Volume 2 - Capítulo 2.2
Fomos recebidos pela perspicácia de Gray ao reentrar na sala de interrogatório:
- Que hospitalidade, senhor "tenente Dotson"! Como foi seu café e seu par de Dech Techs de cereja? – Perguntou Gray no momento em que eu e Ewalyn readentramos a sala de interrogação.
Eu e Ewalyn nos entreolhamos.
Aquilo era uma finesse dele? Provavelmente. Talvez sabia reconhecer pelo cheiro que ficava em minha boca, o que indicava que ele tinha um olfato supremamente superior ao comum. Alternativamente podia significar que ele nos tinha visto no pátio de alguma forma, o que aos olhos de um humano normal era impossível, pois estava confinado àquela sala.
Pensei que o advogado estaria enfadado pela demora ou pelo menos se mostraria parcialmente confrontado após a revelação pela finesse de seu cliente, mas mostrava-se tão apático quanto antes.
Puxamos as cadeiras e sentamos novamente. Eu antes e Ewalyn depois.
Coloquei os papeis na mesa. Ewalyn explicou o processo:
- Os documentos descrevem exatamente o que acabamos de concordar: o acordo é mútuo e exige cumprimento dos deveres das duas partes...
- Dispenso, senhora. Tomarei o cuidado de ler por mim mesmo – disse Williams tomando a papelada para si, arrastando-a pela mesa.
'Advogado.'
Esperamos uma mariposinha voar da esquerda à direita da sala.
Batuquei umas cento e cinquenta vezes na mesa,
Bufei.
Ewalyn trocou um sorrisinho afável.
Patrick Gray ficou ainda mais confortável colocando as duas mãos atrás da cara redonda dele. Era uma cara de bolacha. Uma cara de lagarto nojento que não enganava ninguém.
- Está me olhando com uma carranca tão intimidadora, senhor "tenente Dotson" - Ele sempre pronunciava o nome e o título com uma conotação pejorativa – por acaso me odeia? Logo eu, que vim fornecer informação de primeira qualidade!
- Está pronto! – Exclamou Williams antes que eu decidisse responder alguma besteira.
Quando eu menos esperava todos os papeis estavam rubricados e assinados. Eu não estava prestando muita atenção, mas poderia jurar que ele assinou aqueles papeis com mágica porque para eu não o ter feito o movimento dos braços para fazer uma assinatura daquele tamanho e com aquele nível de detalhe de caligrafia...
Agora faltava só começar a ouvir a delação. Ouvimos batidas na porta e a Rita do suporte entrou com o pedestal e a câmera para a gravação.
- Rita... Sr. Williams... Se nos permitem... É parte do processo que o delator fique a sós com o pessoal da interrogação. – Avisou Ewalyn.
Rita saiu-se com um aceno e o rato teve que balançar o rabo antes de aceitar e sair com o mesmo entre as pernas.
Finalmente! Estamos a sós, senhores. Que privilégio, não?
Não importa o quanto ele tentasse ser insensatamente chato com suas provocações levianas, dois agentes que passaram pelo treinamento beta nunca perderiam a compostura nem se distanciariam do ponto principal da negociação. Bastava não dar bola às provocações.
Contudo Ewalyn, ao contrário de mim, naquele momento parecia estar mais gostando do que achando enfadonho. Seu risinho afável transparecia cada vez mais. Seria uma masoquista?
- Sim... Estamos a sós. Comece. – Disse eu, enquanto tateava a caixa de cigarros no bolso de minha camisa.
- Mas é claro, mas é claro... Onde eu estava mesmo? Ora... É melhor eu começar do começo: para resumir... Verde vai por as mãos no convite. – Ergui uma sobrancelha. Gray prosseguiu:
- Verde já tem tudo planejado. Ele está atrás do convite desde o começo do ano. Não poupou esforços para botar as mãos no convite para o torneio de Uahmyr, inclusive quase matou uma policial para fazê-lo, lembra-se?
Se me lembro...
Gray prosseguiu:
- A grande dificuldade de usurpar o convite para um líder mafioso em posse de poder bélico paranormal não se trata de conseguir o convite em si, mas sim de onde achá-lo. Até então isso era muito difícil pois ninguém sabia onde o verdadeiro se encontrava. Contudo desde que aconteceu aquele pequeno acidente explosivo na Dalilah tudo ficou claro para todo mundo.
Ergui uma sobrancelha.
- É claro que Wilkinson agora porta o convite e o original! E tudo o que aconteceu nos últimos meses era apenas uma tentativa de fazer o Dragão e o Verde acharem que estavam competindo pelo convite, mas ludibriá-los de alguma forma. Mas agora tanto um quanto outro estão cientes disso.
- Ou seja, Verde e o Dragão desejam colocar as mãos no convite novamente... Faz sentido, mas... Até agora não vejo nada de concreto, sabe... – traguei.
- Espere, senhor "tenente Dotson". O convite é só o cenário de entrada. Escute a peça até o fim: por acaso está sabendo de um certo partido político chamado Partido Social Progressista?
- Todo mundo conhece. O que é que tem?
Gray se inclinou sobre a mesa de ferro, fazendo uma pose de que diria algo importante.
- É o partido do ex-deputado Spencer Flemming.
De novo esse cara? Sarah também havia me falado nele ontem logo depois da cerimônia de abertura da Cata-Luxo.
- Por acaso sabia que ele visita essa cidade regularmente?
Sim. E sempre que ele ou o filho dele aparecem alguma soma absurda de dinheiro aparece em uma certa conta aparentemente.
Permaneci calado soltando a fumaça vagarosamente.
- Vez ou outra ele vem visitar seus colegas de partido. Um deles é conhecido como Daniel Carter.
- O vereador...
- Isso! Isso... Está informado, senhor "tenente Dotson". Imagino que deve ter ficado sabendo do... Roubo na casa dele, não?
Não diria que fiquei. Quem ficou sabendo disso foi Sarah... Por via do pessoal de Silverbay. Como um mero prisioneiro ficava sabendo dessas coisas?
- Mas Carter nunca chegou a relatar o roubo... O que é muito estranho, não acha? Dois guarda-costas morreram naquele dia.
- Morreram!? – Espantou-se Ewalyn.
- Juro pela minha vida, senhora "detetive Lowe"... Morreram de morte natural simultânea. Ambos tiveram um ataque cardíaco... Muito desafortunados.
- Se isso for verdade... – Pronunciei-me - Aquela porcaria de Silverbay está abafando um caso que pode ter relação com a morte de...
- Henry... – Interrompeu-me Ewalyn com um olhar admoestador. Eu havia falado demais. Até então apenas o DCAE sabia que Silverbay vez ou outra abafava crimes desta maneira.
Gary parecia pescar esse tipo de detalhe bastante rápido. Apressou-se em mostrar-se inconveniente o quanto antes possível:
- Ah, Silverbay? Sim, sim... E por acaso o major Phillip é um entusiasta do partido social progressista, não? Não foi ele quem ganhou cinco cadeiras a serem preenchidas por seus homens na instituição após a posse do deputado?
- ...
- De qualquer forma... Você estava se referindo à morte de Margareth Johnson? Que morreu de morte natural também? Pois é... Acredito mesmo que deva haver alguma relação. Até mesmo porque Solis em seu depoimento andou dando a entender que Wilkinson que havia o contratado para que fosse capturado pela polícia por aquele crime...
Gray insinuava que alguém relacionado a Wilkinson que possuía a capacidade de matar com anti-ductu apenas e isso tudo era obra de alguma rixa entre Wilkinson e Verde que não tínhamos ficado sabendo.
- Entende o que isso significa, senhor "tenente Dotson"? Existe alguma relação amistosa entre o partido de Flemming e o grupo do Verde.
Permanecemos impávidos, eu e Ewalyn.
- Calma, calma... Já estou chegando onde quero chegar: por acaso não estão sabendo sobre os boatos acerca Jim Sanford, o policial que morreu de acidente de trânsito?
O desgraçado sabia também sobre as outras mortes encobertas do departamento! Não sei onde ele estava conseguindo aquelas informações, mas certamente se queria a condicional iria ter que nos revelar aquela fonte.
Gray continuou:
- Os boatos são que ele costumava digamos... "Facilitar" a entrada de algumas substâncias que costumam alegrar as festas de Sproustown quando comandava a fiscalização rotineira do porto...
Isso quem devia saber era o DEA... Sarah ou Solis tinham apenas especulado a respeito mas eu não estava sabendo desse tipo de coisa.
- Se os boatos forem verdade... E se não acreditam em mim nada mais fácil para um grupo de agentes paranormais peritos fazerem a checagem... Isso significaria que alguém perdeu bastante coisa naquele dia, não? Alguém perdeu um "amigo" na polícia. Quem será que perdeu? Wilkinson, Verde ou o Dragão?
- Deixe-me entender seu raciocínio... Sanford morreu da mesma maneira que McMiller, que morreu para incriminar Sprohic, que estava sobre a mira de Verde. Se a mesma pessoa matou ambos então tudo sugere que quem matou Sanford não trabalhava para o Verde...
- Mas com isso você não pode concluir nada... – Completou Ewalyn.
- Exato! Exato... Só se pode concluir que ou o Dragão ou Wilkinson perderam um contato na polícia, mas não qual deles. Mas não se esqueçam de quem anda dificultando a obtenção de depoimentos com Sprohic no presídio...
- Phillip...
Gray fez um sorriso resplandecente.
Major Phillip, comandando o departamento especial de Silverbay pelos últimos treze anos, estaria metido com uma ganguezinha de tráfico? Pior que isto... Estaria mesmo envolvido com os escândalos encobertos do partido social progressista?
- Isso quer dizer que acha que Sanford trabalhava para Wilkinson?
- Com efeito, senhor "tenente Dotson". Sei que é bastante coisa para digerir e que almeja investigar tudo por conta própria delegando pessoal para tomar parte em cada pequena coisa, mas o sentido disso tudo não é os tomar conhecimento dos fatos que já aconteceram. Existe uma maneira fácil de confirmar tudo o que eu lhes apresentei aqui, e isso é: concentrando no que "vai" acontecer.
Coloquei o restante do cigarro sobre a mesa e o apaguei.
- Se eu estiver correto, senhores... O que acham que Wilkinson fará em seguida?
- ...
- Ele deve... Tentar arrumar outro contato na fiscalização, certo? – Arriscou Ewalyn em tom de pergunta – Como mais prosseguiria com sua venda ilegal de Deluxes na cidade?
- Bingo! E já existe uma pessoa que entrou em contato com ele. Um camarada chamado Flinn. Por fora ele é um policial conceituado prestes a assumir o posto no DEA, a fim de substituir o finado Sanford, mas não se esqueçam de quem fez a indicação... Se os senhores desejam fazer alguma confirmação dos dados que eu lhes trouxe antes de cumprir sua parte do acordo e ouvir o restante... Eu recomendo fazer uma pequena checagem nesse cara, e se forem me permitir uma sugestão...
- Sim..? – Traguei meu cigarro.
- Domingo agora... Flinn estará se encontrando com um outro camarada de nosso mais novo partido favorito: um candidato à deputado para as próximas eleições. Será que os senhores não gostariam de preparar uma escuta ou algo do tipo?
Olhei o rosto de Ewalyn de canto de olho. Parecia estar acreditando na história até agora.
- Teríamos que elaborar toda uma operação... Legalizar o processo.
- Eu sei, eu sei... Por isso que estou lhes avisando já, para que dê tempo, certo? Mas ainda tenho muito mais a contar senhores... Spoilers... Adiantamentos do que ocorrerá em seguida.
- Você parece saber bastante, hm?? Quem são suas fontes?
- Se eu as revelar terei minha condicional?
Sorri por um instante.
- Temos o contrato, não? Antes de revelar, prossiga... Você disse que sabe ainda mais do que ocorrerá em seguida. Me ponha a par do grosso dessa história e terá sua resposta.
Pus o toco do cigarro sobre a mesa.
- Pois bem – Prosseguiu ele – Esse mesmo deputado estará aqui para tratar pessoalmente com Wilkinson o decorrer do processo, você sabe... Estabelecer relações... E dentre outras coisas... Estará aqui também para fazer uma transação de Deluxes por si mesmo... Como se fosse uma maneira de aprimorar a confiança mútua da relação.
- Uma espécie de vínculo...
- Isso, senhor tenente. Exato. Mas aí entra outro boato interessante do qual fiquei sabendo...
Ergui uma sobrancelha.
- Deixe-me antes lhes perguntar: se Wilkinson está procurando um substituto para Sanford... E se Sanford foi morto por Verde... O que acha que Verde estará planejando agora?
Ewalyn arriscou:
- Estará querendo recuperar o convite, não? Ei espere...
- Entende o que quero dizer? E se Verde tivesse dado o cabo em Sanford justamente "para" que pudesse indicar uma pessoa que trabalha para si, a fim de colocar as mãos no convite de alguma forma? Esse contrato com o deputado do PSP parece uma ótima oportunidade para entrar em contato com a gangue de Wilkinson nos olhos de alguém que nunca tem tal oportunidade devido à falta de informação.
- Hm... E você acha que esse deputado... Como é mesmo o nome dele?
- Eu tenho que checar as fontes, creio que era Pollo? Collo ou alguma coisa? Seja como for é mais fácil buscar por Flinn, o recém contratado do DEA. E os senhores já têm uma boa relação com o DEA, pelo que fiquei sabendo... Parabéns pela inauguração da operação!
Ewalyn afiou ligeiramente os olhos.
A operação também era para ser segredo...
- Então vejam que aqui tudo se encaixa, senhores! Wilkinson, Verde e o partido social progressista! Não só sabemos quem está financiando as trocas de Deluxes por aí, mas sabemos quando e onde irá ocorrer uma busca pelo convite. Foi o que eu disse agora há pouco: Verde vai por as mãos no convite novamente. Ainda há tempo de fazer a intercepção. E então, senhores? Detalhes à parte? O que acham da história? Acham que vale a pena investir? Soa bastante interessante para os propósitos de vosso departamento, não?
Arrastei a cadeira de ferro para trás e me levantei. Ewalyn me seguiu.
- Iremos falar com a capitã Harmon, mas adianto que... Sim. Estas suas pistas, embora precisem ser confirmadas, seriam o suficiente para justificar o contrato.
- Bom saber, "senhor tenente".
- Mas você vai precisar nos revelar como ficou sabendo de tudo isso... E ainda teremos que checar se isso tudo é realmente verdade. Já voltamos.
Mediante um rosto sarcástico vindo daquela cara de bolacha, eu e Ewalyn saímos da sala. Fiz um gesto com a mão para os dois e fechei a porta atrás de mim.
- E então? O que acha? – Ewalyn me perguntou, à medida que andávamos novamente na direção do pátio.
- Naturalmente temos que esperar a Sarah... Mas ela provavelmente vai dizer para primeiro verificarmos essa história do Flinn e do deputado.
- E quanto a Silverbay?
- O que tem Silverbay?
- Parece que ele tem escutado bastante informação restrita vinda de lá, não?
- É... Sarah vai adorar ouvir esse testemunho. Acho que ela não diria nada se decidíssemos simplesmente levar isso adiante. – Tateei meu celular e passei a buscar o número dela.
Ewalyn me beijou.
Cedi por um momento, mas então a afastei levemente com o braço.
- Aqui não... Sabe, ainda sou casado...
- Você de repente parece muito mais interessado nisso tudo do que estava quando viemos.
- Se isso que Gray fala for verdade... Podemos colocar as mãos nesses caras de uma vez por todas.
Não só Wilkinson, mas Verde também... Ambos estarão reunidos no domingo em um só local. E de quebra acabaremos talvez expondo os podres de um candidato a deputado corrupto.
Mas o que estava me interessando mesmo era a relação com o que Sarah tinha dito. Ela andava preocupada com toda essa história mal contada de Phillip em Silverbay.
Tinha tudo para dar certo.
Não consegui contactar Sarah, mas eu era o tenente... Poderia tomar a decisão a qualquer momento. E parando para pensar, Ewalyn tinha razão. É melhor dar a condicional a esse picareta mesmo que seja apenas para obter alguma pista dessas duas gangues. Acabei por decidir. Iniciaria o processo de delação.
- Ewalyn. Diga ao rato que concordamos.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro