida do que meus amigos aqui, e minha irmã faz questão de me irritar mesmo à distância.
Cansada finalmente me deito na cama macia com a colcha das meninas superpoderosas que agora já não tem mais o cheirinho da minha irmã, amanhã será o grande dia, eu vou me levantar, vou me vestir como uma escritora de sucesso e vou confrontar Sheron, mostrar que embora jovem eu sei muito sobre a vida, vivenciei tanta coisa nesses anos, amizades, amor, sexo, ressaca, despedidas e dor.
Sempre fui intensa em cada área da minha vida principalmente na escrita e não quero desistir agora. Hoje não.
O dia claro se destacando mesmo na cinzenta Nova Iorque me deu esperança para os meus planos, me cabelo longo estava preso em um rabo de cavalo bem apertado, o conjunto de terninho ajudava na minha aparência séria e decidida, calço o scarpin vermelho e saio de casa em direção ao trem, antes de chegar a editora pego três cafés expresso e entro no grande prédio de fachada espelhada, é preciso aproximar meu crachá na roleta para entrar e finalmente entrar no elevador lotado de funcionários.
"Bom dia Karen, seu café quentinho" Cumprimento a recepcionista do andar e minha amiga mais próxima da cidade.
"Bom dia Amber, um conselho, Sheron está estressada, cuidado com a sua abordagem hoje" Ela está preocupada, conhecem bem a chefe que tem.
"Está tudo bem Ka, hoje vai ser diferente" Eu respondo com um sorriso radiante e cheia de positividade.
Eu divido a sala com a Sheron ficando em uma mesa mais próxima a porta do seu escritório, o cheiro do café está delicioso e assim que abro a porta encontro minha chefe com a mão na cabeça e expressão fechada.
"Bom dia Sheron"
"Me diz que tem um café bem quente aí"
"Quente e puro como você gosta"
Ela suspira e estende a mão encontrando o café fumegante.
"Case comigo Villard!" Ela me oferece um meio sorriso como se tivesse resolvido ao menos 30% dos seus problemas.
"Já cuidei disso, somos casadas a mais de seis meses" Respondo e ela ri.
"Você sempre consegue melhorar meu humor pela manhã"
"Eu sei" Sorrio e vou até a minha mesa, ligando o notebook e abrindo a agenda, temos uma reunião importante nessa manhã e o restante da agenda é para decidir algumas divulgações e possíveis publicações. A mesa tem alguns contratos a serem revisados mas antes imprimo as pautas da reunião da manhã, seria uma reunião engraçada pelo menos pra mim, um casal de escritores vem para falar sobre a queda das vendas, eles são casados a cinco anos e escrevem juntos desde o início do casamento mas sempre que estão em alguma crise conjugal os livros de romance ficam amargos demais para serem lidos pelo público acostumado com os romances açucarados dos dois.
"Hoje temos reunião com o casal Baker" Anuncio levantando da mesa com as pautas em mãos.
"Esse é o motivo do meu mal humor, eu não sou terapeuta de casais, sou uma editora!" Ela revira os olhos, uma mania infantil que ela mantém.
"A melhor editora de Nova Iorque com uma grande habilidade de ter escritores complexos"
"Esse também é o meu grande defeito, por isso não te quero nessa estante" Ela responde e sinto minha positividade diminuir dentro de mim.
"Sabe bem que eu não teria esse tipo de crise"
Ela ri
"Não teria esse mas e as críticas e o hate online? As pessoas te comeriam viva raio de sol"
"Não sou sentimental assim"
"É sim, o livro que me apresentou é pura alegria e arco-íris"
"Falando nisso, tenho algo aqui" Deixo as pautas na mesa e busco o manuscrito em minha bolsa o levando até ela, o coloco sob sua mesa, ela mantém o olhar em mim apenas olhando por um segundo o envelope em sua mesa.
"É uma história madura, com reviravoltas e reflexões sobre a vida e o amor, nossos leitores ficariam viciados em cada palavra"
"Não é você que dita isso, sou eu, você não conhece nossos leitores, eu conheço e você não tem base sólida de leitores que estejam esperando por uma publicação de Amber Villard"
"Dê uma chance Sheron e eu posso provar que sou boa" Eu insisto não me deixando dar por vencida dessa batalha.
"Não basta bom, é preciso ser ótima ou nada, como você insiste eu vou ler mas não prometo nada"
"Está ótimo assim"
Karen abre a porta e anuncia a chegada dos escritores, eu vou na frente e distribuo as pautas que serão discutidas com o coração cheio de expectativa.
O dia passa rápido e a hora do almoço me deixa mais ansiosa, Sheron não saiu da sala o que significa que está lendo meu manuscrito nesse exato momento.
Ao final do expediente, Sheron está calada, nenhum comentário, nada e eu já estou guardando todos os contratos e desligando o notebook com a minha mão com todas as unhas já roídas pela ansiedade de alguma resposta dela, eu não vou esperar muito, decidida eu paro em frente a sua mesa de mogno e coço a garganta conseguindo sua atenção, ela ergue a cabeça e me olha através dos óculos redondos questionando em silêncio.
"E então?"
Ela suspira e arruma a armação do óculos, apoiando a cabeça sob uma das mãos em seguida.
"Eu estava jurando que você ia esquecer disso hoje"
"Sou bem persistente" afirmo com um sorriso.
"Percebi, Amber, você sabe que eu não sou de rodeios, sinceramente, acho que seu trabalho ainda precisa de muitas melhorias. Não vejo potencial para sua publicação neste momento" Suas palavras saem duras, sem espaço para argumentação e meu coração se aperta.
"Eu investi muito tempo e esforço nesse trabalho, eu tenho a intuição forte de que esse seria o meu trabalho publicado de sucesso, há algo que eu possa melhorar? Qualquer coisa para você reconsiderar"
"A trama é fraca, personagens vazios sem um pingo de personalidade própria, está longe do que procuramos e para ser totalmente sincera é mais fácil começar do zero, isso se não reconsiderar sua carreira de escritora, você não atende as expectativas da nossa editora"
Solto um suspiro, o ar me falta, nesse momento eu me sinto um fracasso, descartável.
"Você tem uma ótima oportunidade trabalhando aqui conosco, não leve pro coração e nem seja ingrata"
"Tudo bem"
É a única coisa que eu consigo falar antes de deixar os ombros confiantes e mentirosos caírem e com o olhar baixo sair daquela sala que parece me sufocar.
Fracasso
Fraca
Perdedora
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