Acampamento com a maninha
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Espreguiço-me e olho o relógio no pulso de Alice. É para ser apenas uma festa do pijama, sem emoções demais além disso. Papai aceitou as desculpas de Alice de que os rapazes estão fora da cidade e a mansão dos Cullen seria só nossa pelo fim de semana.
O carma tem um costume feio de querer me matar sempre que eu estou prestes a fazer algo errado, mas espero que ele não aja dessa vez. Eu estou fazendo o que é necessário, universo, tenha dó. Não vou aguentar se Victoria for uma versão 2.0 de seu ex-amor, o que ela está se mostrando ser, aparentemente, já que criou um exército só para se vingar.
Não posso julgar, eu também ficaria bem possessa se matassem o amor da minha vida. Coisa que nunca vai acontecer, por sinal. Jasper é imbatível e logo eu também irei proteger ele, assim que me tornar vampira, não correremos mais nenhum risco nessa vida nem nas próximas.
— Então? O que fazemos agora?— perguntei, ajeitando as mangas do meu macacão até acima dos cotovelos. Estou me sentindo uma espiã prestes a entrar na base do inimigo e a sensação até que é excitante. Ainda são só nove horas da manhã.
— Agora lhes darei um mapa para que vocês sigam as linhas marcadas.— Alice mexeu na sua bolsa, tirando de lá um mapa grande dobrado— Infelizmente, se queremos pegar eles de surpresa mesmo, não poderei levar vocês até lá. Não queremos que reconheçam nosso cheiro. Jasper estará as esperando.
É isso. Vamos começar. Movo a cabeça de um lado para o outro para estalar o pescoço e pego a mochila do chão para colocá-la nas costas.
— Mapa para Bella, por favor— apontei e Bella sorriu ao pegá-lo da mão de Alice.
— Eu não tenho senso de equilíbrio, mas pelo menos tenho de direção— ela abriu o papel para dar uma espiada na trilha que aparentemente começava exatamente onde estávamos paradas.
Alice foi nos buscar em casa e não demorou a viagem. Passando um quilômetro da placa de Forks, ela parou o carro no acostamento e nós descemos.
— Vamos tentar não nos perder— eu disse, meio afobada.
— Vocês chegarão lá uma e quarenta da tarde— Alice confirmou. Fiz careta.
— Diz que não é por causa do meu sedentarismo!— gemi, preguiçosa.
— Está bem, eu não digo— Alice sorriu, evitando cuidadosamente tocar em nós.
— Acha melhor seguirmos por aqui?— Bella abriu o mapa no capô. Eu não entendi porra nenhuma, fiz uma careta e nem tentei ler aquilo, apenas observava uma linha torta se estendendo por uma zona verde-limão.
— Sim, tentem ter o máximo de contato possível com as coisas a sua volta a partir deste ponto— Alice colocou o indicador sobre o número um desenhado— Devo dizer que vocês não verão Jasper, mas tenham certeza de que ele está lá, ok? Vocês não estarão sozinhas— Alice reforçou e nós assentimos, sem nos preocuparmos.
— Vai dar certo, né?— franzi a testa.
— Como estamos na frente, posso dizer com certeza que damos conta. Depois os lobos se metem, mas tenho certeza que acabaremos com tudo bem rápido.
— Certo, é amanhã— Bella suspirou e começou a dobrar o mapa de novo.
— Sim, vai acabar logo.
— É, só vamos ser duas humanas inofensivas acampando em uma clareira tenebrosa quilômetros longe da civilização. Sem contar com o risco de ter um bando de vampiros dispostos a arrancarem nossos corações com um só golpe. Somos sortudas, Bella, vai ser uma morte rápida— comento com um largo sorriso no rosto. As garotas me lançaram olhares de censura.
— Jasper mataria todos eles sozinho para proteger você... vocês— Alice se corrigiu.
— Vinte e dois vampiros? Sozinho?— Bella arregala os olhos, surpresa com a certeza que Alice dissera aquilo.
Alice apenas sorriu.
— Vejo vocês amanhã— ela retornou para seu carro que com certeza era novinho em folha e nos mandou beijos. Ela entrou na Ferrari e partiu nos dando buzinadas como uma assediadora de plantão.
— Acha que Jasper consegue? Tipo, não vinte e dois vampiros, mas e se alguns passarem pelos outros?— Bella perguntou, ainda chocada. Dei de ombros e sorri indo para a floresta.
— Meu garoto pode qualquer coisa.
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Eu definitivamente odeio caminhadas longas. Trilhas, malditas sejam, meus pés estão me matando. Nunca pensei que poderia sentir tanto calor assim no eterno inverno que é o lugar onde moro.
— Já estamos chegando?— gemi atrás de Bella. Ela olhava para uma bússola e parecia bem melhor do que eu embora também estivesse soando.
— Mais uma hora e meia— ela ofegou, não tão contente quanto eu. Eu quis chorar.
— Quatro horas de trilha! Eu nunca mais vou querer entrar em uma luta em toda minha vida!
— Beba água, Caterine, mas não para de se mover, vai ser mais difícil se parar.
— Mais difícil do que isso!?— praticamente gritei, zangada.— E eu nem vou tomar um banho quando chegarmos, pode ser pior?
— Lembre-se de que a ideia de virarmos isca foi sua— Bella respondeu igualmente ofegante.
— Da próxima vez que eu sugerir algo tão incoerente e estúpido, prometa-me que vai quebrar uma cadeira nas minhas costas!
— Ah, prometo ficar atenta. Vai ser uma experiência muito revigorante— ela brincou e a vi tropeçar em outro tronco caído por estar me olhando por cima do ombro. Bella se levantou sozinha enquanto eu ainda processava o que havia acontecido. O céu é o mesmo de sempre e eu nem posso dizer que o sol está torrando meus neurônios, mas indubitavelmente, eu perdi uns oito quilos nessa caminhada.
— Você está bem ou eu posso rir?— perguntei. Rir doía mas também era uma reação automática, fala sério, a Bella não para de cair.
— Eu juro que é muito difícil amar você, Caterine!— ela resmungou, apertando o passo. Todo meu corpo protestava, mas eu tinha medo de me perder então me forcei a acompanhá-la.
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O mais puro inferno. Eu jurava que estava perdendo partes de mim a cada passo que dava. Lá se foi minha outra perna, tchau, tchau!
Fazer trilha não é bem o melhor evento em família. Ficamos quietas mais da metade do caminho e eu tinha que a alfinetar vez ou outra para quebrar o gelo, mas o silêncio não demorava a se fazer presente. Bella não queria papo e eu tinha cada minuto mais certeza de que ela estava incomodada com alguma coisa, no entanto, não tinha fôlego para conversar e quando ela avisou que estávamos chegando, eu tremi de um jeito surreal. Tentaria correr, mas meu corpo estava tão tenso e esgotado que eu só tive certeza que não aguentaria andar nem mais cinco metros.
Eu me apoiei em muitas árvores ao longo do caminho, aposto que Bella deixou lindos rastros com suas mãos raladas. Isso tem que bastar. Quando o espaço se abriu e eu saí da floresta enfim, joguei-me no chão sem olhar por onde. Poderia fingir que estava abraçando a terra. Bella me imitou, como sempre, caindo só depois de mim e eu gemi por, tipo, um minuto. Não sentia meu corpo e estaria mentindo se dissesse que o prazer foi imediato. Eu sairia daqui sarada e não aceito menos que isso.
— Cat...— Bella ofegou— a barraca.
Eu quis chorar. Nem tinha pensado em como iríamos montar a maldita barraca.
— Que se foda, eu vou dormir aqui mesmo— dramatizei.
— Não, Caterine, olha para a esquerda.
Eu bufei, impaciente. Com algum esforço, descolei minha bochecha do chão e virei o rosto soprando a grama para fora da minha boca. A poucos metros de nós, lá estava, uma grande barraca azul, montada e a nossa espera. Eu sorri e fechei os olhos. Sabia que eles nos dariam uma barraca, só não tinha pensado que eles deixariam tudo pronto. Ou melhor, ele.
Se eu o visse nesse momento, me casaria com Jasper agora mesmo!
— Me leva até lá— Bella pediu. Eu soprei uma risada.
— Depois do meu cochilo— respondi e permaneci ali, debruçada no chão. O que eu não faria para me livrar de todo esse cansaço de uma forma mais rápida!
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Dizer que eu fui arrastada seria ridículo, mas está longe de ser uma mentira e é a primeira coisa que eu processo. Eu respirei fundo e olhei ao redor quando meu sono já havia se saciado, despertei sem demora, umas horinhas sem sonhos nem pesadelos, eu devia levar meu corpo aos extremos mais vezes! Meu corpo todo rangeu como se fosse uma máquina enferrujada assim que eu rolei por cima do saco de dormir. Eu não podia ver Bella, na verdade, não conseguia ver quase nada. Já escureceu?!
— Hum, Bella?— eu chamo sentindo minha boca seca. Forcei-me a me sentar e estiquei a mão, sentindo o tecido cuja textura eu detesto na ponta dos dedos. Procurei cegamente pelo zíper e o encontrei sem dificuldade.
— Estou aqui— Bella respondeu quando eu saí da barraca. Surpreendi-me em vê-la sentada em um banquinho, esperando os marshmallows torrarem. Vi uma caixa térmica azul enorme do seu lado e decidi ir investigar. Quando tirei a tampa, me deparei com muitas besteiras. Refrigerantes, biscoitos, bolachas, salgadinhos, frios, pães...
— Isso é...
— Demais? É, acho que eles deveriam saber que a gente não vai consumir tudo isso em uma noite.
Eu ri e me sentei no chão, ignorando o banquinho do outro lado de Bella. Nós olhamos para o fogo e eu me poupei de elogiar sua fogueira. É capaz de eles terem deixado até um maçarico para facilitar nossas vidas. Os Cullen não só colocam a faca e o queijo nas nossas mãos, eles o picam antes e colocam palitinhos para que a gente possa provar.
— Sabe o que isso me lembra?— Bella puxou assunto, tirando o marsmallow de perto do fogo e o soprando para que ele pudesse esfriar.
— O que?— abracei minhas pernas sentindo o frio se intensificar nessa noite escura e me ceguei com a dança hipnotizante das labaredas.
— Do estúdio de balé. Das garotas. Lembra de quando a gente saiu para acampar nos fundos da casa da Amber?— eu a olhei, Bella sorria e balançava a cabeça— Foi um dia bom.
Eu me lembrava muito pouco, na verdade, mas sei que aconteceu embora esteja longe de poder dizer com clareza o que houve. Lembro que foi divertido, mas minha memória é falha e eu não conseguiria descrever o rosto de nenhuma daquelas garotas. Éramos oito ou dez, no total. Pirralhas tagarelas que gostavam muito de vestir rosa e passar o tempo vendo revistinhas de celebridades. Eu peguei uma pequena garrafa de refrigerente de laranja do nosso estoque e voltei a encarar o fogo.
— Aquela vaca roubou meu Ken— resmunguei antes de dar o primeiro gole. Bella riu.
— Aposto que você perdeu e ficou cismada com a Amber porque ela vivia cobiçando ele.
— Eu não perdi. Eu sei que foi ela. Amber era minha maior fã, aquela garota queria ser eu.
— Ela era louca para te superar no salto corsa— Bella balançou a cabeça. As memórias boas dos meus dias de ballet foram desbloqueadas e eu senti tanta, tanta falta.
— É— eu deixei escapar um sorriso triste e respirei fundo bebericando mais do meu refri— Se ela continou, aposto como deve estar tão melhor do que eu.
— Eu gostava de te ver dançar.— Bella admitiu atraindo meu olhar para si novamente. Com as memórias boas, o motivo de eu ter parado de dançar balett também voltou como um flash de luz bem na minha cara e eu fiquei desconfortável.
— Eu também gostava muito de dançar— resmunguei.
Eu me lembro daquele dia assustador. Quando eu era só uma garota inofensiva e um homem que eu já não gostava tentou me tocar. Eu sinto meu estômago se revirar todas as vezes que lembro da sua mão áspera subindo pela minha coxa. Mesmo através da meia calça, eu pude sentir o seu calor. Lembro-me de seu hálito asqueroso em meu ouvido e lembro do desespero que senti para sair correndo.
Não sei bem o que dizer sobre isso agora. Não gosto de pensar nisso.
— Seria bom vê-la dançar de novo— Bella sussurrou, mas não tive coragem de olhá-la. Só queria me encolher sempre que lembrava daquele maldito zelador. Seu nome deveria ser considerado uma praga.
Faz tanto tempo que eu nem penso em ballet, é apenas um tema esquecido, enterrado no meu coração. Mas eu posso fazer isso de novo. Eu criei um bloqueio tão grande entre o ballet e eu depois do que aconteceu que parecia até errado não parar imediatamente com aquilo. Como se uma coisa estivesse conectada com a outra.
Mas não está, nunca esteve. É quase uma epifania.
Eu posso dançar de novo. Sinto um arrepio intenso correr pelo meu corpo, é o amor genuíno que eu tenho pela dança se reacendendo ou, simplesmente, mostrando que ainda está aqui.
Eu sorrio e Bella me encara com expectativa.
— Quem sabe?
Depois de amanhã, a gente resolve isso.
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