Capítulo Único
Platão disse que aprender é mudar posturas.
Mudar.
Esses dias, eu vi uma frase no Facebook de um psicanalista chamado Erich Fromm que dizia; Você tem que parar para mudar de direção.
Parar.
Dar uma pausa.
Respirar.
Tomar uma decisão.
E mudar.
Fiz essa lista mental enquanto dirigia de Dublin até onde estava naquele instante. As Falésias de Moher é o meu lugar favorito do mundo (e olha que eu estive em muitos lugares ao longo dos anos). Por isso, quando eu peguei o Liam com outra na cama pela quinta vez, não pensei duas vezes antes de ir até lá.
Tudo bem, que são mais de duas horas de viagem do centro (onde coincidentemente fica o apartamento dele), até aqui, mas sem dúvidas vale a pena.
Vale muito a pena, ver o pôr do sol de cima, e as aves marinhas sobrevoando as águas procurando alimento. É um tranquilizante natural fechar os olhos e ouvir o barulho das ondas batendo nas rochas, e é exatamente o que faço. O cheiro de água salgada é dominante ali, e mesmo muitas pessoas não gostando desse fator, é outra coisa que me acalma.
Abri os olhos desviando-os para o castelinho cujo nome, por coincidência, é o sobrenome de Liam.
Liam.
Ele era o motivo de eu estar ali.
Conheci Liam no meu antigo trabalho em Nova York. Eu trabalhava em um café no centro, e ele foi passar as férias de verão na cidade que nunca dorme, e sempre frequentava o café em que trabalhava.
Por que Nova York?
Até hoje eu não sei.
Eu estava terminando o último ano do ensino médio, e trabalhava no café para juntar dinheiro para pagar minha faculdade, afinal não venho de uma família rica, e nem perto disso.
Eu era nova. Menina boba. Me encantei pelo irlandês do sotaque forte e seu sorriso travesso. Liam foi uma aventura para mim, me mostrou um mundo a qual nunca tinha conhecido.
E eu me apaixonei perdidamente.
Os dias que passou em Nova York, foram os melhores da minha vida. Nos divertimos muito. Mas ele tinha que ir embora, ele tinha uma vida em Dublin e não estava disposto a deixá-la por uma aventura qualquer.
Porquê... pensando agora, é isso que fui para ele. Apenas uma aventura qualquer.
Mas eu era boba, ingênua, e na minha opinião agora, muito burra.
Quando ele se foi, o meu coração se partiu em mil pedacinhos. Eu não conseguia dormir, comer, nem estudar. Terminei o ensino médio a força. Nem me concentrar no trabalho eu conseguia mais.
Eu não poderia viver sem ele.
Foi o que eu pensei na época. E por isso peguei todo o dinheiro que tinha juntado para a faculdade e voei para Dublin. Para mim, a única coisa que importava era aqueles olhos cor de terra.
Deus, como eu fui burra!
No primeiro ano, Liam foi perfeito. Me levou a lugares que nunca tinha ido. Me mostrou o mundo dentro e fora da Irlanda, e eu o amava cada dia mais.
Amava aquele que ele demonstrava ser.
Mas o meu reino desabou.
O príncipe encantado, que de encantado não tinha nada, virou um sapo.
Liam começou a controlar minha vida. O que eu fazia e quando, com quem eu falava, como eu me vestia, até o meu cabelo me obrigou a cortar. Disse que eu estava ridícula com aquelas ondas loiras, e que gostava de mulheres de cabelo curto.
Mas eu o amava.
Decidi relevar tudo. Até que eu o peguei na cama (a nossa cama!), com uma garota de programa montada nele.
O que eu fiz? O lógico, arrumei minhas malas e disse que iria embora. Liam chorou, e pediu perdão de joelhos e jurou nunca mais me trair.
E o que eu fiz? Como a idiota apaixonada que era, aceitei suas desculpas.
E isso aconteceu de novo.
E de novo.
E de novo.
E novo, porém dessa vez eu não aguentei e não fiquei para ouvir suas desculpas. Já que a mulher que estava com as pernas enroscadas na cintura dele era ninguém mais, ninguém menos que a que dizia ser minha melhor amiga.
Eu nem percebi que estava chorando até sentir as lágrimas molhando meu rosto. Fitei o horizonte e vendo o sol se escondendo por entre as nuvens.
Uma imagem digna de uma foto. Pena que tinha esquecido meu celular em casa.
A quem eu quero enganar? Lá não é a minha casa. Nunca foi.
Desde que conheci esse lugar, eu sempre tive uma vontade insana de sobrevoar ali em um parapente. Mas Liam dizia que eu não iria conseguir e iria acabar me matando, já que não sabia nadar.
Assim como não iria conseguir passar na universidade.
E adivinha? Com tanto incentivo da parte dele, eu não fiz nenhuma das duas coisas.
ㅡ Eu sabia que te encontraria aqui. ㅡ Eu não precisava me virar para saber se era mesmo ele. Conhecia o timbre da sua voz a quilômetros de distância.
Não mexi um músculo se quer.
ㅡ Olha, eu posso explicar...
Mas eu não o deixei terminar. O cortei me virando e encarando suas íris castanhas.
ㅡ Explicar o que? Como foi a sensação de foder a minha melhor amiga?!
ㅡ Layla... ㅡ Me reprendeu ㅡ Por favor, fale mais baixo.
ㅡ Ah, então essa é a sua preocupação!? Que as pessoas saibam que você me traiu!? ㅡ Dessa vez eu gritei mais alto fazendo o mesmo arregalar os olhos.
ㅡ Layla... ㅡ Sussurrou me repreendendo outra vez.
ㅡ Não, Liam! Chega! Eu não quero mais! Cansei!
ㅡ O que...?
E mais uma vez eu o cortei
ㅡ Eu cansei de suas desculpas e suas lágrimas falsas! Eu pensei que você poderia mudar, eu pensei que um dia você enchergaria tudo. Mas não... Você nunca vai mudar...
ㅡ Layla... ㅡ Meu nome em sua boca era como uma súplica, como se estivesse pedindo para eu não continuar.
ㅡ Quando eu estou com você, meu mundo é azul. Tudo é triste. E o pior é que eu não quero outro tom de azul além do seu. Nenhuma outra tristeza do mundo seria serviria.
Não conseguia encarar Liam e não sabia que expressão havia em seu rosto.
ㅡ Você sabia que uma parte de mim ficou em Nova York. Com... Com ele... Você foi o meu escolhido. Eu desisti da minha faculdade, meu sonho, tudo por você. Você sabia que eu tenho uma longa lista de nomes, e como cada um deles me destruiu. E você sabia que o nome que está no topo é daquele que deveria me dar a vida, não destruí-la. Você sabia como ainda dói debaixo das minhas cicatrizes.. que eles me destruíram...
As palavras sairam da minha boca com soluços.
Dei uma pausa respirando fundo tomando o fôlego só de relembrar do abuso e das marcas que aquele infeliz me deixou.
ㅡ Mas o que você fez... ㅡ Minha voz era um sussurro quase inaudível. ㅡ Foi tão sombrio quanto.
E eu finalmente o encarei. Ele encarava o chão, e eu fiquei um pouco satisfeita de ver certa culpa em sua feição. Bom ver que ele reconheceu seus erros.
ㅡ Querido, isso é tão difícil quanto quando eles me destruíram...
Ele ainda não me olhava. Eu já sabia onde essa conversa iria chegar, mas tinha uma esperança idiota no meu peito que as coisas poderiam ser diferentes. Que poderíamos voltar a ter dezoito anos e sair por aí.
Porque... Esse amor infiel dele, era a única farsa na qual acreditava. Apesar de eu saber o que era o certo a se fazer, eu ainda acreditava que o amor poderia resolver tudo.
ㅡ Me dê um motivo.
Ele finalmente me encarou e franziu as sombrancelhas confuso.
ㅡ Me dê um motivo para não acabar com tudo agora mesmo. Me dê um motivo para não voltar para Nova York e nunca mais te ver.
Silêncio.
Ele me olhava com uma expressão neutra.
Eu realmente esperava que ele dissesse aquelas três palavras.
Mas não... O amor não vale de nada quando se ama sozinho.
Burra, burra, burra!
ㅡ ME DÊ UM MOTIVO!
Eu gritei, mas ele não se abalou. Eu gritava essas quatro palavras como se minha vida dependesse disso. Tentei esmurra-lo, mas ele mesmo assim não se abalou. Ele tentava me empurrar para longe dele, mas eu o trazia para perto.
Nem me dei conta que estava na beira do desfiladeiro, mas isso não importa. Eu só precisava desabafar toda a minha angústia esmurrando o peito definido do homem a minha frente.
ㅡ Layla, se acalma por favor. ㅡ Ele tentou me dizer mas eu não conseguia parar de gritar e chorar.
Eu não acredito! Depois de tudo? É assim?
ㅡ Layla, você vai..
Nem se quer consegui ouvir sua frase completa, pois escorreguei na grama molhada me desequilibrando e caindo. Liam tentou me segurar, mas suas mãos escorregaram na manga longa da minha blusa. Eu gritei. Gritei como nunca havia gritado antes.
Eu devo ter batido a cabeça em alguma rocha, pois fiquei zonza e vi tudo embaçado. Escutei o grito de Liam chamando meu nome, distante.
O choque ao cair na água gelada me fez estremecer. O mundo a minha volta era azul quando abri os olhos, e me arrependi logo depois, já que os mesmos arderam na hora por causa do sal da água.
E então era assim que tudo terminava?
Era ali que a vidinha pacata de Layla Baker acabava?
Era ali o fim da linha?
Linha.
Eu devo ter batido muito forte a cabeça já que poderia jurar que vi uma linha dourada em volta de mim.
Eu não tenho certeza, estava tudo embaçado e confuso.
A última coisa que me lembro são gritos. Muitos gritos pedindo socorro, antes de tudo ficar escuro.
1630 palavras
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