Volume 2 - Capítulo 1.1
Uma pilha de arquivos dentro da gaveta do DCAE: todos colocados milimetricamente um em cima do outro, organizados em data, em ordem crescente da mesma. A gaveta encontra-se impecável, sem um resíduo de pó ou fio de cabelo. Dentro da mesma há apenas o amontoado de documentos. Nada mais.
Transcritos a seguir os documentos, um a um:
"16 de janeiro (terça-feira): Jeffrey Sprohic, o zumbi, fugiu do presídio de Silverbay e veio a Sproustown por algum motivo. No dia seguinte ele rouba uma quantia considerável de produtos da joalheria Club Jewel e participa de uma perseguição na qual o tenente Henry Dotson, junto com seu parceiro Joey Meyers conseguem efetuar a captura. Coincidindo com o momento outro caso de natureza sobrenatural ocorre: Gerald McMiller, contador, 35 anos, é encontrado morto por mordida ou de zumbi ou de vampiro.
Adendum: Este último caso permanece em aberto. Ao que tudo indica não foi autoria de Jeffrey Sprohic, mas sim da autoria de terceira força que aproveitou a oportunidade para incriminá-lo. Trabalhamos sob a hipótese que foi o homem que morreu queimado na explosão de Dalilah, o mesmo que lutou com os detetives Meyers e Crane durante no dia 26."
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"18 de janeiro (quinta-feira): Ocorre a morte misteriosa por ataque cardíaco de um casal de idosos em Little Quarry: sra Johnson e uma vítima sem nome. O caso ainda permanece em aberto.
Adendum: segundo o depoimento do cidadão Eliott Solis, a morte foi causada por um homem que o contatou incentivando-o a entregar o convite do torneio de Uahmyr à polícia. Trabalhamos com a hipótese de que o contato esteja conectado à gangue de Wilkinson, o distribuidor anônimo de Deluxes da parte norte da cidade."
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"22 de janeiro (segunda-feira): A secretária Crane encontra-se sozinha no prédio do DCAE, devido às circunstâncias e coincidentemente três seres paranormais aparecem no mesmo momento para tomar a versão do convite às forças. O paradeiro dos três criminosos ainda é desconhecido.
Adendum: o convite roubado não era o original segundo à conclusão inferida após o depoimento do cidadão Eliott Solis. O original deve estar com Wilkinson. Partindo deste pressuposto os mercenários trabalhavam ou para Verde ou para Dragão, sendo o primeiro muitíssimo mais provável segundo o telefonema recebido pelo tenente Dotson no dia 29. Verde, nesta situação, deveria pensar carregar o convite verdadeiro."
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"23 de janeiro (terça-feira): acontecem três casos de maior relevância:
a) Jim Sanford, policial do DEA, 31 anos, morre. Os ferimentos são os mesmos de Gerald McMiller, morto no dia 17, o que levanta duas possibilidades: ou foi morto pelo mesmo ser paranormal ou foi morto por outro ser paranormal que sabia sobre o primeiro caso e usou a disposição dos ferimentos ou para esconder sua existência ou para lançar ainda mais dúvida sobre o primeiro caso. A primeira possibilidade parece a mais provável visto que seria muito difícil imitar exatamente os ferimentos deixados em outro corpo, já que por mais habilidoso que fosse o ser paranormal não teria acesso ao corpo após a autópsia. A primeira possibilidade inocenta Jeffrey Sprohic da autoria do crime do dia 16.
b) a secretária Crane, ainda hospitalizada pelo ataque do dia anterior, é envenenada por uma caixa de chocolates. Partindo do pressuposto que Verde tenha apascentado o ataque coordenado da segunda, ele deve ter achado que Crane sabia de alguma coisa tão importante que se fizesse necessário tirá-la a vida. Ainda não descobrimos o que era que ela deveria saber, mas seja o que for... Verde não mais acha que ela sabe. Caso contrário teria tentado silenciá-la de novo posteriormente.
c) Arthur Bernard Cooper, cidadão, sofre uma tentativa de furto em sua casa. Tal furto foi constatado como de natureza paranormal segundo o tenente Dotson e o detetive Meyers. Os autores do crime foram os agora presos Pierre e Bad Boy. Como não são humanos não possuem identidade cadastrada. Ambos foram enviados para Silverbay. Eles foram capturados posteriormente no dia 25 e prestaram o depoimento logo em seguida negociando o destino. O caso c é considerado resolvido."
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"25 de janeiro (quinta-feira): Pierre e Bad Boy são capturados no Filliard Summit, após a previsão acertada do agente Chapman. Ambos relatam trabalhar para Verde tendo como missão a busca pelo convite de Uahmyr. Esta informação remete a duas possibilidades: ou ela é verídica, indicando que Verde tomou ciência da falsidade do convite que obteve no dia 22 ou é mentira. A mentira possibilita ainda que alguém tenha contratado os mercenários dizendo ser Verde, para incriminá-lo ainda mais. A segunda hipótese faria bastante sentido, fortalecendo a teoria que alguém conspira contra Verde, tanto nas mortes de McMiller e Sanford, quanto no caso do convite. Tudo indica que Wilkinson seja o autor de tais esquemas. O depoimento ainda relata a localização de Alexander Sprohic, irmão de Jeffrey Sprohic. Esta parte do depoimento é verídica pois foi confirmada no dia 26.
Como ambos criminosos foram presos com sucesso, o caso é considerado resolvido."
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"26 de janeiro (sexta-feira): detetive Meyers e secretária Crane confirmam a localidade de Sprohic mas o mesmo é sequestrado pelo homem que morreu na explosão de Dalilah no dia 29. Tanto Sprohic quanto o sequestrador são encontrados posteriormente então este caso é considerado resolvido."
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"27 de janeiro (sábado): eu saio temporariamente de Sproustown para tratar com Phillip. Fico lá até a manhã do dia seguinte..."
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"28 de janeiro (domingo): ia tirar o dia para descansar, mas decidi aparecer no DCAE apenas para confirmar uma suspeita. Estranhamente enquanto passeio pelo prédio do shopping ao lado sinto uma breve rajada de ductu que ao me notar vira anti-ductu. Não encontrei nenhum rosto familiar deve ser algum ser paranormal que desconheço. Seria um dos responsáveis pelo crime do dia 22?"
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"29 de janeiro (segunda-feira): tenente Dotson tem um dia cheio: primeiro recebe telefonema do agente Chapman sobre a aparição repentina de Alexander Sprohic, que se encontra em estado grave. Num primeiro momento ele encontra Chapman em Noble Ave com Sprohic ainda no chão e manda Meyers, que tinha vindo junto, investigar o nome de Eliott Solis com os aparatos. Este nome ficou descoberto apenas por entrar em contato com Chapman pelo aplicativo. Adicionalmente Meyers fica incumbido de perseguir uma pista em Helmsley sobre um possível estabelecimento de lavagem de dinheiro sob o comando de algum líder de tráfico.
Após isso o tenente Dotson recebe um telefonema de alguém que imita minha voz dizendo sobre uma troca de Deluxes por parte de Verde a ocorrer no prédio antigo da Dalilah, e convenientemente o convite de Uahmyr estaria dentro do prédio por algum motivo. Lá Dotson luta contra o homem que morre na explosão, roubando dele o convite e consegue salvar os policiais e as caixas das supostas drogas, que acabam por ser balas de goma. As balas são idênticas às drogas de Wilkinson, o que indica que toda a explosão foi uma armação do mesmo visando matar policiais e possivelmente mercenários que trabalhassem para Verde. Trabalhamos com a hipótese que a ideia era separar Chapman, Solis e Dotson para que o segundo sequestro de Sprohic pudesse ocorrer. Esta possibilidade indica que o homem do bastão de silisolita, o que morreu na explosão e sequestrou Sprohic no dia 26, trabalhava para Wilkinson.
Ao voltar para o local, Sprohic já tinha sido sequestrado. Solis saiu de perto de Sprohic por ter recebido um telefonema estranho, parecido com o enviado a Dotson, e Chapman relaxou após Sprohic ter entrado na viatura médica. O sequestro se deu durante o trânsito, visto que não havia agente paranormal na viatura no caminho da volta.
Nem preciso dizer que o convite obtido em Dalilah também era falso. Esse episódio fortalece a versão inferida do depoimento de Solis: Wilkinson é o portador do convite original. Desta forma ele teria como fazer as copias e o proprio Solis teria sido enganado por uma cópia da primeira vez que manteve contato com o mercenário misterioso.
Paralelamente, o detetive Meyers descobre um corredor secreto no restaurante Sweet Oaks em Helmsley. A entrada para o corredor já tinha sido descoberta por algum ser paranormal previamente à sua chegada. Os garçons foram trazidos à polícia para depor, mas ninguém chegou a revelar nada. E ainda não podemos gerar mandato de prisão pois nada ilegal foi encontrado no compartimento secreto. O caso permanece ainda em aberto.
O corpo do homem que lutou contra Dotson em Dalilah é encontrado após a explosão. Um fato curioso é que o mesmo tinha fugido da luta, minutos antes de a explosão ocorrer. Teria ele voltado à cena por algum motivo? Por acaso ele não sabia da explosão? Mas então Wilkinson visava matá-lo também no esquema de Dalilah? Será que este homem realmente trabalha para Wilkinson? O caso ainda permanece em aberto."
Paro de reler pela centésima vez aqueles arquivos e os guardo na gaveta, empilhados alinhadamente dentro do envelope propício. Nenhum objeto sobra acima da mesa.
Ordem.
Método.
Sistematização.
Não são muitos os feitos que consigo contar, os quais não provieram de política embasadas na filosofia da ordem. Para tudo deve-se ter ordem. Só então é que nos valerá o progresso.
Tal filosofia carrego para minha vida. Tenho sempre seguido minha sistematização e a mesma não tem me falhado.
Eu escuto, observo. Então formulo hipóteses, e com mente nestas, procuro fatos que as refutem ou lhes conceda veracidade. Só então parto para conclusões.
Em meu ramo de trabalho, adicionalmente preciso ter método também na escolha do momento de tomada de decisão. Quando passo da fase da escuta para a da formulação? Quando deixo a fase da hipótese e parto para a fase de checagem de fatos? Qualquer passo em falso me pode custar o caso.
Em geral me comunico bem com meus subordinados, particularmente o melhor deles: o tenente Henry Dotson; afora eu ele é o oficial de mais alto posto do departamento, e a quem deixarei os cuidados do mesmo após minha iminente aposentadoria. Entretanto até mesmo para ele, assim como para os demais, devo tomar cuidado com o que revelo ou deixo de revelar quando se trata de meu conhecimento sobre o caso.
Afinal, as paredes têm ouvidos.
Para que possas entender melhor, devo começar explanando sobre o oculto: existem dez raças não-humanas sobre observação governamental, chamadas de "paranormais". Qualquer ser que pertença a uma destas raças é alcunhado "ser paranormal".
E seres paranormais, dentre diversas propriedades distintas das humanas, têm habilidades conhecidas como finesses,
Uma finesse é por definição uma especialidade exacerbada em qualquer área, que possibilitada apenas com particularidades sobre-humanas, naturais da espécie em questão.
É como se fosse um "super-poder".
Para citar exemplos, nos últimos dias temos lidados com finesses como exagerada bruta força, velocidade excessiva, contorcionismo de membros, imitações de voz, e muitas outras.
E dentre todos superpoderes adquiridos das mais variadas formas sobrenaturais, é de se esperar que algumas delas visem obter informações de fontes sigilosas, como vindas do interior de um departamento de polícia, por exemplo.
E é justamente o que motiva esta explanação.
Há algum tempo eu ando desconfiada de que existe um grampo obtendo informações sigilosas do DCAE. E durante a última temporada de acontecimentos, esta teoria tem se tornado cada vez mais robusta.
Dia 22 de Janeiro deste ano houve um incidente no DCAE. Três terroristas invadiram o prédio da central, abateram a secretária Emma Crane, e roubaram de minha gaveta uma importante evidência criminal: o convite de Arthur Cooper para o torneio de Uahmyr. Esta foi uma peça central da onda de eventos terroristas recentes, todos acumulados na parte final do mês de janeiro.
A justificativa é que até março, os terroristas que intentarem inscrever um escravo paranormal no torneio deverão se pronunciar. O torneio deve acontecer em momento posterior, a ser divulgado pela máfia.
Argumentos rancorosos e indignados à parte, devemos analisar tal evento de forma clara e objetiva.
É evidente que o evento aconteceu num momento bastante propício: Henry estava de folga; os detetives Joey Meyers e Ewalyn Lowe tinham sido encarregados de pesquisar o paradeiro do recém-suspeito Arthur Cooper, a quem estava endereçado o convite; e o agente Cole Chapman estava em campo, investigando boatos sobre Jeffrey Sprohic, o então suspeito de outro caso a priori não relacionado.
Adicionalmente eu havia tirado o dia para visitar o departamento de Silverbay, esperando renegociar a transferência infundada do caso de Jeffrey Sprohic para o mesmo.
A secretária Emma Crane foi atacada justo no dia e no horário que se encontrava sozinha no departamento. Tivesse o ataque acontecido um pouco mais tarde, os detetives Meyers e Lowe estariam presentes na central.
E para corroborar ainda mais com a conveniência suspeita da ocasião, os três terroristas tiveram a sorte de encontrar o convite em um intervalo de sete minutos, transcorrido desde sua chegada até a fuga.
Isso sugere que não houve procura. Eles sabiam o local do convite de antemão, e estavam acompanhando os horários e escalas do departamento.
O DCAE é um departamento sigiloso, nada disso é revelado ao público, então existe sim uma interceptação de sigilo.
Seria essa interceptação proveniente de grampos eletrônicos? Câmeras escondidas? Impossível.
O grau de observação de um ser paranormal excede em muito o de um ser humano comum. Faz parte do realce do processo de aprendizado, incluído no treinamento beta para abertura da possibilidade da aquisição da finesse.
A alteração do processo cerebral é diretamente injetada no cérebro do experimento do teste.
Qualquer detetive teria detectado atividades eletrônicas se as mesmas ficassem por muito tempo ativas no mesmo local.
O que reduz as peculiares captações de informações à três possibilidades:
a) Alguém observa as atividades do departamento de longe.
b) Alguém observa as atividades do departamento de perto.
c) Existe um traidor no DCAE.
Analisemos cada das três possibilidades separadamente:
A hipótese (a) eu descarto facilmente. Por mais que eu tenha desconfiado do prédio da frente, o Dream Monolith, o qual contém um restaurante de qualidade questionável, o Haven's Grill, na ala oeste do decimo sexto andar, já me convenci de que o mesmo não pode ser usado para fins de espionagem.
As janelas lá são grandes e permitem visão direta do terceiro andar do bloco central, mas ainda assim há a porta de vidro embaçado que separa a sala de recepção do DCAE do corredor, a qual cega a visão total do ambiente quando observada de lá, e também há carência de percepção de som.
Para que entendas minha posição quanto à percepção de som, devo destacar que me baseio em minha finesse para avaliar a percepção sonora de cada ambiente.
Sabe como dizem (e veridicamente) que cegos têm maior percepção sonora que pessoas com visão? Isso significa que a percepção sonora de um humano pode exceder a atual mediante treino. O treino do cego é intenso por ser forçado. O cego é continuamente forçado a treinar sua audição. O treino continuo permite a ascensão à maestria.
Mas nada impede àqueles com visão de também treinar sua audição de modo a aumentar em forma considerável seu alcance. Eu tenho feito isso desde pequena, e hoje gozo de um alcance mais de cinco vezes maior que o mediano.
Ouvir palavras pronunciadas à distância é uma das melhores finesses. Isso porque na maioria das vezes as armas dos inimigos não são as pistolas, mas as palavras proferidas por aqueles a seu arredor.
As verdadeiras palavras dirigidas a alguém só são proferidas longe de sua presença.
Recentemente tirei uma tarde de domingo para andar pelo Dream Monolith e tentar escutar mesmo de lá o que é dito no DCAE. Sem sucesso. É impossível. Necessariamente precisar-se-ia de um aparelho captador de som para usar em conjunto para alguém que resolvesse espionar dali.
Com base nesses argumentos descarto a primeira alternativa.
Um ponto interessante que devo observar, entretanto, é que provavelmente haja sim espionagem mesmo que só visual ocorrendo com certa frequência do Dream Monolith, pois andando no andar da feira no domingo (dia 28) deparei com algum ser a esbanjar ductu pelo local. O mesmo usou o sigilo quase que na mesma hora visando esconder-se, mas não me escapou despercebido. O que prova que há seres paranormais em atividades costumeiras nos arredores do prédio do DCAE, e que os mesmos almejam manter-se às escondidas.
Contudo, devo observar que somente a espionagem visual sem captação sonora não seria capaz de revelar ao espião informações tão precisas como escalas e posse do convite de Arthur Cooper por parte da polícia.
Passamos para a hipótese (b):
É possível que alguém (que não os próprios integrantes do DCAE) estejam monitorando as atividades do departamento de perto? Se sim, como?
Adianto que, conforme disse, a hipótese de uso de tecnologia é impossível, pois saltaria aos olhos observadores de um agente paranormal.
O que reduz a alternativa (b) a apenas uma possibilidade: a finesse.
Alguém poderia possuir uma finesse que nos é desconhecida, que capacita seu usuário de obter informações sonoras por algum método desconhecido.
Mas existe uma finesse que possa ser controlada a tão longo alcance, longe do usuário? E com tanta precisão? Pode ser que sim, entretanto não consigo pensar em que tipo de finesse seria, a menos que fosse algo como uma espécie de escuta invisível em um integrante em particular.
Existem escutas invisíveis?
Existe o material de silisolita, invisível ao olho humano, mas não aos meus olhos, que tem maior espectro de percepção de cor. Nem mesmo este material teria me escapado da visão.
O que reduz à única possibilidade: deve ser alguma escuta que foi inserida do lado de dentro do corpo de algum dos agentes.
Nesse sentido, poderia tratar dos agentes integrantes do DCAE como se fossem espiões, mesmo que involuntários, o que se reduziria à hipótese (c): a do traidor.
É a hipótese que analiso a seguir:
Eu gosto de acreditar que esta possibilidade não é verdadeira, mas sempre deve ser considerada. Se for para tocar no ponto de espionagem deliberada por parte dos agentes eu procederia da seguinte forma:
Evidentemente descarto a mim mesma. Descarto também Henry, ele é meu funcionário mais antigo, o qual tenho acompanhado desde que entrou no programa beta, por causa da perda de um ente próximo. Se você conhecesse o passado dele saberia que é impossível que ele seja corrompido.
Sobram os demais: Meyers, Lowe, Emma Crane e Cole Chapman.
Dentre estes acredito que minha principal suspeita seria Ewalyn Lowe, visto que ela é a nova detetive, da qual sei quase que nada a respeito. Há também o ponto de que ela foi transferida de North Kingston Hill, e sobre isso guardo certa ressalva.
Claro, isso trata-se apenas de uma desconfiança natural, por não saber nada sobre ela, nada evidencia que seja de fato ela a culpada.
Entretanto é bom guardar isso em mente para futura investigação.
Detetive Meyers não tem o perfil que espero de um agente infiltrado. Digo isso não baseado no psicológico, claro, mas primariamente no histórico.
Após tantos anos realizando feitos no DCAE por que justo agora se corromperia e passaria a corroborar com a agenda criminosa da venda de Deluxes em Sproustown? Soa esquisito.
Contudo não posso deixar de observar que sob o olhar da oportunidade e não da probabilidade, Meyers poderia muito bem fazer espionagem, visto que é um doppelganger. Doppelgangers podem ocupar dois lugares simultaneamente. Sendo que raramente vemos seu irmão na central, é de se indagar "onde está seu irmão gêmeo na maior parte do tempo?"
Também é bom guardar isso em mente para futura investigação.
Para descartar a possibilidade de Emma Crane devo relembrar outro fato que aconteceu numa manhã do dia 23, mesma manhã em que ocorreu o assassinato do então policial Jim Sanford: o acontecimento foi uma entrega de doces envenenados direcionados à mesma após o ataque do dia anterior.
Se a secretária Crane fosse a espiã, os foragidos que a atacaram estariam trabalhando junto com ela. O ataque então teria sido simulado de modo a inocentá-la da culpa de ajudar membros de facções criminosas. O conflito foi uma simulação.
Mas não haveria porquê fazer uma posterior tentativa de assassinato se ela estivesse trabalhando com o tráfico.
A secretária Crane sofreu uma tentativa de assassinato enquanto na cama da enfermaria um dia depois porque queriam silenciá-la, pois acharam que ela poderia inferir informação importante a partir do ataque da segunda feira.
Sendo assim, descarto também a possibilidade de Emma Crane ser a espiã.
E por fim, Cole Chapman: o suspeito favorito de Henry.
Henry costuma o condenar por achar excessivo seu envolvimento com figuras de calão duvidoso nas quebradas de Sproustown, mas eventos recentes também apontam para a lisura de sua contribuição. Conforme discuti com o próprio Henry na minha sala no dia 30, não faz sentido Chapman ter trabalhado para o tráfico, sendo que o grupo que organizou a explosão de Dalilah foi o mesmo que queria Alexander Sprohic morto, e se Chapman quisesse silenciar Sprohic bastava não ter revelado sua localização para Henry pelo telefone, o que torna todo o evento sem sentido.
Enfim, esse argumento dá certa imunidade a Chapman quanto à culpa de espionagem.
Claro, poderia ser que Chapman estivesse espionando para outro grupo com interesse em informações do DCAE, mas... Qual? E mesmo neste caso também não teria interesse em entregar Sprohic para a polícia, teria o sequestrado e usado para fins de interrogatório.
Sem dúvida é um ponto que devo considerar no futuro.
Aquiesço que divergi demais do ponto inicial da história, enquanto ponderava sobre questões que me ocupavam porção significativa da mente naquele dia, a saber o mistério da finesse de escuta no DCAE e os casos pendentes. Devo aquiescer também que mencionei demais os casos pendentes partindo do pressuposto que devas conhecer sobre os mesmos. Se não for o caso, sugiro que leia nos arquivos e se familiarize com eles, pois continuarei partindo de tal pressuposto para evitar volume de delonga.
Durante toda explanação de minha ponderação assumirei que conheces a natureza dos últimos casos, os nomes dos envolvidos e toda a configuração sobrenatural que envolve a trama.
Se não for o caso, repito: familiariza-te com tais conceitos lendo os arquivos.
Essa é uma demo de como minha mente divaga durante as horas de trabalho. Comumente divergindo da origem e ocupando-se com o mar de questões que devem ser tratadas posteriormente.
Com exatamente todas essas coisas em mente, eu me encontrava após o horário do almoço, mais precisamente as 13:15 do dia 2 de fevereiro, na minha sala. Era a hora da cerimônia de abertura da operação "Cata-Luxo".
"Cata-Luxo" é um trocadilho onde a parte do luxo se refere aos Deluxes, que são a principal droga comercializada pelos grupos traficantes de Sproustown. Esta operação seria realizada em parceria com o DEA, o departamento policial chefiado por Clinton Howard, que visa combater o tráfico de drogas.
Naquele momento era preciso trabalhar em parceria pois havíamos inferido que as gangues responsáveis pelos diversos crimes de natureza especial (alvo do nosso departamento) tinham ligações com os então três chefes do tráfico de Sproustown: Wilkinson, Verde e Dragão.
Não era recomendado envolver cidadãos comuns, mesmo que policiais, em casos de natureza especial, mas faríamos o possível para mantê-los longe do conhecimento de pontos de natureza sigilosa, e até por isso decidimos abrir a operação em parceria, para evitar que houvesse investigação paralela chegando a ponto que não ficássemos a par do progresso do DEA quanto ao caso.
Futuramente haveria necessidade de manobras sórdidas para acobertar coisas que o DEA não deveria saber, e deveríamos fazer isso de forma natural, sem levantar suspeitas. Caso contrário a parceria estaria ameaçada.
Esse era mais um ponto de preocupação.
Naturalmente o DEA já conhecia de nome Wilkinson, Verde e Dragão, mas não suspeitavam que fossem empregadores de seres paranormais. As descobertas de nossos últimos casos tinham levado aos mesmos, e então relatamos parte de nosso conhecimento ao DEA, esperando troca de informações sobre as três partes criminosas, no que resultou a ideia da formação da "Cata-Luxo".
- Capitã! Já vai começar! – Disse a secretária Emma Crane por entre uma fresta aberta na porta interrompendo minha linha de raciocínio. Fiz menção com a cabeça.
Minha sala é pequena e apertada. Nela há apenas um armário, uma mesa, uma cadeira baixa e uma janela. Tinha sido o local onde Crane foi abatida no ataque do dia 22.
Sobre a mesa encontrava-se uma cópia falsa do convite de Cooper que eu havia mandado fazer.
Quando levantei da cadeira, antes de ir à sala de reuniões, tomei rapidamente aquele documento nas mãos e o deixei cair mais uma vez sobre a mesa.
Era uma das cópias que eu havia perdido no dia do ataque, quando levei o que eu pensava ser o original comigo para Silverbay, eu deixei o falso de isca para verificar se algum ataque aconteceria quando a secretária Crane estivesse sozinha. Foi uma manobra para confirmar minha teoria de que há o grampo de finesse no DCAE. Eu armei para que um membro ficasse sozinho e o convite também, criando oportunidade perfeita para que o convite fosse roubado, desde que se soubesse das atividades do DCAE. E assim aconteceu.
Claro, nunca falei isso para Henry, que seria totalmente contra. Mas era preciso.
Graças à armadilha tenho certeza absoluta da existência da finesse interceptadora do DCAE, com a qual eu deveria me preocupar mais tarde.
Exceto que o convite roubado foi uma cópia. Eu tinha levado o original para Silverbay e nunca o tirei de meu bolso.
Tinha dado também um falso para Henry usar quando quisesse, e ele o fez durante o atentado em Dalilah, episódio que não vem ao caso, e que também consta nos arquivos. Dando uma cópia falsa deliberadamente a Henry diminuía as chances de ele suspeitar que a cópia que eu havia deixado na central era também falsa.
Após findada a onda de casos, ficamos sabendo no dia 29 que o convite que eu pensava ser original também era uma cópia a princípio, e deduzimos também que o original se encontrava atualmente com o traficante Wilkinson.
Não é a melhor situação, mas pelo menos com isso consegui acalmar os ânimos de Henry, alegando que não deixei o convite falso no dia 22 dentro da gaveta com Crane sozinha de propósito.
"Uma finesse monitora os movimentos do DCAE".
Com aquele pensamentoem mente, desci à sala de reuniões, onde estava ocorrendo a cerimônia.
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