Sua cantante
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O tempo se arrasta até que eu volte para a escola afim de terminar aquela conversa bruscamente interrompida. Não consegui dormir de novo, o que, por incrível que pareça, não está me incomodando no momento.
Felizmente para mim, hoje compartilho a aula de filosofia com Jasper e posso lhe perguntar mais sobre essa coisa de cheiro. O que aconteceria se ele ficasse só mais um pouco? Foi embora porque eu fiquei corada? Ele podia ouvir meu coração.
Fascinação parece um tanto raso para descrever o que eu sinto.
Pulando toda a rotina, todas as aulas, diálogos e coisas irrelevantes que aconteceram no meu dia até o reencontro, eu ajo normalmente até o momento que o sinal toca e todos os alunos se preparam para sair da sala. Meu querido professor diz que vai tomar um café e eu sorrio demorando mais que o necessário a guardar minhas coisas. Jasper agiu de acordo, ou talvez só estivesse mesmo mais avoado enquanto a sala ia se esvaziando e nós dois éramos os únicos restantes. Ele notavelmente não gosta de andar em grupo.
Esse momento caiu como uma luva, eu já pretendia abordá-lo no final desta aula, mas ficarmos a sós foi um presente do universo. Nenhum de nós falou nada até eu colocar a mochila no ombro e correr para a porta, fechando-a e me apoiando na mesma. Jasper se aproximou com o olhar cauteloso e parou de andar a quase dois metros de mim.
— Meu sangue.— começo, Jasper faz careta como se eu estivesse abordando um assunto que ele não queria mesmo discutir e olha para o lado— O que foi aquilo?
— Você é muito imprudente, Caterine— ele censura. Gosto que ele me chame pelo primeiro nome.
— Por...?
— Eu te falo que seu sangue é especialmente tentador para mim e você acha que é uma boa ideia se fechar numa sala de aula sem testemunhas comigo?
— Ah, cala a boca— reclamo— Se quisesse me matar mesmo já teria o feito, não deve ser impossível para um vampiro. Aposto que até sabe onde eu moro.
— Não provoca— ele alerta.
— Como meu cheiro é especialmente tentador para você?— dou um passo na sua direção, ele recua dois.
— É difícil explicar.
— Tenta a sorte— incentivo, Jasper revira os olhos e cruza os braços indo se sentar na mesa do professor.
— Abra a porta, primeiro.
— Depois que você me falar o que eu quero saber, eu abro— dou de ombros. Jasper olha para meus pés assim que dou mais um passo na sua direção.
— Fique onde está— diz em tom autoritário. Fico irritada, mas obedeço. Se ele mesmo não confia no seu autocontrole, eu que não vou apostar. Posso não ser a maior fã da vida, mas foi um presente dos meus pais e eu não vou abrir mão dela.
— Podemos?— gesticulo com ironia e me sento numa das carteiras da frente ainda com uma relevante distância entre nós. Jasper me encara de soslaio, um olhar firme, quase sinto que ele vai me dar uma bronca— Como meu sangue é um tópico sensível para você se você já se alimenta de sangue de animal?
— Uma coisa não impede a outra— ele balança a cabeça— É como um falso vegano vendo um pedaço muito suculento de carne. Isso não é algo comum com a minha espécie. São raros os casos de um sangue cantante. Você é o meu.
— Sangue cantante?— repito, confusa— Como isso acontece?
— Quando o sangue de um humano é muito atraente para um vampiro em especial... é quase impossível de resistir.— ele explica. Nós nos encaramos em silêncio por um minuto esticado.
— E eu sou sua cantante?
— É.
— Isso quer dizer que você quer meu sangue agora?— pergunto com relutância.
— Muito.— ele admitiu com fervor após leve hesitação— Mesmo que por pura gula considerando que já cacei.— ele aponta para os próprios olhos e eu acho que isso deveria significar algo, mas fiquei desnorteada, respirei fundo processando o fato que ele quer me matar.
Não fica fácil de engolir momento algum. Ainda bem que me sentei antes porque minhas pernas enfraqueceram.
— Por isso você não consegue se afastar de mim— murmuro e olho para baixo.
Ele não responde e eu vejo sua perna tremer de ansiedade ou desconforto. Fico tamborilando os dedos na carteira no mesmo ritmo acelerado. Ergo os olhos e fito aquele dourado com curiosidade. Aperto as bordas da mesa e suspiro.
— Você pode me matar, mas não quer.
— Não, não quero.— ele tem uma máscara severa no rosto e sei que está falando sério.
— Obrigada por isso, eu acho— balanço a cabeça, e então, uma risada me escapa. Eu começo a rir e Jasper tomba a cabeça de lado com confusão.
— O que foi?— sua pergunta soa surpreendentemente inocente.
— É engraçado porque eu conheci um vampiro bonito e ele quer muito meu sangue. Eu... nunca imaginei que viveria isso— tenho um sorriso largo no rosto e estou transbordando descrença. Aos poucos, um sorriso discreto cresce no canto do lábio do loiro e dura mais que alguns segundos para meu contentamento. Não ligo de ter acabado de chamar ele de bonito. Ele sabe que é.
— Em parte, eu também não....— ele se interrompe e olha para a porta como se tivesse sido chamado— O professor está voltando.— anuncia se levantando da mesa.
Balanço a cabeça e o imito prontamente. Parte de mim queria ouvir como ele teria completado essa fala mas nos preocupamos em sair da sala o mais rápido possível. Salvos pelo gongo que é sua audição apurada, andamos em passos apressados para o refeitório há muito movimentado. Fico olhando por cima do ombro, a tempo de ver o professor retornando em passos tranquilos e cabeça baixa assim que dobrou uma esquina. Convencida de que Jasper não inventou uma desculpa para que deixássemos a sala, volto a olhar para frente. Procuro dar o máximo de espaço possível para o rapaz para que ele possa respirar — ou quase isso.
Nós não falamos nada até nos sentarmos na mesma mesa dos dias anteriores, colocando-a entre nós como uma muralha baixa para que possamos conversar mesmo que o clima seja de que está prestes a rolar uma guerra. Ou seja, ele contra seu desejo de sugar cada gota do meu sangue.
Com esse pensamento, uma nova dúvida surge na minha mente.
— Não que eu vá fazer uma doação, mas o que aconteceria se você provasse um pouco do meu sangue?— pergunto em voz baixa, debruçando-me sobre a mesa, as mãos cruzadas sob os peitos.
— Não haveria uma opção assim. Ou é tudo ou nada.
— Explique melhor.
— Quando nós... mordemos uma presa, nós ficamos presos a ela— ele revira os olhos como se fosse alguma piadinha cruel do universo— Nunca ouvi de um vampiro que tenha parado na metade. Seria ainda mais impossível para mim já que...
— Teve uma criação diferente dos seus irmãos— completo por ele e o loiro assente parecendo um pouco surpreso pela minha interrupção.— Hã, posso saber porque você apontou para seus olhos aquela hora?— pergunto mudando de assunto porque as perguntas que me vieram a mente teriam que abordar o passado dele coisa que ele já disse que se recusa a discutir. Pelo menos por agora. Vou ter que aturar essa.
— Ah, meus olhos dizem aos outros o tamanho da minha sede, quanto mais escuros estão, com mais sede eu estou, mais perigoso eu sou.
— Nunca vi seus olhos escuros— comento.
— Nem vai ver— ele levanta a sobrancelha e seus olhos descem me medindo com alguma dúvida. Cerrei os punhos porque de alguma forma ele pareceu um tanto provocativo e isso me desconcertou. Ajeitei-me no assento e cruzei as pernas— Não vai comer, Caterine?
— Ah, certo— eu coloco minhas mãos na mesa e me ergo. Olho para a cantina que não apresenta nenhuma fila e olho para Jasper— Me espere aqui. Por favor— acrescento.
— Não pretendo ir á lugar algum— mais uma vez a sombra de um sorriso aparece no seu rosto e eu reparo que estou começando a apreciá-la também. Sorrio-lhe em agradecimento e vou com pressa buscar meu almoço.
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