VII - A Festa do Clube do Slugue
Desci as escadas de corda, depois a circular. As pernas bambeando e a cabeça borbulhando sobre o ocorrido. Cassandra havia acabado de fazer uma predição. Uma de verdade! Isso, ou essa seria sua ideia maluca de castigo por eu ter dormido na aula.
As pessoas cruzavam o corredor por mim, rindo e brincando, a caminho dos jardins para aproveitar o famigerado final de semana. Tudo o que eu pensava, porém, era as palavras de Trelawney ecoando com aquela voz distorcida e escarpada. Minhas pernas frearam de repente e apoiei-me nas molduras da parede para tomar fôlego, a outra mão estatelada à testa. A cabeça latejou por um momento.
— Perigo através das paredes... — penso alto.
Viro-me para encarar a alvenaria, o rosto tão perto que quase consigo discernir o cheiro do concreto. Que isso queria dizer, afinal?
— Mas, hein? — Disse uma voz esganiçada vinda da parede.
Um olho flutuante se abriu diante dos meus, assustando-me. Cambaleio para trás e um rosto gordo, colorido e transparente tomou forma ao redor desse olho. A boca desproporcional, grande, curvada para baixo com desdém.
— Oh, alô, Pirraça! Uma bela tarde, não?
— Bela... até trombar com sua desagradável pessoa — disse arrastado e muito mal-humorado. Meus lábios crisparam.
— Eu não esperava encontrar com você também.
Pirraça resmungou como uma porta velha.
— Mas... que é que está fazendo por aqui, Antares-Cabeça-De-Palha? Perdeu-se de suas amigas chatinhas, ou elas te deixaram para trás de novo?
Minhas bochechas inflaram de ar, e eu expiro pelas narinas.
— Eu só vim ver a professora Trelawney.
— Trelawney-Maluca! Se não se cuidar, vai acabar igualzinha a ela — disse recuperando o ânimo e começou a girar ao meu redor. Sentia-me enjoando, quando ele finalmente parou. — Só vai lhe faltar o turbante. Arranjo um para você.
— Não, Pirraça, eu não o quero. — Não pude conter a repulsa na voz. Pirraça gargalhou estrepitosamente, as mãos apoiando a barriga gorducha.
— Oh, senhorita Antares!
Pirraça espiou sobre o ombro e, eu, através de seu corpo transparente e fosco. Professor Slughorn surgira detrás da coluna que vedava a curva no corredor. Pirraça engoliu o riso e escapuliu pelos ares no instante seguinte.
— Que feliz coincidência, exatamente a pessoa que eu queria ver — cumprimentou-me o professor cordialmente, as mãos na cintura sem forma e a barriga empinada. — Eu estava na esperança de encontrá-la na saída do quadribol, mas... não a vi?
— Eu tive de me encontrar com a professora Trelawney, senhor, então saí bem depressa.
— Oh, sim! Grande jogo, não acha?
— A Grifinória montou um ótimo time, senhor.
— De fato! — Concordou o vozeirão ecoando através das paredes. — Vamos dar uma festinha amanhã à noite. Uma despedida antes das férias de Natal, com uma meia dúzia de meus astros e estrelas em ascensão. Estarão lá o Malfoy, os Black e, claro, o senhor Riddle. Preciso ir à procura de sua monitora, a senhorita Abbot, e tenho a esperança de a encontrar junto à prima Augusta. Então... o que me diz?
Meus lábios se franziram.
— Adianto-lhe que não irei aceitar facilmente uma resposta negativa dessa vez.
Eu sorrio fechado. Tento ao menos.
Tom esteve me evitando todos esses dias; mal tive uma chance de me aproximar. Pudera estar ele desfastio na tal festa, e talvez fosse a minha única chance de tentar me desculpar antes do natal, penso eu.
— Claro, senhor!
— Excelente! Excelente, senhorita Antares! — Professor Slughorn fez uma pequena reverencia. — Se me der licença, vou à procura das primas Abbot agora. Estarei a aguardando amanhã às oito.
E saiu demasiado apressado. Virei-me sobre o ombro, acompanhando-o desaparecer no corredor e, lá longe, vejo Pirraça me caçoando com caretas. Eu reviro os lábios num trejeito de desdém e sigo pelo caminho oposto.
Era quase hora do jantar e, evidentemente, Slughorn havia alcançado Augusta e Melissa, pois, tudo o que se falava naquela torre, era de sua festa de Natal. As espirais de neve batiam contra as janelas geladas, e Septima e Guilia finalizavam uma partida de xadrez de bruxo ao meu lado. Murta está foleando o livro padrão de Feitiços do terceiro ano e, eu, tinha um texto de Runas Antigas para decodificar, minha pena, no entanto, largada sobre o pequeno metro de pergaminho.
— ...ah, mas... isso tudo é culpa de Guilia, foi ela quem estragou a maioria das nossas poções. Se não fosse por isso, eu também seria uma das convidadas. — Reclamava Loreynne, indignada, andando de lá para cá.
— É só uma festa idiota, Lore. Esqueça isso!
— Ah! Cale a boca, Annellyze — mandou muito nervosa. — Sabe Deus quem será o convidado de honra que eu não terei a chance de conhecer.
Eu suspiro.
— Não acho que ele te convidaria — interviu Septima, encurralando o rei de Guilia com o cavalo, a torre, o bispo e a rainha. — Xeque-mate!
Guilia arregalou os olhos para esquadrilhar o tabuleiro, incrédula.
Loreynne arquejou.
— Que quer dizer com isso?
— Pelo o que sei, seu sobrenome não está, exatamente, listado com honras no Diretório Puro-Sangue... e você não é boa em poções.
— Eu sou tão boa quanto qualquer uma de vocês — disse ríspida.
— Não! — Rebateu. — Você coloca Guilia para as preparar, e ainda briga com ela quando algo sai errado.
Subitamente, o rosto de Loreynne ficara vermelho, depois roxo e já passava para o azul de tamanha raiva. Septima, no entanto, permanecera séria e tranquila. Guilia e eu trocamos um olhar preocupado.
— Ah, mas... para que isso, hein? — Intervi. — É só um jantar com cerca de dez estudantes da Sonserina e mais um ou dois de outra Casa.
— Ela está certa! — exclamou Guilia numa voz estranhamente aguda. — Ao menos, podemos passar todas juntas e...
Septima pigarreou e virou o rosto, coçando a nuca. Os olhos de Loreynne caíram sobre ela com um lampejo de escárnio.
— Que é? — Indagou com contempto. — Não me diga que foi convidada? — Ela sorriu debochada. — Logo você?
Septima cruzou os braços, porém, sua expressão não se alterara em nada. Curvou a ponta dos lábios e tomou fôlego demoradamente. Parecia apreciar a impaciência e o desespero de Loreynne.
— Não fui... — Loreynne sorriu. — Mas Anne, sim.
Os dentes agarraram ao lábio inferior e meus olhos encontraram os de Loreynne. Eles faiscavam como os de uma Salamandra.
— Você... o que?! — Exclamou. — Você não pode ir!
— Eu não posso não ir, já dei minha palavra.
— Mas é claro que você vai — interviu Septima. — Você foi convidada, diferente de nós, e acho muito bem feito! Você é boa em poções, e na grande maioria das outras matérias também.
— Eu sinto muito, Lore — dou de ombros.
— Quer saber, Annellyze, esqueça! — Loreynne deu-me as costas. — É claro que é só uma festa boba para você. Você já foi convidada mesmo.
Loreynne caminhou até a porta e saiu, batendo-a. O estrondo da madeira ecoando no quarto, fazendo Murta encolher-se em minha cama, quase que se escondendo por trás do livro, seus olhos pávidos encarando-nos, uma a uma.
Eu suspiro.
— Como você sabia que eu fui convidada?
Septima balançou a cabeça.
— Não sabia, mas... era de se esperar — disse e levantou-se. — Vou tomar um banho agora.
Loreynne deteve-se o jantar inteiro calada e de olhos bem atentos no próprio prato. Guilia passara minutos tentando chamar-lhe a atenção, mas tudo que conseguiu foi deixá-la ainda mais irritada, dizendo o quão insignificante era a tal afamada festa. O interesse de Guk na inusitada briga entre Loreynne e Guilia, no entanto, acarretou em Septima falando com ele pela primeira vez depois de semanas e, íntimos, cochichavam baixinho e gargalhavam, infamando-a — eu depreendo.
O relógio marcava ainda sete da noite, mas eu já estava vestida no meu rockabilly listrado no busto e preto na saia. O decote era, aparentemente, um número maior que eu, e foi ideia de Murta preencher o busto com um par de meias recheadas de lenços umedecidos que alçaram meus seios para cima. Os ombros se comprimindo com o medo de que alguém venha a perceber.
— Para de mexer — ralhou Murta, estapeando minha mão e refutando-a do decote.
— Isso é ridículo.
— Ridículo é deixar isso aqui vazio.
Um riso escapa os lábios de Septima, que fungou na tentativa de disfarçar. Às minhas costas, ela modelava meus cabelos, dando forma aos rolos pin-up que, sinceramente, eu gostava menos do que qualquer outro penteado. Murta escolheu-me um batom vermelho e um par de saltos da mesma cor, e Septima vestiu-me, ainda, com uma jaqueta de couro.
— Vê se tenta se divertir.
— Por mais difícil que seja fazer isso sem a gente — completou Murta, e eu sorrio.
— E não fica pensando na Lore, ela vai sobreviver — repreendeu-me Septima, e meus lábios crisparam-se. Eu aceno com a cabeça.
— Tá bem!
Melissa e Augusta esperavam-me na sala comunal. Os cabelos cacheados, firmes como um pedaço de plástico, e os vestidos de mesmo modelo, um com mangas, o outro sem, em azul-marinho. No passadiço do saguão, acompanhados de Dippet, Dumbledore e Ogg, meus olhos capturam de relance duas silhuetas masculinas, altas e rechonchudas. Atrás destes, Dodger, resmungando enquanto limpa do chão os vestígios lamaceiros de suas botas. Perco-os de vista quando tomamos o caminho deste lado, os três pares de saltos batucando degraus abaixo. Já era possível se ouvir os sons de risos, música e conversas em voz alta.
Fosse porque tivesse sido construída assim, fosse porque ele tivesse usado magia para deixá-la assim, a sala de Slughorn era muito maior do que o escritório normal de um professor. O teto e as paredes tinham sido forrados com panos esmeralda, carmim e dourado, para dar a impressão de que se encontravam no interior de uma vasta tenda. O local estava cheio e abafado, e uma luz vermelha de um ornamentado lampião dourado projetava-se do centro do teto. Uma cantoria, aparentemente acompanhada por um violino, uma harpa melancólica e um piano metódico, subia de um canto distante; uma névoa de fumaça de cachimbo pairava sobre vários bruxos idosos absortos em conversa, e numerosos elfos domésticos se deslocavam entre uma floresta de joelhos, sombreados pelas pesadas travessas de prata com comida que seguravam, parecendo mesinhas móveis.
— Oh, aí estão vocês! — Trovejou Slughorn, quase no mesmo instante em que nos esprememos pela porta de entrada. — Augusta, que bom que pôde vir. E Melissa! É ótimo poder recebê-la. Annellyze Crouch Antares — a enorme mão do professor Slughorn agarrou a minha, desaparecendo com metade do meu pulso —, entre, entre, há tanta gente que eu gostaria que você conhecesse. São grandes amigos meus, e de sua avó também. Vocês têm tanto uma da outra, aposto como vão reconhecê-la na mesma hora.
Slughorn usava um chapéu fez, de veludo, com borla da mesma cor que o smoking. Apertou ao meu braço com tamanha força que parecia querer arrancá-lo de mim. Levou-me até uma mesa rodeada de velhos de black-tie, Hepzibah sentada no meio deles.
— Anne, estes são Dorian Travers e Brian Shafiq Selwyn, trabalham juntos como pesquisadores de feitiços perdidos durante os séculos, e Henry Burke e Gregório Rowle, excelentíssimos desfazedores de feitiços que se juntaram ao projeto. Juntos, já agregaram mais de trezentos feitiços esquecidos aos novos registros do ministério.
Eu sorrio amarelado tentando fazer-me surpresa, e Henry, que era um homem largo e alto, levantou-se e agarrou-me o braço que Slughorn soltara, os lábios grudentos de ponche beijando-me o dorso da mão.
— Senhorita Antares, que enorme prazer! Permita-me ressaltar o quão belo é o tom de anileiro que tem os seus olhos. Há muito tempo não vejo um brilho como este. São os mesmos de sua mãe e sua avó.
— É muita gentileza, senhor Burke.
O corpo pesou para baixo quando ele se sentou novamente, recusando-se a me soltar. Os quartos chocaram-se contra o estofado e, com certo esforço, consigo soltar-me de suas mãos para ajeitar a postura e o vestido, o sorriso forçado estagnado no rosto.
— Eu não vejo Heloísa desde o funeral do falecido Merle Bartô — gargalhou fraquinho, o senhor Travers, ato que fez meu sorriso desaparecer e as sobrancelhas vincarem. O senhor Rowle pigarreou. Travers tossiu. — Então... como ela está?
Eu forjo o mesmo sorriso exagerado novamente.
— Está ótima.
— Senhorita Antares — o senhor Rowle, aparentemente um homem untuoso, debruçou-se para frente, em minha direção, — soube que é muito boa em feitiços. Em qual área pretende seguir quando se formar?
Os lábios se entreabriram para responder, então a voz de professor Slughorn estrondeou com elã.
— Tom, meu rapaz!
Os pescoços de cada um deles se esticaram para fora dos limites da mesa e eu me viro sobre o ombro. Quando retorno, Hepzibah está terminando sua taça de ponche, largando-a sobre a mesa.
— Desculpem-nos, mas... acredito que vão precisar deste lugar livre — diz ela, levantando-se e pegando-me pelo braço. — Se nos derem licença...
Ela me puxou pela multidão, levando-me para qualquer outro canto da sala, a largura dos passos limitada por causa dos elfos pelo caminho.
— Hebe, que maluquice! — Gargalhando, ela acenou com a cabeça. — Você ouviu o jeito que ele falou sobre a minha avó?
— Anne, eles são uns nojentos. Você devia ter visto como falaram da minha avó.
— Por que você estava no meio deles?
— Porque eu era a cereja do bolo até você chegar, e o que Slughorn acabou de fazer com você quando viu o Riddle, foi o que ele fez comigo quando viu você.
Hebe virou-se sobre os ombros, o sorriso divertido ainda estampado nos lábios. Um renque de alunos da Sonserina seguindo Tom e Slughorn até a mesa que deixamos.
— Minha nossa!
— Ah, isso não é nada! Professor Slughorn vai largá-los por ali, para poder apresentar Tom aos convidados importantes.
— É sempre assim?
— Sempre! Slughorn me faz chegar cedo para ter com quem se exibir: "a descendente de uma das fundadoras é minha aluna", depois o Riddle chega, aí ele se livra de todo mundo que vem com ele para poder dedicá-lo sua atenção.
— Vejo que não estou perdendo nada então...
Hebe virou-se para mim, o sorriso desaparecendo sutilmente. Ela semicerrou os olhos.
— Por que veio dessa vez?
— Para falar a verdade, eu mesma não sei. Estou cheia de atividades para fazer, e não queria ter de levar para casa — eu cruzo os braços —, mas... digamos que Slughorn conseguiu me convencer.
Hebe deixou uma gargalhada escapar.
— Vinte pontos para a Corvinal — brincou ela, e eu a acerto com o ombro.
Hebe e eu nos aconchegamos à mesa de senhorita Merrythought, enquanto víamos acontecer exatamente o que ela prognosticou. Antônio, Liam, Ryan e até mesmo Bristol, Malwina e Fredderyc foram deixados de lado, enquanto professor Slughorn promove uma passeata para que Tom tenha tempo de conhecer a cada um.
A porta de entrada se abriu atrás de Abraxas Malfoy e Victória Crabbe, que estavam se agarrando naquele canto. Professor Slughorn virou-se para checar, e professor Dippet entrou vestido com um bonito manto púrpuro e dourado, de festa. Logo atrás dele, dois homens que reconheço como sendo as figuras que vi mais cedo no saguão. Em um primeiro momento, pensei serem grandes e largos, porém, nada mais tratava-se do que a aparência maciça da capa de pele de fios longos e despenteados que usavam. Professor Dumbledore foi o último a entrar fechando a porta.
— Ergon, — professor Slughorn abriu os braços e avançou sobre o maior deles, — meu caro amigo! Já estava pensando que não viria.
— É indelicado chegar adiantado ou atrasado, Horácio, e é por isso que não me atrasei. Cheguei exatamente na hora que penso que deveria chegar. — Devolveu ele com uma voz tão estrondosa quanto. Ambos gargalharam.
— Igor! — Abraçou o outro. — Você é o retrato do seu pai quando tinha a sua idade.
Professor Slughorn apresentou Tom aos recém-chegados, Hebe e eu observando de onde estávamos. Ele pareceu se lembrar de nossa existência neste instante, e espichou o pescoço por cima do acervo, o vozeirão berrando nossos nomes, solicitando-nos do outro lado da sala.
— Annellyze Antares e Hepzibah Smith — apresentou-nos. — Estes são Ergon e Igor Karkaroff.
Hebe e eu revezamos o aperto de mão e, quando me cumprimentou, Ergon espremeu meus dedos em seu aperto, ato que fez-me erguer o rosto e fixar meus olhos nos seus. Ele sorriu, as sobrancelhas grisalhas afundando no dorso, os dentes grandes e amarelados.
— Você é neta de Heloísa Crouch, eu reconheceria esses olhos em qualquer lugar.
— Anne, Ergon é o diretor do instituto Durmstrang e, naturalmente, um conhecido de longa data de sua avó. Um amigo — explicou-me, mas não pude, nem por um segundo, desviar o meu olhar do dele. Eu engulo seco.
— É uma honra, senhorita Antares — disse e, somente então, soltou-me. A mão trêmula, meus nervos latejando de dor.
— Igualmente, senhor Karkaroff — consegui responder.
— Horácio, fizemos uma longa viagem e eu estou com a garganta seca de sede. Será que podíamos...?
— Oh, claro, claro! Venha por aqui, recebi uma remessa especial de uísque que sei que irá adorar, meu amigo.
Seu olhar ácido e apático pairou sobre mim e professor Slughorn enlaçou-o com o braço, levando-o para longe. Minha mão ainda tremia por causa da dor.
— Hum... bom! Então, você quer dançar?
— Venha, Anne — Tom e Igor disseram no mesmo instante, e Tom pegou-me pelo braço, levando-me através das pessoas até a pista de dança.
— Eu quero dançar. Você quer dançar comigo? — É Hebe quem pede, e não espera por resposta. Aferrou Igor e arrastou-o com ela.
Tom agarrou minha mão e eu estremeci num ademã, os olhos começando a se encher de água. Pousei a outra mão em seu ombro e tive a impressão de estar vendo uma pequena curvatura na ponta de seus lábios. Ele nos guiou conforme a umbrosa melopeia.
— Não acho que ele seja amigo da sua avó — comentou e deu um leve aperto em minha mão. Eu seguro o resmungo.
— Foi exatamente o que eu pensei — respondo num sussurro grave.
— Você está bem?
— Não sinto os meus dedos, mas vou sobreviver.
— Não foi o que eu quis dizer.
Meu cenho se franziu, e Tom atenuou o aperto, afastando-me, instigando-me a rodopiar.
— E-eu estou bem.
— Que ótimo! Fiquei sabendo que andou lendo alguma coisa proibida, que não queria que suas amigas soubessem. Passou algumas noites em claro, lendo, e foi pega dormindo nas aulas?
— Como soube disso?
— Uma amiguinha sua que andou falando com uma amiguinha minha.
— Amiga?
— Um fato bem curioso sobre Annabella — cortou-me — ...as pessoas não conseguem esconder segredos dela.
Meus olhos se espremeram e meus lábios sotrancaram.
— Loreynne...
— Exatamente!
O esgar fora inevitável e arquejo com certo desdém. Tom ainda me guiando pela pista razoavelmente cheia.
— Você continua irritado comigo? — Tom balançou a cabeça.
— Não mais — riu soprado. — Parece que você queria mesmo o ler, não é?
— E-eu — engulo seco. — Eu estou tentando me desculpar desde aquele dia, mas... você não — eu balanço a cabeça. Tom atalhou-me.
— Na verdade, já lhe desculpei. — Eu ergo o rosto, os olhos o fitando com fagueiro. — Você não imagina como o meu dia melhorou, depois de saber que Annellyze Antares não só levou uma bronca de um professor, como também sofreu detenção. — Faço um bisbilho pirracento. O sorriso me escapando pelos lábios, no entanto, não me deixa mentir.
Uma cantilena iniciou e terminou e Tom e eu continuávamos aqui. Nem mesmo Hebe e Igor aguentaram tanto, vi-os sentados conversando no lado oposto da mesa de professora Castspell.
— Será que você pode devolver a minha tiara agora?
— E o que a faz pensar que está comigo?
— Não tem mais ninguém em Hogwarts que a pegaria de mim. — Seus lábios se franziram e as pontas se curvaram, marcando as maçãs do rosto.
— Está na gaveta do meu criado-mudo. Assim que sairmos, eu pego para você.
A sala já começara a esvaziar, mas Tom, Ergon e Slughorn, nem sinal. Hebe e Igor ainda conversavam na mesa ao lado e não só a pista de dança estava vazia, como também os Elfos já haviam se dissipado, as poucas bandejas de aperitivos que sobrara, expostas sobre a mesa do buffet.
— Antares!
O coração tremelicou dentro do peito e o pescoço volveu-se dando de frente com um sorriso grande, os lábios taciturnos de Malwina pincelados de preto. Tomou o estofado ao meu lado e debruçou-se para cima de mim, o nariz apontado no decote do meu vestido.
— Ora, ora, se o uniforme não engana, não é mesmo?
Eu cruzo os braços na frente do busto, e Malwina gargalha baixinho.
— Já conheceu nossa mais nova mascote? — Perguntou ela, referindo-se a Annabella. A pequena menina em pé à nossa frente, um discreto sorriso no rosto meigo, os braços de sua irmã passados por seu pescoço.
— Eu me lembro de você, do expresso. Suas amigas são bem legais.
Eu forço um sorriso simpático.
— Elas são sim.
— Sou Annabella Foundric, é um prazer conhecê-la.
— Annellyze Antares! — Aceitei o cumprimento.
— Você conheceu Dorian Travers, o pai de Bristol, não é? E Gregório Rowle, você sabia que ele é tio de Thorfinn? Henry disse alguma coisa envolvendo um espelho e sua família, talvez a dele também, não entendi direito, e Selwyn fez uma menção a seu avô. Todos eles parecem ter uma opinião bastante convicta sobre sua família.
— Não que eu tenha as respostas que presumo que queira, Malwina, mas... onde quer chegar?
— Ah, bem! Quer dizer... esqueça, sim? — Malwina virou o rosto, e Fredderyc pressionou-a com uma expressão séria. — Estávamos indo até o sétimo andar — continuou ela. — Quer ir com a gente?
— Por que ela iria? — Intervém Alexandra.
— Ela estava com o Tom... — Malwina deu de ombros.
— E não está mais — rebateu.
Malwina e Alexandra pareceram imergir em uma guerra de olhares.
— É melhor eu ficar — digo, e Malwina pareceu-me emergir neste instante.
— Hum... talvez não fosse do seu interesse de qualquer jeito — debochou.
Malwina,Fredderyc, Alexandra e Annabella juntaram-se à Antônio, Backer, Paul, Liam, Baltazar,Duell e Lavigna e deixaram a sala. As gargalhadas repercutindo sobre a música,desde o corredor, até os meus ouvidos.
Meia-noite marcava o relógio de parede adornado, e a banda deixou de tocar para guardar seus instrumentos. Os professores convidados já haviam se retirado, e apenas outros dez alunos, além de mim, permaneceram na sala. Uma porta rangeu detrás de alguma cortina e lá longe surgiu Tom. Ergon, Slughorn e a equipe de pesquisadores de feitiços atrás dele. Igor despediu-se de Hebe com um beijo no rosto, Tom vindo nesta direção.
— Obrigada por sua ilustre presença, senhorita Antares. Espero que tenha se divertido.
— A festa estava ótima, senhor.
— Mande lembranças a sua avó.
— Eu farei menção a todos, senhor Travers. — Ele acenou com a cabeça.
Subimos as escadarias de volta ao saguão, contornando meio-corredor até outro lance de escadas que desciam. Uma caligem quase preponderante, exceto pelos castiçais prateados com finas velas a luzir palidamente. Tom parou de repente no trecho de pedra.
— Espere por mim aqui.
Ele desapareceu em um corredor escuro, liso e úmido, que somente agora percebi existir, o brandão na entrada derretido e apagado. Eu me aproximo na esperança de encontrar a válvula de regulagem, ao invés disso, contudo, meus dedos tateiam uma pequena moldura grifada no metal. Uma ligeira corrente de ar esvoaçou até meu braço, eu sinto, e estremeço por inteira quando Tom deixa a penumbra.
— Que susto!
— Que estava fazendo?
— Está escuro.
Ele apontou a varinha na direção do castiçal, que se acendeu em chamas seguidamente, uma pequena serpente esculpida no metal.
— Sua tiara, senhorita Antares — disse com um tom monótono, a tiara balançando nas pontas dos dedos.
— Por que estava com ela?
Tom chacoalhou os ombros.
— Para lembrar da sua cara cheia de furúnculos.
— Não tem graça! — Interdigo, arrancando-a das mãos dele. Tom sorriu.
— É brincadeira. Eu ia te devolver na aula de Feitiços, mas acabei esquecendo no quarto e, quando vi que estava com o meu diário, fiquei com raiva e mudei de ideia.
Eu resmungo arrastado, virando o rosto para o castiçal, a cabeça implorando para que eu mudasse de assunto, qualquer coisa para esquecer o maldito diário.
— Sabia que vi uma dessas no banheiro?
— O que?
Tom fez uma gaifona azeda e engraçada. Eu o aponto a serpente. Seu rosto depurou-se por completo, os olhos crescendo na pequena moldura.
— Viu... onde?
— Na pia do banheiro...
— Que banheiro?
— ...do segundo andar.
Tom virou-se para mim, os olhos um tanto surpresos, os lábios oscilando. Ele me abre um sorriso que faz-me sorrir também. O porquê, no entanto, eu não sei.
— Quer saber, eu tenho que fazer uma coisa antes de dormir, mas vou te levar até a sua Comunal primeiro.
— Fazer o que? — Atraquei-me a sua frente, os olhos curiosos e consoantes sobre ele. Tom sorriu amarelado.
— Esqueceu-se de que Malwina e os outros foram atrás dos seus amiguinhos da Grifinória? — Meu cenho se franziu.
— Eu não tinha reparado...
— Pois sim! E eu pretendo achá-los, antes que zerem o placar da Sonserina.
— Eu realmente gostaria de entender o porquê de eles fazerem isto.
— Não seja chata! — Refutou, passando por mim. — Só estão se divertindo.
— Não é divertido fazer as pessoas chorarem — resmunguei alto e Tom parou, virando-se sobre o ombro. Ele suspirou.
— Cada um tem o seu tipo de diversão...
— E qual é a sua?
Mal pergunto, vejo o braço de Tom vindo em minha direção, os cabelos se desmanchando em meu rosto no instante seguinte. A cabeça formiga muito mais leve. Empurrei-os para trás das orelhas da forma que pude e, em suas mãos, vejo o par de grampos que Septima havia usado para prender os rolos pin-up. Eu arquejo, e os lábios de Tom se curvam.
— Eu podia ter imaginado...
Os corredores estavam ermos, e foi o quinto andar quem nos alcançou exultado, pois nem eu e nem Tom poderíamos ter andado tão depressa assim. Ele se despediu de mim em frente as escadarias da torre, e mal percebi quando se foi, célere a dissolver-se na escuridão.
Todos pareciam estar dormindo quando me esgueirei para dentro do salão Comunal. Tomei um banho demasiado rápido e refugiei-me debaixo do grosso edredom. O coração quentinho, embora remansado, e um cansaço oportuno dirigindo-me ao mundo dos sonhos. Os alunos desesperados pelo Grande Salão, tapeçarias pesadas e negras tomando o lugar dos brasões; uma angústia desmedida crescendo no peito, uma a uma as pessoas caindo para o chão de onde não mais levantavam. Alguém me agarrara pelo ombro, e eu me viro, dando de frente com Professora Trelawney. Os olhos estavam opacos; ela caiu de joelhos a minha frente. Pegou-me pelo braço e puxou para perto, dizendo: o perigo peregrina através das paredes, os olhos do mal atraem a morte.
— Está faminto, lá em baixo, e morrendo de sede; será derramado sangue-de-cobre...
— Anne?
Meus olhos se abriram de repente, Septima, Loreynne e Guilia debruçadas para cima de mim. Eu me levanto e afasto o cobertor, a nuca molhada escorrendo suor.
— Você está bem? — Perguntou-me Guilia. — Estava falando umas coisas estranhas.
Eu balanço a cabeça, o coração zurzindo como uma turbina.
— Estou bem, só — mordo o lábio inferior. — Foi só um pesadelo...
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