+7 - Theo Peterson - 2016
Estar sozinho pode ser aterrorizante, mas não estar sempre pode ser pior.
O baque surdo não havia sido alto, mas acordei assustado, com meu coração querendo explodir dentro do peito.
O abajur não ligou. Então, me levantei e fui até o interruptor do quarto. Também não funcionou. Senti um frio no estômago. Depois de contar até dez de trás para frente, como mamãe tinha me ensinado, me senti melhor.
Alcancei a janela. Do lado de fora, a escuridão sinistra combinava com o silêncio. Parecia um bairro abandonado. Olhei o relógio na cabeceira da cama, parado às 11:30 PM. Para mim, era muito mais tarde.
De qualquer forma, voltei para a porta e, por pouco, não corri do meu reflexo no espelho antigo. Eu só tinha sete anos, uma cabeleira ruiva e um pijama do Pernalonga, como essa imagem poderia quase me matar do coração? Ah, cara...
Por um segundinho, pensei que o barulho que me acordou tivesse sido um pedaço de pesadelo. Resisti bem a vontade de chamar meus pais. Não sabia o que me dava aquele medo, mas achei mais seguro ir até o quarto deles quieto.
A roupa de cama estava intocada. Senti falta do copo d'água na mesa de cabeceira da esquerda e de um livro no da direita... Por que não tinha nenhum sinal dos meus pais?
As cortinas, agitadas pelo vento, formavam sombras arrepiantes. As portas da sacada estavam abertas. Pensei ter visto minha mãe debruçada no guarda-corpo, mas, na verdade, era uma estátua que estava ali. Um anjo tocando trombeta.
Decepcionado, voltei pelo corredor. Pisei só nos ladrilhos brancos do chão cor sim cor não, porque a escuridão fazia os quadrados pretos parecerem armadilhas. Então, desci as escadas até a sala de estar.
Tive a impressão de que uma parede brilhava. Um arrepio subiu das minhas costas até a nuca, assim que a toquei. Levei alguns segundos para me lembrar que aquela parede estava onde a porta da saída costumava ficar.
Fechei os olhos. Precisava contar de trás para frente de novo. Quando terminei a contagem, me deparei com o olho mágico e o trinco de corrente. Nada de porta.
Devo estar sonhando... É isso. Só tenho que acordar e tudo vai voltar ao normal.
Balançar a cabeça não me ajudou. Eu ainda estava ali. Então, decidi espiar pelo olho mágico.
Estava muito escuro do outro lado. Me esforcei para conseguir enxergar, até que a iluminação veio de repente, não muito forte, mas encarar me fez enjoar. Tive que me afastar. Ainda assim, eu quis muito saber o que era aquilo.
Quando olhei de novo, vi um olho arregalado... não um normal. Aquela coisa era monstruosa, branca e acesa. O medo desfez minha curiosidade. Ao mesmo tempo em que eu dava passos para trás, a corrente deslizava do trinco... até que acabou pendurada.
As batidas do meu coração vinham na frente dos outros sons. Continuei me afastando, sem conseguir virar as costas. A luz ficou forte, enquanto um golpe fazia a parede vibrar. Outro, mais outro, e uma rachadura apareceu.
Depois de uns segundos, o clarão foi embora junto com os golpes. Em compensação, não demorou até ouvir de novo o baque que me acordou, só que mais alto. Continuou de um jeito lento, como os passos de alguém pesado demais.
Fugi para a cozinha, fechei a porta e me escondi embaixo da mesa. O ranger da porta voltando a abrir parecia gritos nos meus ouvidos. O vaso de planta e os porta-retratos foram arremessados longe. Eu nunca tinha feito tantas lágrimas e suor, sem precisar piscar ou me mexer.
A coisa tinha garras em vez de unhas. Fazia buracos na parede com a facilidade que uma faca afiada corta manteiga. Apertei os olhos pelo ruído que elas faziam. Senti as pontas dos meus dedos gelados na cabeça, enquanto as palmas cobriam minhas orelhas.
Não dava para aguentar tanto tempo naquela agonia. Me forcei a encarar. Eu não enxergava o monstro, mas vi a mensagem dele, enquanto ainda a escrevia na parede à minha frente.
"Vou contar até dez e vou te pegar"
Arregalei os olhos para o desenho de número um a se formar.
"1..."
Por mais impulso do que coragem, corri para alcançar a escada na sala de jantar.
"2..."
Subi os degraus o mais rápido que pude, mas parei no fim do lance, porque não encontrei a porta do meu quarto no final do corredor. O segundo andar tinha mudado completamente.
"3..."
Aquele corredor estava ligado a outro.
"4..."
Depois de atravessá-los, eram três caminhos para seguir. Escolhi a direita.
"5..."
Não dei muitos passos até que fui obrigado a virar à esquerda.
"6..."
Novas opções surgiram. Entre a frente e a direita, escolhi continuar a direita.
"7..."
Meu pulmão queimava, mas eu não podia parar.
"8..."
Como uma luz no fim do túnel, vi a porta entreaberta do meu quarto.
"9..."
Não olhei para trás quando ouvi os passos furiosos logo atrás de mim. Usei o tempo do último número para entrar no quarto e trancar a porta.
O barulho parou e uma dor forte logo tirou minhas forças. Meus joelhos dobraram. Havia uma mancha crescente na camisa do meu pijama, escura e molhada. Meus dedos ficaram vermelhos quanto a toquei.
Antes de tudo ficar escuro demais, consegui ler a mensagem na parede do meu quarto.
"Te peguei"
***
Despertei sem fôlego, porém me acalmei assim que identifiquei meu quarto atual. Os roncos de meu colega, na cama debaixo da beliche, superariam qualquer sono barulhento que eu pudesse ter. Uma vez que não o acordara, eu podia continuar fingindo que não tinha aqueles pesadelos.
Respirei fundo, cobrindo meu rosto com as duas mãos. Eram 4:29 AM. Faltava um minuto para meu despertador tocar. Desliguei antes. Sim, eu precisava levantar antes do sol para meu primeiro dia de trabalho.
Não levei muito tempo para me aprontar. Tomei café no caminho e, sem pensar em nada, peguei a condução. Após encontrar um lugar vago, procurei fazer uma chamada.
— Oi, pai.
"Theo, o que aconteceu?"
— Nada. Só tô ligando pra saber se tá tudo bem.
"Às cinco da manhã? Misericórdia..."
— A mãe tá bem?
"Ué? Está. Por que...?"
— Então, tudo bem. Pode voltar a dormir.
"Espera, fala pra mim o que houve."
— Não houve nada. — Suspirei. Teria que distraí-lo para que não insistisse no assunto. — Consegui um estágio, vou começar hoje e tô um pouco nervoso.
"Não há por que ficar nervoso, meu filho! Isso é muito bom! Por que não disse antes?"
— Eu não queria dizer até que estivesse certo.
"Te desejaria boa sorte, mas você depende menos disso do que pensa. Vai dar tudo certo."
— Obrigado, pai.
Aquela conversa me tranquilizou, a ponto de melhorar meu humor, apesar da caminhada na estrada de terra que eu ainda teria pela frente quando descesse do ônibus.
Antes do esperado, me vi diante do novíssimo Sanatório Penitenciário Miraculum. Não dava para desassociá-lo da imagem da igreja que havia sido. Nem de longe seria o melhor lugar do mundo para um estagiário de enfermagem, mas foi a melhor proposta que recebi.
Da recepção, fui guiado até meu chefe: Dr. Gregory Durward. Dias depois da indicação da faculdade, ele me fez uma entrevista, em que pude notar que além de ser um homem sério, muito bem apessoado e articulado, ele também era carismático com seus potenciais funcionários.
Dr. Durward já tinha me adiantado bastante sobre o funcionamento do sanatório, então restava apenas me apresentá-lo.
O piso xadrez me distraiu. Era o corredor do peristilo, um ambiente que se assemelhava a um quintal cercado. Dois metros de uma estátua de anjo vigiava o local, ou avisava algo, com sua trombeta.
A lembrança do meu pesadelo chegou como um choque rápido. Enquanto eu dormia, nem passara pela minha cabeça que eu não era mais criança, ou que a casa de meus pais nunca teve aquela combinação de ladrilhos, tampouco uma escultura como aquela...
— Minha primeira ideia ao comprar o terreno foi manter a essência do Templum Dei — a voz de Dr. Durward ressurgiu. — Apesar de castigado pelo tempo, demolir seria como destruir como um encantador monumento de campo.
Somente concordei com a cabeça. Do meu ponto de vista, o resultado das restaurações tornava o sanatório tão elegante quanto horripilante.
Estávamos a caminho da sala dos doutores, onde fui apresentado a mais dois deles. Ambos foram amáveis. Conheci os demais funcionários conforme exploramos o ambiente. Antes da enfermaria, a ala dos detentos foi o último ponto de visita.
Exceto pelos gritos de um dos pacientes, tudo estava mais calmo do que pensei. Nos aproximamos o bastante para ver seguranças e enfermeiros controlando a situação. O detento se acalmou no momento em que recebeu medicação na seringa.
— Perguntas? — Dr. Durward me ofereceu a chance de expor curiosidades fora do meu ofício, provavelmente a fim de evitar que eu perguntasse aos colegas e incentivasse fofocas desnecessárias.
— Qual é o problema dele?
— Quer uma resposta científica ou uma resposta popular?
— Vi Jack da Lanterna sorrindo pra mim, com o indicador na frente da boca... — o detento falou embolado pelo efeito tranquilizante. — Deixei ele passar... Ele estava furioso, porque o namorado da Grace não tinha acendido as lanternas... O namorado da Grace mereceu a fúria dele, ela não, nós também não, mas ele não se importa... Ele tá vindo pra cá...
Então, o detento cedeu ao peso do sono. Dr. Durward olhava para mim com uma sobrancelha erguida. Não tinha ideia da reação que ele esperava de mim. De qualquer forma, não tive comentários.
— Ele matou Anthony Manson. Prendeu-o com ratazanas num caixão de vidro, que ele mesmo construiu no porão da vítima, e levou a cabeça de Manson, dentro da abóbora usada como máscara de Halloween, para presentear Grace Lohane, antes de matá-la empurrando-a da sacada.
— Kurt Turner...
Aquele crime era famoso. Deve ter passado dois meses nas capas dos jornais, um ano atrás. O objetivo da passeata da paz, no dia 31 de outubro, era protestar contra a violência que costuma acontecer nesta época do ano. No entanto, Grace Lohane caiu da sacada do próprio apartamento, no exato instante em que a passeata chegou a sua rua. Parecia uma mensagem... A população desta cidade não seria páreo para uma maldição.
Li que Kurt e Grace eram amigos. Ele tinha fácil acesso ao apartamento dela, à chave da casa Anthony e, pela aproximação com a vizinha, ele conhecia os horários em que o namorado dela saía de casa. Kurt trajava uma fantasia de Stingy Jack ao cometer o crime. As fotos que ele havia tirado com crianças chocaram a cidade inteira.
— O caso de Turner é uma mistura de debilidade mental e transtorno dissociativo de identidade. — Dr. Durward voltou a caminhar pelo corredor, me levando a segui-lo. — Aqui vai uma dica: evite dar assunto a eles. Você aprenderá muitas coisas, mas a base é nunca subestimar os detentos ainda que pareçam contidos.
— Vou me lembrar disso.
— Então, não vou precisar me preocupar.
— Onde estão os outros detentos? Só tem seis portas...
— Estamos em fase de teste. Ainda não temos espaço para abrigar devidamente um grande número de detentos. A reforma acabou, agora estamos ampliando.
Passamos por um corredor bloqueado por uma cortina de plástico, atrás de chapas de madeira pregadas.
— Eis o limite. Entre aí e nunca mais vai encontrar a saída.
Junto a dois tapinhas no meu ombro, Dr. Durward naturalizou seu comentário como uma piada. Contudo, senti um arrepio estranho nas costas, assim que olhei para lá.
Enfim, chegamos à enfermaria, o ambiente mais acolhedor, e não só por ser minha área. Apesar de nova e bem equipada, honestamente, o que mais me agradava era que as sombras da antiga igreja não existiam ali.
— É isso. Se tiver alguma dúvida, pode perguntar a qualquer um de nós. Seja bem-vindo à equipe, Theo.
— Obrigado, Dr. Durward.
— O banheiro da enfermaria está fechado, ainda precisa dos retoques finais. Mas pode se trocar no banheiro coletivo no fim do corredor à direita.
Quase me esqueci do meu uniforme. Ver a enfermaria me animou, me senti mais confiante... Isso não durou. Pensei que as surpresas teriam acabado, até que entrei no banheiro e me deparei com um espelho antigo de moldura dourada. Com exceção de que estava pendurado na vertical, acima das pias, era idêntico ao espelho em que vi meu reflexo infantil na última madrugada.
Sacudi a cabeça para não desviar de meu objetivo. Apenas troquei de roupa. No entanto, antes que eu saísse, assisti, através do espelho, a porta de uma das três cabines se abrir. Seu ranger soou como o sibilar de uma serpente.
Segurei a respiração e me virei. E, no mesmo instante, uma batida na porta da cabine ao lado quase parou meu coração.
— Puta que pariu! O lugar todo é uma papagaiada só, agora os banheiros... Por que sempre tem que ser medíocres?
Era o zelador. Ele franziu o cenho ao olhar para mim.
— É o novato?
— Sim.
— Se quiser cagar, melhor cagar de porta aberta ou pode acabar preso nessa merda aí.
Após o aviso, o zelador saiu. Evitei fazer hora lá também. Respirei fundo do lado de fora.
O dia era primeiro de outubro, e eu já tinha experiências bizarras para o mês inteiro. Bem, as pessoas normalizam o estranho quando têm bagagem de histórias. Eu não conhecia ninguém que não tivesse pelo menos uma história estranha para contar, nada que fosse importante de verdade. Certamente, eu estava vivendo algo, cuja imposição dos limites dependia de mim. Uma vez acordado, não deixaria um pesadelo me dominar.
🐍💀 🐍
Olá, leitor(a)!
Como vai a caçada pelos Easter Eggs? Está encontrando tudinho?
Comente aqui o que você conseguiu conectar até agora. 👉
Dedicado a LA28Oliveira. Ela me deixou um comentário de grande ajuda para a revisão deste conto. E, bem, esperar que minha vista cansada e disléxica não deixe passar nenhum erro é esperar demais, mas espero que tenha deixado passar tantos dessa vez. 😅
Te vejo por aí! 😈🖤
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