P R Ó L O G O
P R Ó L O G O
"Inerente
adjetivo de dois gêneros
que existe como um constitutivo ou uma característica essencial de alguém ou de algo.
que só existe em relação a um sujeito, a uma maneira de ser que é intrínseca a este."
Condado de Oxford, Inglaterra.
Município de Pinewood*.
01/06 - Segunda-feira.
05:45 P.M.*
Alevi White encarava o teto, deitado de barriga para cima. Estava sozinho no dormitório, e por isso não sentiu necessidade de vestir-se com mais do que uma calça de moletom antiga e uma camisa amassada.
Era o primeiro dia de férias. Uma segunda-feira ensolarada, aproximando-se do fim. Alevi virou a cabeça para o lado por um momento, encarando a janela emoldurada por cortinas brancas. A abertura dava passagem para uma sacada bonita e, ainda no colchão, ele conseguiu enxergar um resquício do pôr do sol por entre as grades de segurança. Seus grandes e curiosos olhos azuis cristalinos notaram os tons de laranja colorindo o céu, adaptando-se à claridade morna num sentimento de profunda admiração pelo belo cenário. O rosto suavemente quadrado, de pele clara e juvenil, exprimiu um sorrisinho, fazendo brotar nele também seu inevitável par de covinhas não muito profundas.
Os lábios desenhados, maçãs coradas e sobrancelhas retas, atribuíam-lhe um semblante doce, totalmente condizente com a sua personalidade. Era um garoto de dezesseis anos recém-completos, de traços tão delicados quanto seu jeito de ser. Ainda deitado, tomou o celular em mãos, mudando para a próxima música da playlist que ecoava em seus fones de ouvido. Ao bloquear a tela, analisou o próprio reflexo na superfície escura, deparando-se não só com a desordem que as ondas castanhas conferiam à sua cabeça, mas também com o único detalhe na própria aparência que incomodava-o profundamente: o sutil conjunto de sardas que lhe atravessava toda a face, principalmente seu nariz e o alto das bochechas. As manchinhas vinham da avó materna, uma mulher ruiva horrível, por dentro e por fora. A semelhança com a megera feria sua autoestima.
Então, um desconforto o perturbou. Algo não parecia certo, o que geralmente significava que estava se esquecendo de alguma coisa.
De súbito, a porta do dormitório, previamente destrancada, foi aberta. Thomas Green se materializou no recinto, uniformizado, e com os cabelos castanhos cacheados organizados num topete meio desalinhado, mas bonito ainda sim. Mirava Alevi de cima, sorrindo com a testa franzida, numa divertida expressão de curiosidade. White se sentou, igualmente confuso, e livrou-se dos fones para poder conversar.
—Ué, por que você ainda não está pronto? — Thomas perguntou.
—Pronto? — A cabeça pendeu um pouco para a direita. —Para que?
Era comum que o melhor amigo invadisse seus aposentos sem avisar, entretanto, ele não costumava chegar questionando o porquê de o outro não estar "pronto".
Diante da resposta, Thomas soltou uma risada descontraída, balançando a cabeça de um lado para o outro, como quem de alguma forma já esperava por aquela reação.
—O pronunciamento, Levi! — Falou. —Hoje a diretora vai falar sobre os Jogos, lembra?
Alevi bateu sem força na própria testa, fechando os olhos e caindo em si para o compromisso que esqueceu.
—Quanto tempo eu tenho?! — Se levantou depressa, deixando o celular para trás.
—Quinze minutos. — Checou o relógio atado ao pulso direito. —Quer dizer, vai começar em quinze minutos, mas vamos levar um tempo para chegar até o auditório, então... Bem, só seja rápido. — Riu.
Alevi pegou o uniforme de verão guardado em seu armário, e correu para o banheiro. O conjunto consistia em uma bermuda caqui, gravata azul-marinho, camisa social branca de mangas curtas e um cinto preto. Vestiu-se com urgência, sabendo que o descumprimento do dress code* era sujeito a punições severas, e mirou os cabelos no espelho. Somente alisou a bagunça castanha com as mãos, já que a situação não lhe permitia ser muito vaidoso, e retornou para o quarto, onde Thomas Green o observava com um sorrisinho nos lábios, aparentemente vendo graça na sua aparência.
—Ei, acha divertido me ver todo bagunçado?! — Acusou, brincando, enquanto colocava os habituais tênis claros. Não existiam calçados específicos no uniforme, a escolha ficava a critério de cada aluno.
—Não, acho fofo. — Respondeu sincero, dando de ombros.
Alevi corou de leve, e percebendo isso Thomas sorriu mais largo ainda. Era dono de um sorriso atraente, bastante genuíno e cativante.
—Vamos, Tom, não quero que perca a palestra por minha causa! — Se levantou, puxando o mais velho pela mão para a saída do dormitório, com pressa.
Antes que pudesse tocar a maçaneta, foi interrompido por um carinhoso beijo na bochecha.
—Não se preocupe viu, você está uma graça. — Green falou, gentilmente. Seus olhos cor-de-mel se prenderam aos azuis cristalinos do outro, enquanto os rostos estavam bastante próximos. —E eu sinceramente não me importo de me atrasar com você.
[...]
Alevi e Thomas se aproximavam do auditório. O Instituto Ólympus assemelhava-se a um labirinto de infinitos corredores largos, com piso em mármore branco e paredes claras. A iluminação era feita por meio de lustres dourados aqui e ali, e todas as portas continham placas de identificação. De metros em metros se viam decorações sofisticadas, como quadros antigos, vasos de plantas discretas e tapetes azul-marinho.
Alevi passava pelo pátio central do colégio, quando teve a atenção fisgada por um pequeno grupo de alunos atravessando o outro lado do salão, seguindo na direção oposta a sua.
—Ué, eles não vão assistir a palestra, Tom? — Questionou observando-os, curioso.
Green virou a cabeça de leve, para ver de quem se tratava. Encontrou gravatas afrouxadas nos pescoços, músculos expostos, tatuagens, piercings, cabelos coloridos ou completamente raspados: tudo aquilo que herdeiros de fortunas incalculáveis faziam na própria aparência para contrariar a família e supostamente validar o quanto "não eram" filhinhos de papai como todos os outros, embora fossem.
Quando deparou-se com tais indivíduos, Thomas não pôde deixar de rir, respondendo:
—Aqueles ali?! Impossível. É hora de bater ponto na função de "vergonha da família". — Fez aspas com as mãos. —Como se os pais deles não fossem tão viciados quanto... — Resmungou.
Alevi franziu o cenho. Desde o simples termo "bater ponto", todo teor da frase causou confusão. Thomas, percebendo, sorriu sozinho, cativado pela inocência.
—Levi, eles vão aproveitar que os corredores estão mais vazios, por causa do pronunciamento, para fumar em algum lugar, entendeu? Os inspetores vão estar mais distraídos.
—Mas vão... Bater ponto? Bater em alguém?!
—Não! — Deu risada. Como era bom ser herdeiro... —Como posso explicar... É quando se faz uma coisa regularmente. Tem a ver com trabalho, porque...
Enquanto Thomas continuava tentando explicar o significado daquela expressão, conhecida por ele, que era bolsista e vinha de família humilde, e desconhecida pelo melhor amigo nascido em berço de ouro, Alevi, um tanto alheio, olhou pela última vez para o grupo na extremidade oposta do pátio. Pessoas que sentiam aquela espécie excêntrica de prazer no ato de quebrar regras intrigavam sua mente dócil.
Um dos rapazes flagrou-o observando. Era Kenai Bullet, aluno do último ano. Gigante, tão alto quanto a genética lhe permitia ser, e extremamente mal encarado. Tinha cabelos loiros queimados, curtos, raspados nas laterais, e fuzilou Alevi com um olhar aniquilador. Surpreso e constrangido, White desviou a atenção rapidamente, virando a cabeça para o outro lado.
—Olha lá, sua irmã esperou a gente. — Thomas, que não percebeu nada, despertou-o do seu transe, apontando para o fim do corredor.
[...]
Chegaram a tempo de pegar o pronunciamento desde o começo. Alevi se sentou entre seus dois acompanhantes, Thomas e a irmã mais velha, Mackenzie. A postura de bailarina tornava a rasa diferença de altura entre eles (era um pouco mais baixa que o irmão) praticamente imperceptível.
Mackenzie White tinha dezessete anos, assim como Green. Estudavam na mesma turma e, no entanto, a única outra coisa que possuíam em comum era serem próximos de Alevi.
A adolescente trançava seus cabelos loiros, enquanto os olhos castanhos escuros corriam pelo anfiteatro, pensando na melhor amiga, Vanessa. A latina provavelmente estava no dormitório compartilhado entre elas, sendo engolida pelo namorado pervertido. O regulamento do internato proibia a entrada de garotos na ala dos dormitórios femininos, e vice-versa, mas, assim como todas as regras dali, bastava você não ser flagrado que nada de fato acontecia.
Mackenzie era dona de sobrancelhas claras arqueadas que, embora não contratassem com sua pele alva, ornavam simetricamente com seu nariz fino e reto, dando-lhe uma expressão felina aliciante. Terminando a trança, retocou o gloss transparente dos lábios finos, usando um pequeno espelhinho de bolso rosa para assegurar a perfeição da maquiagem. Vestia o uniforme feminino de verão: saia rodada azul-marinho, batendo um palmo e meio acima dos joelhos, gravata do mesmo tom, e camisa social feminina branca. Calçava sandálias beges, altas e confortáveis, e uma corrente dourada de pingente brilhante pendia na altura dos seios pequenos.
Existia um falatório excitante no recinto, em que diversos alunos, inquietos, sobrepunham as vozes uns dos outros, animados com a chegada das férias de verão. No centro do auditório, uma mulher negra subiu elegantemente ao palco. Era ninguém menos do que a diretora, Athena Megalos Lancastre. Mackenzie suspirou admirada diante da figura imponente.
Athena não teve de dizer uma única palavra, sua aparição por si só foi suficiente para que todos rapidamente se calassem. Sorriu graciosamente, em agradecimento pelo respeito demonstrado. Colocou-se atrás de um palanque ornamentado, sobre o qual repousou suavemente seus antebraços. Diante do microfone, respirou fundo.
—Boa noite, corpo docente, administrativo, funcionários do colégio, e queridos alunos. — Sorriu, cordial. —Gostaria de, primeiramente, agradecer pela presença de todos. — Fez uma pausa. —Estamos reunidos aqui hoje por um motivo especial, e alegre. Os rumores voam, e não é segredo que mais uma edição da nossa tradicional competição esportiva acontecerá esse ano. Portanto, é com muita satisfação que anuncio que daqui dois dias se iniciam os vigésimos quartos Jogos M.C.K.!
Uma salva de palmas, gritos e assovios tomou conta do ambiente. Todos apreciavam o evento, que rendia bons momentos no internato. Aos poucos, o barulho foi cessando, e a diretora prosseguiu:
—Como muitos já têm ciência, nosso colégio foi fundado há setenta e dois anos por Arthur Megalos. Um homem honrado, cujo desejo mais profundo era o de disseminar o saber. Meu bisavô, memória a quem devemos total respeito, e admiração. — Fez outra pausa. —Arthur era inglês, descendente de uma família grega. E foi com as raízes da sua cultura ancestral que ele cultivou esta instituição de ensino. O Instituto Ólympus não só leva o nome do mais sagrado templo grego, como também carrega todos os valores educacionais propagados na Grécia Antiga. A valorização da arte, da filosofia, do saber. E também, do esporte. Do corpo humano como um elemento fantástico, capaz de superar limites e realizar feitos incríveis. — Lançou um sorriso terno aos seus interessados telespectadores. —Com o intuito de semear esse apego às atividades esportivas, os primeiros Jogos M.C.K. aconteceram, em 1955, tornando-se nossa mais alegre tradição, organizada de dois em dois anos. Para os novos estudantes, que ainda não vivenciaram o evento, a sigla "M.C.K.", abreviação das palavras gregas Mathitís Chrysó Kýpello, pode ser traduzida como Taça Dourada Estudantil, referindo-se ao grande prêmio ofertado à escola que tiver uma soma maior de pontos ao fim da competição, ou seja, os grandes vencedores. — Pausou uma última vez. —Como de costume, o colégio convidado deste ano será anunciado apenas quando os estudantes dele, selecionados pela sua administração para competir, acoplarem no campus. Devo recordá-los de que nenhum estímulo à rivalidade tóxica entre os times será tolerado. Esperamos de vocês, Atlética Olimpiana*, uma postura madura e louvável durante esses três meses. Seguindo esta linha de pensamento, eu convido o aluno Jacob White, presidente do Grêmio Estudantil, reeleito pela segunda vez... — Deu um sorrisinho, em tom de brincadeira. —...A assumir a fala, e discorrer um pouco mais sobre esse tema. Agradeço pela atenção.
Os jovens coordenaram outra salva de palmas, enquanto Athena dava um passo atrás, também aplaudindo, abrindo espaço para que o rapaz assumisse sua posição defronte ao palanque. Quando se aproximou dela, Jacob White lhe cumprimentou com um aperto de mãos formal. Acenando descontraidamente, virou-se para a plateia, que assoviava e gritava palavras de incentivo.
Aquele era o irmão mais velho de Alevi e Mackenzie. Quem o comparava ao caçula, logo percebia a existência de um parentesco. Tinha dezoito anos, e olhos azuis, como os do mais novo. Os seus, porém, eram mais sérios, e transmitiam bastante maturidade abaixo das sobrancelhas escuras. As outras semelhanças entre eles incluíam o nariz, a cor da pele clara, os cabelos castanhos, e lábios bonitos. No entanto, seu rosto de traços firmes, altura acima da média e físico trabalhado, deixavam bem claro qual deles era o mais velho, mais forte, confiante, e imponente. Vestia o uniforme masculino de verão do Instituto, assim como o restante dos estudantes, calçando tênis causais brancos limpíssimos, e usando um único acessório mais descontraído em seu look mauricinho: seu inseparável conjunto de pulseiras escuras, atadas ao pulso esquerdo.
—Boa noite, pessoal! Assim como nossa prezada diretora, gostaria também de agradecer pela presença de todos. — Sorriu, arrancando suspiros. Ali, exercendo o papel de presidente, usava um padrão de linguagem mais culto, e ainda sim soava tão charmoso quanto sempre. —Como foi dito, esperamos que os Jogos ocorram tranquilamente. O Grêmio Estudantil estará aqui para auxiliar em tudo o que for possível, mas precisamos que uma competição saudável seja o objetivo de todos, não só nosso. Uma corrente de comprometimento com a ideia com certeza vai garantir que todo mundo possa aproveitar o evento com o mínimo de dores de cabeça possível. Afinal, já teremos muito com o que nos ocupar, é claro. O troféu não vai se ganhar sozinho! E nossa estratégia para vencer inclui uma das tarefas mais difíceis de todas: garantir que o pessoal do Lacrosse chegue na hora para as partidas. — Brincou, referindo-se a um incidente recente em que os atletas quase perderam um campeonato por atrasarem-se na final. —Vocês já devem imaginar como isso por si só vai ser trabalhoso, então não inventem de arranjar encrenca com o outro colégio! — O auditório explodiu em risadas, enquanto o time mencionado gesticulava divertidamente, se orgulhando do feito já que, mesmo com atraso, venceram a tal competição.
Um murmúrio de concordância amigável se espalhou, mas notava-se que os alunos ali presentes eram única e exclusivamente aqueles não conhecidos por causar problemas, ou quebrar regras. Os outros, ou seja, a parcela com algum tipo de inclinação a rebeldia, viram no pronunciamento uma oportunidade para furar algumas normas do regimento, aproveitando a distração dos funcionários. Portanto, quem realmente deveria escutar tais palavras, não estava no recinto. E mesmo se as ouvisse, provavelmente não as levaria em consideração.
—Agora, falando sério, eu e o restante do Grêmio Estudantil ficamos muito satisfeitos em ver que todos parecem dispostos a selar esse pacto conosco, e curtir os Jogos sem estresse. —Sorriu largo. —Lembro, mais uma vez, de que qualquer um que presencie alguma forma de comportamento inadequado, pode reportar à nossa equipe imediatamente, sem sofrer consequências. Manteremos sua identidade em sigilo. — Correu os olhos azuis pelo auditório. —Agradeço pela atenção, e espero ver todos torcendo com a gente!
Uma última salva de palmas longa preencheu o salão.
Jacob era notável, essa vinha a ser sua principal característica. E isso queria dizer que quando falava, os outros ouviam. Quando entrava no recinto, pessoas paravam para apreciar sua chegada. Quando tomava uma decisão, ninguém queria discordar. Ele tinha o respeito e admiração da maioria dos alunos, com exceção daqueles que o odiavam, justamente, por ser assim tão "perfeito".
E sequer imaginava que essa seria sua ruína.
NOTAS FINAIS
*P.M. = Pós meio-dia. Exemplo:
11:45 A.M. = Onze horas antes do meio dia, ou seja, onze horas da manhã.
11:45 P.M. = Onze horas após o meio-dia, ou seja, onze horas da noite.
*Pinewood = Cidade fictícia inventada por mim.
*Dress code = Código de vestimenta.
*Its's nicotina time, baby. = É hora da nicotina, baby.
*Atlética Olimpiana = "Atlética" é uma organização esportiva de um colégio ou universidade. O nome da atlética do Instituto Ólympus é Atlética Olimpiana, em referência ao nome do colégio.
Olá! Espero que tenham gostado do capítulo. Desculpem por qualquer erro de ortografia, repetição, ou mal entendimento. Deixem suas criticas, por favor! Beijos!
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