III - Liderança e Responsabilidade
Antes que qualquer um de nós nos déssemos conta, Loreynne sacou sua varinha, os olhos transbordando petulância e fúria. Tento avançá-la, e os braços de Guilia me retém. Os sonserinos se afastaram e, finalmente, Alexandra percebera o risco que correra. Ela mal teve tempo de contornar a língua por todo o lábio superior, e um lampejo sobressaltou as luzes dos archotes que, como um raio, percorrendo o corredor até a garota. Seu corpo arremessou-se para trás em um ímpeto que os olhos mal puderam acompanhar.
— Everte statum!
— Loreynne, não! — minha voz incendeu pela garganta, mas não consegui impedi-la, o abraço que me envolvia era forte demais.
O silêncio zumbiu, atordoando-nos, e nem mesmo o grito de Alexandra fora ouvido, — isto é, se é que ele realmente conseguiu se evadir pela garganta —. Por entre os alunos da Grifinória, o corredor fora se abrindo, e o corpo de Alexandra voou entre eles. Parou, apenas, ao deparar-se com o peito de Rúbeo, e ele a segurou para que não despencasse. Alexandra perdera a consciência instantaneamente.
Meus olhos fitam os pés de Rúbeo e regressam pelo chão, quando ouço um delicado tinido de algo que caiu. Entre Loreynne e eu, lá estava a sua varinha de choupo-branco. Segurando-a pelos pulsos, porém, lá estava Tom Riddle, as sobrancelhas franzidas no meio da testa, os olhos sérios e ásperos.
— Solte-me! Ela a machucou, ela machucou a Michell — ralhou, lastimosa.
Tom permanecera sério, empedernido, no entanto, quando se alterou, embate causou ao meu corpo que instantaneamente se arrepiou. Meus olhos saltaram e meus lábios se entreabriram com uma lufada. Ele a abraçou. Aconchegou Loreynne em seu peito e a abraçou. Os braços dela agarram-no pelas vestes, e ela chorou.
Sem chão.
Minhas pernas tremeram e, por um segundo, senti-me presa em algum tipo de sala, sem teto ou chão, cujo as paredes se aproximavam, fechando, como se quisessem me esmagar. Sempre tão frio; tão distante. Agora, seus braços estavam ao redor de minha amiga. O embate deixara-me tão imóvel quanto Michell. Eu viro o rosto para escapar daquela cena.
— Que está acontecendo aqui? — Os olhos aturdidos de cada um de nós foram dirigidos ao final do corredor, onde surgira os professores.
Rúbeo levantou o corpo desacordado de Alexandra e, de quebra, as algazarras pareciam não terem explicação alguma. Entre o corpo docente, eis que surge professor Dippet. Guilia soltou-me, finalmente, e eu me coloco à frente da situação.
— Um mal entendido, senhor —, ele se aproximou. — Um grande mal-entendido. Não sabemos, ao certo, que aconteceu...
Os olhos azuis pairaram sobre mim, arrancando-me as desculpas esfarrapadas, e este inclinou-se sobre o corpo imobilizo de Michell.
— Madame Vitally, por favor, prepare uma maca para a senhorita Diggory e — virou-se sobre os ombros — outra, para a senhorita Foundric.
Madame Vitally encarou-me, antes de seguir para as escadarias.
— Monitores, levem seus alunos para os dormitórios. Senhoritas Pentagron, Pewehall, Petiwysk e Antares, vocês devem ficar. Senhor Riddle, senhor Snyde, vocês também.
Professor Dumbledore se apresentou para nos guiar até a ala hospitalar, enquanto os demais professores amontoavam-se sobre Dippet, afim de saber que é que havia ocorrido com a garota.
Rúbeo era o único grifinório — e terceiranista — junto de nós, e tomou a frente para repousar Alexandra na maca, assim que chegamos à ala hospitalar.
— Quem atacou a senhorita Foundric? — Perguntou o professor Dumbledore intransigente ("Episkey" Madame Vitally cuidava de Alexandra na maca atrás dele).
Com um olhar atravessado, vi tanto Guilia, quanto Loreynne baixarem a cabeça. Elas me encaram pelas arestas, e eu engulo seco.
— Vou perguntar mais uma vez — disse, os azuis dos olhos nos encarando por cima dos óculos de meia-lua.
— Fui eu, senhor.
— Muito bem, senhorita Antares — meu corpo congelou como se enterrado na neve. Não havia saliva na boca para engolir, então, apenas baixei a cabeça, tentando esconder o ressecado que há se apoderado de meus lábios. — Agora, dê-me uma boa razão para não recomendar a sua expulsão?
— E-eu... — sinto o coração falhar dentro do peito. Que eu havia feito? — Eu me precipitei, senhor.
— Menos cem pontos para a Corvinal. — Inclinou-se e seu nariz pontiagudo quase furara o meu olho. — Nunca esperei por um comportamento deste vindo da senhora. Que pensarão os seus pais?
Mordi o lábio inferior e aproveitei para descontar toda a agonia me angustiando. Sinto a garganta tão seca que parece capaz de rasgar como papel. Seguro o engasgo que há se entalado ali, e o engano com um arquejo.
— Professor Dumbledore, pode vir até aqui, por favor? — Madame Vitally o chamou, e este deu-me as costas.
Sinto minha visão ficando turva, mas independentemente de qualquer que fosse o castigo, eu não derrubaria lágrima alguma na frente de seu-ninguém. Acanhada, fito cada um de meus colegas. Fredderyc e Malwina me encaram com certo deboche, enquanto Loreynne, vi desenhado um singelo agradecimento em seus olhos chorosos. O formigamento das mãos, discretamente, está subindo para os braços e, depois, espalhando-se para todo o corpo. Sinto-me enjoando.
Madame Flowers anuncia sua chegada com sua voz alta e esganiçada. Parece descordar de algo com professor Lancaster, no corredor. As portas da ala hospitalar são abertas com certa rigorosidade e, por ela, passam os integrantes do corpo docente. O chapéu cônico — mostarda — de Madame Flowers enrosca na moldura em cima da porta e fica pendurado por lá. Sobre a maca trazida por professor Scales e professor Slughorn, Michell permanece adormecida. Eles a repousam sobre a cama. Há uma mixórdia de vozes preenchendo a área e, um segundo depois, uma fraca luz vermelha que irradia da varinha de Madame Vitally. Michell, à contraponto, nem se moveu. Ela tenta outro feitiço. O lampejo é azul. Tampouco surtira efeito.
— Ela está tão gelada — ressaltou a professora Castspell.
A mão de Madame Vitally estatelou-se na testa de Michell.
— Sim, sim... muito gelada — acrescentou.
A varinha afoitou o rosto de Michell. Madame Vitally tomou distância e afastou os professores também. O lampejo é vermelho outra vez, e este aquece e queima o ar até nós. Michell acordou de supetão, tossindo, e parecera-me extremamente amedrontada.
— N-não, Paloma! — levantou-se e, instantaneamente, as mãos infiltraram-se nos cabelos e agarraram a cabeça — argh!
— Por Merlin! Você está bem — Loreynne correu para se aproximar, mas Madame Flowers interveio.
— Senhorita Diggory, sente-se bem?
— Professor Dippet, e-eu... — ela negou com a cabeça. — Que estou fazendo aqui?
— Você saiu há pouco, não foi?
Michell apertara os olhos.
— Saí? — Franziu o cenho. — Saí de onde? E-eu... — apoiou a testa. — Eu não me lembro, não estou lembrada de nada.
Professor Dippet e professor Dumbledore trocaram alguns comentários em voz baixa, e um ou outro professor ainda interviu. As bochechas de Scales queimavam de tamanha raiva, e senhorita Merrythought esforçava-se para o acalmar.
— Vocês! — apontou-nos, Madame Flowers, — alguém atacou a senhorita Diggory e não foi apenas uma brincadeira com azarações. Quero saber quem foi.
Meus lábios se abrem na promessa de argumentar.
— Foi Alexandra — berrou Loreynne.
Ligeiramente, a dona das madeixas loiras agitou-se e levantou-se da cama.
— Não fiz nada disto.
— Você a ameaçou.
— Mas não a ataquei — defendeu-se, berrando tanto quanto Loreynne. — Professor Slughorn, eu juro que não fui eu.
— Alexandra passou o restante da tarde inteirinha com Fredderyc e eu, professor. Não poderia ter sido ela — intervém Malwina.
— Se me permite, senhor — tomou à frente, o professor Lancaster, — estou certo de que todos aqui compareceram ao grande salão durante o jantar, exceto a senhorita Antares e o senhor Riddle.
Ao contrário do que pensei, não foi a mim que os olhos do professor Dumbledore açoitaram. Tom, no entanto, permaneceu singelo e calado.
— Espere, senhor — Intervi, — estávamos até há pouco na biblioteca.
— É mesmo? E o que faziam até tão tarde da noite? — De mãos entrelaçadas às costas, Dumbledore se coloca à frente de Riddle.
— Trabalho de Trato de Criaturas Mágicas — instantaneamente eu me viro para ele, as sobrancelhas franzidas. No rosto de Scales, Fredderyc, Malwina e Alexandra, a mesma expressão que eu.
— Na verdade, professor Dippet, eu realmente passei um trabalho para os meus alunos, contudo, eu não me lembro de ter dado essa aula para os alunos da — justificava o professor Scales, quando foi interrompido por Madame Flowers.
— Pois, então, senhorita Pewehall e senhorita Pentagron?
— Íamos encontrar Jonnatha na torre oeste, ele está com o meu livro de Quadribol Através dos Séculos. Foi quando trombamos com Michell — explicou Guilia.
O pescoço já latejava de tanto que se virava para um e para outro, exceto por Rúbeo, que viera para fazer uma boa ação e, agora, estava preso aqui, conosco.
Os professores voltaram a debater e as bochechas de Madame Vitally tornaram-se vermelhas como uma chaleira em combustão. Eu temia que, em algum momento, suas orelhas começassem a fumegar.
— Mas, afinal, que é que acontecera com Michell? — Vozeirei e tive a impressão de que isto custaria ainda mais pontos à minha comunal.
— Não temos certeza, senhorita Antares. Alguém alterou a memória da senhorita Diggory e, possivelmente, a usara a azaração do corpo preso — explicou-nos o professor Dippet.
— M-mas... memórias alteradas? — O choque diminuíra o timbre da minha voz. — Como algum de nós poderia fazer isso?
— É exatamente a questão onde queremos chegar — a firmeza de professor Dumbledore faz-me preocupada. Por que alguém — quem-quer-que-seja —, atacaria Michell que tem medo até de uma borboleta?
— Alguma outra pergunta? — Indagou Madame Flowers com um azedo na voz.
— N-não, senhora.
— Bom! — um suspiro frustrado cortara a garganta de professor Dippet, uma voz fraca e calma que ide a relaxar a tenção no ambiente. — Receio que restara deixá-los voltar a sua comunal.
— Mas, professor, — choramingou Loreynne —, e quanto a quem fez isto com Michell?
— Acalme-se, senhorita Pewehall. Vamos continuar as nossas buscas e vamos encontrar o culpado. Ele será punido dentro das leis de Hogwarts e isto é tudo — explicou-a. — Senhorita Antares e senhor Riddle, levem seus alunos de volta aos dormitórios. Oh, sim! Você também deve voltar à sua comunal, senhor Hagrid, e nenhuma palavra sobre este assunto deve ser trocada.
— Não, senhor!
Os olhos de Tom contemplaram e analisaram o alto rapaz. De sobrancelhas pouco franzidas, ele sorriu pelo canto dos lábios, antes de dirigir-se à porta junto a Malwina e Fredderyc.
— Senhorita Foundric, já pode ir.
— Obrigada, Madame Vitally — ela correu para a porta, onde Riddle e os demais ainda a esperavam.
Guilia e Loreynne a seguiram nas pontas dos pés. Ameacei virar-me para sair também, mas, eis que o corpo travou e a ideia escapuliu instantaneamente da minha cabeça. Notando-me parada, Guilia e Loreynne abanam as mãos para me chamar a atenção. Eu as refuto.
— Algum problema, senhorita Antares?
— Professor Dippet, com todo o respeito — os pescoços viraram-se em minha direção simultaneamente. Olhares iracundos e entressonhos que fazem-me retrair. — E quanto a minha punição?
— Por hora, senhorita, — interviu Dumbledore, — contente-se com os pontos debitados. Mais tarde, com certeza, voltaremos a conversar sobre o assunto — eu aceno com a cabeça. — Seus amigos a estão esperando, creio eu — ele apontou a porta semiaberta.
— Sim, senhor.
— Boa noite, senhorita Antares!
Perguntas e mais perguntas sovaram a minha cabeça naquele fio de passos até a porta. Mal agarro a maçaneta, Loreynne e Guilia cambaleiam, por pouco, não caindo para dentro. Estavam todos ali. Rúbeo, Malwina, Fredderyc, Alexandra e também Riddle — mesmo que um pouco mais afastado. Minhas sobrancelhas se franzem, e este há de me dar as costas, à passos lentos.
— Só queríamos saber se você seria expulsa agora ou amanhã de manhã — explicou ele, e deu de ombros.
— Não é nada disso, Anne, é que — a voz de Loreynne se sessou e ela abaixou a cabeça — ...eu não sei como te agradecer. Eu sinto muito! — o rosto se ergue, procurando por Alexandra. — Eu sinto muito.
— Sente, é? Pois você é uma grande idiota — retrucou. — Os meus pais vão saber disto.
— Tá bem! Por hoje, já chega — interveio Malwina, pegando Alexandra pelo braço, — vamos logo.
Parada, meus olhos observam o grupo da Sonserina se afastar junto de Rúbeo que ia com eles. Ao meu lado, Loreynne continuava inquieta e, consolando-a, estava Guilia.
— Anne, eu...
— Não, Lore! — digo por fim. — Acho que, realmente, já chega...
Tomamos as escadarias sem trocar uma única palavra até a aldrava, o corredor brevemente escuro pelos castiçais fracos.
"Não se pode me ver, não se pode me sentir;
Não se pode me cheirar, não se pode me ouvir.
Estou sob as colinas e além das estrelas;
Cavidades vazias — eu ei de enchê-las.
De tudo venho antes e venho em seguida,
Do riso, sou a morte; sou o fim da vida."
Os olhos se apertaram mandando ao cérebro que funcione e, longos segundos passamos encarando a águia avermelhada, como se implorássemos por ajuda.
— És o escuro — concluo finalmente, e as portas abriram-se para nós.
Ninguém aqui dentro parecera à par da situação, exceto, talvez, Melissa, e era melhor deste jeito. Instruí Guilia e Loreynne a ignorarem o assunto e, quando Peter vem nos tirar satisfação, explicamos que estávamos na ala hospitalar com Michell. Nada de detalhes, nem mesmo à Melissa.
Ao contrário do que pensei, quando me deitei, as perguntas sem respostas continuaram rondando minha mente, o que mais do que retardou o meu sono. Trato de Criaturas Mágicas... eu tinha quase certeza de que Scales iria dizer que ainda não havia dado aula à Sonserina, mas Tom estava na biblioteca, afinal. Estudando o quê, eu não sei. Criaturas Mágicas, tenho quase certeza que não.
Que frustrante! É impossível tentar adivinhar o que ele passara tanto tempo lendo. E mais... que sibilo estranho fora aquele que juro que ouvi? Girei-me de um lado para o outro na cama e nada. Nem o cansaço, nem o tardar da madrugada; nada fora capaz de relaxar o meu corpo para eu dormir. Deixei a cama na ponta dos pés e fui até uma das janelas, trazendo o travesseiro comigo. Sentei-me à beira desta e peguei-me observando o céu estrelado sobre à floresta, e o reflexo da lua nas águas calmas.
O sol surgiu por trás do lago negro, lá longe, os raios insinuando-se entre as nuvens lilases que privam o azul do céu. A luz dourada ofusca os meus olhos e eu os abro prontamente, o ardido os secando, e nada mais vejo do que um brilho absurdo os forçando a fechar. Viro o corpo e despenco para o chão, as costas ardem e os braços ficam hiperbolicamente pesados, as pernas se recusam a mexer, dormentes, e sou vencida pela preguiça que faz-me permanecer por longos minutos deitada ali.
Talvez, tudo o que eu precisasse fosse um banho bem quente e um café da manhã bastante reforçado, como os que mamãe sempre fazia. Ao chegarmos Guilia, Loreynne, Murta e eu no Grande Salão, porém, os olhos severos de professor Dumbledore, na mesa principal, traz a mim as memórias do dia anterior. Meu estômago embrulha instantaneamente.
— Anne — Murta tocara a minha mão e eu me sobressalto um pouco assustada, — você está bem?
— Oh, sim — forço um pequeno sorriso — só... bom! Um pouco dolorida.
— Ela só quer comer em paz, não está vendo?
— Loreynne! — repreendo-a e, de lábios franzidos, ela se cala.
Os olhos de Murta ainda estão me analisando, eu percebo, e ela mal consegue comer de preocupação. Sinto-me grata, porém, inconveniente. Eu a incentivo a comer e faço o mesmo, esforçando-me para parecer bem o suficiente. A mesa de professores está se esvaziando e preparo-me psicologicamente para o início do período. Deixamos o Grande Salão neste instante e, no caminho para o banheiro, Loreynne se separa de nós, prometendo que iria rapidamente à ala hospitalar para ver Michell, mas não se atrasaria para a aula.
Debruçada na pia, encontro-me encarando o reflexo no espelho, enquanto os dedos acariciam a moldura na torneira e eu engulo seco, preocupada. Será que mandariam uma coruja aos meus pais? Que eles iriam pensar? Eu seria expulsa hoje? Poderia continuar com minha varinha ou eles iriam levá-la? Eu arfo. Estavam, ambos, tão orgulhosos de mim semanas mais cedo. Torturantemente, porém, pego-me imaginando seus olhares de decepção. Estava com medo do que iria me acontecer, e ver Loreynne e Guilia tão tranquilas, despertava-me uma pequena inveja. Seria possível que elas não entendiam a gravidade do problema? O dia anterior fora um completo desastre, só eu quem me importava, no entanto.
— Está brincando com a torneira? — Murta aproximou-se, vindo lavar as mãos.
— Só estou pensando — expliquei com um sorriso amarelado.
Um suspiro cortou-me os lábios e meus olhos desluziram o reflexo. Girei o registro, caturrada, mas nenhuma única gota ei de ressudar. Eu resmungo.
— Que está fazendo, Annellyze? — Indagou com voz de repreensão.
— Eu quero lavar o rosto.
— Na torneira que não funciona?
Um rubor me tomara as bochechas, e eu franzi a boca. Afastei as mãos da pia, e Murta gargalhou fraquinho, antes de me pegar pelos ombros.
— Mas o que há, hein? — Disse arrastado. — Parece até que levantou com o pé esquerdo.
Minhas sobrancelhas franziram, e eu encarei os meus pés. Murta soltou um muxoxo engraçado, e teve de forçar o punho contra a boca para não escandalizar de tanto rir.
— Não tem nada a ver com os pés, quer dizer que não acordou bem.
Um riso fraquinho me escapa, por mais que não entenda, exatamente, que uma coisa tenha a ver com a outra.
Murta abaixou o rosto e, através dos óculos, parece analisar as torneiras. Inclino-me e faço o mesmo, com medo de estar perdendo alguma coisa.
— Entendi — diz arrastado.
— O que?
— Essa torneira — levantou-se com um olhar óbvio.
Há uma pequena moldura esculpida no cobre, algo como uma pequena serpente.
— Era o que estava tateando, não era?
— Acho que sim — dou de ombros.
— É claro que não vai funcionar direito. É da Sonserina! — Ressaltou. — No mínimo, deve sair algum bicho daí.
— Um montão de besouros? — Brinquei.
— Ou uma poção com gosto ruim.
Os dentes agarram os lábios, mas o riso escapou-me de qualquer forma. Murta pareceu-me radiante, como se acabado de conseguir uma proeza.
— Não vai me dizer o que está havendo?
— Não, nada! Só... coisas da minha cabeça.
— Mamãe sempre alerta que, se pensar demais, pode perder a cabeça — cruzou os braços e eu sorri novamente.
Por mais estranhos e inconvenientes que fossem os ditados dos trouxas, eram engraçados e tinham uma pequena propensão em fazer-me sentir melhor.
— Existe meios mais fáceis de se perder a cabeça do que pensando — digo, enlaçando-a pelo braço.
— Não! Verdade?
— Claro que sim. Pergunte ao senhor Nicholas — brinquei e Murta gargalhou, dando-me um pequeno empurrão.
Voltamos ao Salão Comunal para buscar o material e despedimo-nos lá. Murta segue para a aula de Feitiços, enquanto Guilia e eu temos aula de Transfiguração. Loreynne, nem sinal.
Dera-nos tempo de ocupar as carteiras e professor Dumbledore entrou, acionando a varinha. As portas se fecharam e ele se dirigiu até a escrivaninha, onde repousara o livro muito velho de páginas carcomidas, uma cortina de pó mesclando o ar, na frente dos olhos que observavam as páginas por cima dos óculos.
— Bom dia — cumprimentou-nos e a sala o respondeu em couro. — Livros abertos na página treze, Desintegração, por favor. Quem poderia me explicar em que ponto a usamos e o porquê?
Eu acabara de encontrar a página quando Dumbledore se aproximou, apoiando-se em minha mesa, suas sobrancelhas arqueadas e os cabelos me caindo como uma cachoeira acaju.
— Senhorita Antares?
— Ah, — engulo seco, — a desintegração é uma fase entre o bruto e a transfiguração. Antes de transfigurarmos um objeto em outro, ele há de ser desintegrado primeiro.
— Correto — disse arrastado. — Cinco pontos para Corvinal.
De sobrancelhas arqueadas, acompanho-o caminhar pela sala com as mãos entrelaçadas às costas, tagarelando especificações do feitiço e pequenas extensões. Eu apoio um dos cotovelos sobre a mesa e a cabeça sobre o braço.
— Repitam comigo: "Evanesco".
A sala repetiu em coro e o professor Dumbledore assentiu. Continuou a passeata pela sala ditando exemplos. "Vipera Evanesca", um feitiço usado para desaparecer com cobras conjuradas através do feitiço Serpensortia, e apenas neste caso.
— Sim, senhorita Loial — dissera à Katty, que levantara a mão.
— Para onde vão os objetos desaparecidos? — Professor Dumbledore remediou por um segundo.
— Bem... — arquejou, — para a não-existência, até que sejam conjurados novamente.
Os olhos confusos de Katty se perderam pela sala, mas ela prontamente acenou com a cabeça. Várias e várias vezes, passando-se por entendida.
— Muito bem —, disse com vigor. — Agora, alguém poderia demonstrar? Senhorita Smith?
Hepzibah ajeitou a postura e agarrara a varinha ligeiramente. Professor Dumbledore deixara um pequeno pedaço de pergaminho em sua mesa. Ela pigarreou:
— Evanesco!
O pergaminho perdeu ainda mais tamanho, até desaparecer completamente. Não lhe restara nem uma poeira.
— Excelente.
A aula teria sido ainda mais interessante, se eu não estivesse tão nervosa. Fora encerrada neste mesmo minuto, e mal recolho os meus livros para escapulir dali com Guilia, a voz ardil interviu.
— Senhorita Antares, teria um momento?
Parei à centímetros da saída, Guilia de sobrancelhas franzidas e lábios crispados. Afastava-se à passos lentos, até Katty, enlaçando-o por um lado e Hepzibah por outro, escoltando-a para longe. Eu suspiro, observando as portas se fecharem, prendendo-me aqui dentro.
— Sente-se, senhorita Antares — convidou-me, ajeitando-se em sua cadeira. Eu aperto os livros nervosamente contra o peito e aproximo-me. — Temos de falar sobre o ocorrido de ontem.
— O senhor vai me expulsar? — Precipitei-me.
Dumbledore me apontou a cadeira diante de sua mesa e eu cruzei a sala até lá. Sentei-me nervosamente e apertei as mãos. Somente então, ele respondeu:
— Apenas o professor Dippet tem autonomia para isto, não eu — ele negou com a cabeça.
— Professor, e-eu — professor Dumbledore cortou-me e eu mordi a língua.
— Madame Vitally, a diretora da Corvinal, recomendou, noite passada, ao diretor, a expulsão da aluna que atacou a colega no corredor. Disse que não toleraria atitudes como estas em hipótese alguma — abaixei a cabeça.
— Eu entendo... — mas não queria entender, entretanto.
— ...contudo, —retomou, — a aluna a quem se referia era a senhorita Pewehall.
Meus olhos quase saltaram para fora, e meu rosto se ergueu bruscamente.
— Um líder, senhorita Antares, deve defender a sua casa e eu admiro a sua atitude de querer, também, proteger as suas amigas..., mas acredito que cada um deve se responsabilizar por suas atitudes — advertiu-me. — Nunca devemos agir em um momento de raiva, tristeza ou felicidade extrema. São em momentos como estes — momentos em que estamos à flor-da-pele —, que tomamos atitudes erradas.
"A senhorita Pewehall não será expulsa, eu lhe asseguro, no entanto, irá cumprir detenção ajudando Madame Vitally na ala hospitalar. Uma advertência escrita fora mandada aos seus pais, e isto é tudo", continuou.
— E quanto a mim? — Intervi. Dumbledore arqueou as sobrancelhas. — Eu menti para o senhor, e não impedi que uma de minhas alunas atacasse uma colega de comunal.
— Ah, senhorita Antares — a voz se arrastou. — És apenas uma monitora. Uma aluna, não professora. Está aqui para aprender, e mesmo nós aprendemos mais a cada dia. Se nem mesmo Madame Vitally conseguiu intervir — bem! Eu duvido que a senhorita conseguisse. — Eu assenti e tenho certeza que, na ponta dos lábios, vi Dumbledore ameaçar sorrir. — Acho que tenho cem pontos para devolver à Corvinal, não é verdade?
— Mas...
— E mais dez pontos por fazer jus à tiara de Heloísa — ele me apontou a tiara com laço que eu usava, usada antes por mamãe, e vovó antes dela. Eu sorrio orgulhosamente.
— Obrigada, professor Dumbledore.
— Pode ir, Anne.
Recolhi meus livros e esgueirei-me da cadeira, o palpitar do coração agradavelmente acelerado, forçando meus lábios a sorrir. Já deveria estar atrasada para a aula de Runas Antigas, mas creio que professor Lancaster esperaria por mim.
Agarrei a maçaneta, e esta virou sozinha e puxou, como se tentasse fugir de minhas mãos. Desequilibrei-me por um segundo, sendo puxada pela porta, e acabei por trombar com o aluno do lado de fora. Nosso material caiu, misturando-se pelo chão do corredor e, a minha frente, eu vejo, está Tom Riddle, suas sobrancelhas retas e os olhos encarando-me penosos. Franzi o cenho e torci os lábios.
— Foi sem querer, poxa — resmunguei, afastando a túnica para me agachar.
— Você não consegue ficar atenta por mais de cinco minutos — arqueio o rosto para debater, e deparo-me com seus lábios franzidos, as maçãs do rosto sutilmente marcadas, até que me seja revelado o seu sorriso.
Eu engulo seco, sem palavra alguma.
Tom abaixou-se também, e recolheu o livro de Transfiguração. Os dedos se esgueiraram para perto de mim, apoderando-se de um livro escamoso de capa verde, o título em destaque em prata, que não reconheço da lista de material, mas sim como sendo o mesmo de ontem, que ele tanto me impediu de pegar.
— Segredos e Crenças de Oliver Salazar? — Mal termino de ler, Tom o puxou com uma pressa desenfreada e o escondeu. — Que livro é este? Não me lembro de tê-lo visto na...
— Não é da sua conta, Antares — exasperou. O sorriso nem dera mais sinal no rosto assomado.
Tom levantou-se e disparou para dentro da sala e, por cima dos ombros, ainda o acompanhei com os olhos, até que ele desaparecera onde não conseguia enxergar. Malwina passou por mim gargalhando, Alexandra pendurada em um dos braços, Paul Rosier em sua acossa. Tanta irritação de repente, e por causa de um livro. Por mais caprichoso que fosse, por alguma razão, isso não me soava como só mais uma de suas cismas. Ainda no chão, eu mordo o lábio inferior, e empurro os cabelos para trás dos ombros, pensativa.
— Quer ajuda, Anne?
Eu balanço a cabeça, pegando os dois livros próximos, e Jonnatha se abaixa para pegar o último. Retraio os ombros, sentindo as bochechas ardendo levemente, e recupero-o das mãos dele.
— Obrigada!
Os lábios rosê se curvam abertamente e os cabelos na cor de areia molhada refletem a bonita luz do sol. Seus olhos avelã me sorriem igualmente, e este passa por mim, adentrando a sala de Transfiguração. As portas se fecham em seguida, e eu arquejo, ainda encucada com a situação.
— Oliver Salazar, hein? — Boquejo baixinho. — Eu vou descobrir quem é, você vai ver...
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