Capítulo XIII - Primeiros Passos.
NOTAS INICIAIS
Oie! Tenho novidades: a história recebeu mais uma premiação! Em breve, vocês saberão mais sobre! O Wattpad está acabando com a formatação do capítulo, então perdão pelo espaçamento horrível entre parágrafos. Tentei resolver, mas não está adiantando. Enfim, aproveitem o quanto puderem! Beijos!
CAPÍTULO XIII — Primeiros Passos.
"Tente mover o mundo - o primeiro passo será mover a si mesmo."
— Caio Fernando Abreu.
Condado de Oxford, Inglaterra.
Município de Pinewood.
06/06 - Sábado.
10:15 A.M.
Programados para durar treze semanas, os Jogos M.C.K. contariam com uma competição esportiva diferente em cada uma. As vitórias valiam pontos, e o colégio que obtivesse a maior quantidade deles ao término do verão era declarado vencedor. Algumas modalidades se resolviam em uma única noite, enquanto outras levavam dias para chegar até um resultado final. O espaço de tempo entre uma disputa e outra era usado não só para o descanso dos atletas, mas também para que os jogadores convidados pudessem treinar nas instalações do Instituto Ólympus, se habituando ao ambiente.
Domingo seria a estreia dos estudantes em campo, com vigorosas partidas de Rugby masculino e feminino. Como não possuíam material e espaço adequados para se preparar no próprio colégio, os treinadores do PHS (que não passavam de professores com um superficial conhecimento sobre o esporte) solicitaram uma disputa amistosa (que de amistosa não teria nada) contra seus anfitriões. Assim, os times poderiam se sentir mais confiantes antes do jogo oficial.
Alevi aprendeu, durante algumas conversas rápidas com seu irmão mais velho, que Kenai fazia parte de quase todos os times esportivos. Pensando nisso, imaginou que talvez conseguisse encontrá-lo no amistoso. Com Thomas ocupado praticando xadrez, teve a abertura perfeita para fazer o que pretendia.
Chegando no gramado, se surpreendeu ao não visualizar Bullet entre os demais garotos e garotas. Sem prestar muita atenção no jogo, direcionou-se para o vestiário, onde quem sabe o encontrasse. No recinto, que era mais simples do que o dos ginásios fechados, também não vislumbrou sinal algum do rapaz. Enquanto se retirava, quase desistindo da própria ideia, percebeu uma aproximação.
—Olá! — Era Cristina, a assistente técnica do time de Rugby. —Não me lembro de te ver por aqui antes. Estuda no PHS? Meu nome é Tina, posso ajudar se estiver perdido ou precisar de algo. — Ela segurava uma prancheta, com os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo alto e um apito pendurado no pescoço.
Por ser fim de semana, Alevi não vestia uniforme, o que causou a confusão. Na verdade, usava jeans claros, camiseta lilás e seu All Star branco manchado de tinta. Ele apertou uma das alças da mochila que carregava, e respondeu:
—Oi, eu sou do Instituto mesmo... — Sorriu, um pouco sem jeito. —Mas não costumo vir até aqui. Só estou procurando uma pessoa.
—Entendi. — Assentiu. —Ainda sim, posso ajudar de alguma forma?
Alevi ponderou um pouco antes de responder. Talvez ela pudesse.
—Você viu o Kenai?
—Kenai Bullet? — Tina franziu o cenho.
—Isso. — Não acreditava no que estava fazendo. —Pensei que ele estaria jogando...
—Nem todos precisam participar dos amistosos, e Bullet tem pouquíssima tendência a querer ajudar o time, a menos que seja obrigado a isso. — Sua fala continha certo amargor. —Provavelmente, ele está no galpão.
O galpão tratava-se do lugar que, por muitos anos, serviu para o treinamento de lutas e musculação no Instituto. Mas isso foi antes de construírem um novo e mais moderno espaço, o que culminou no abandono do anterior. Ninguém ia até lá, e Alevi, sabendo disso, se perguntava quais seriam as razões do loiro o fazer.
—Ok, muito obrigada! — Começou a se virar, prestes a ir embora.
—Espera... — A mulher pediu. —Posso perguntar o que você quer com ele?
White travou por um momento.
—Não é nada demais...
—Se ele estiver fazendo algo com você, ou te ameaçando, ou... — Parecia um tanto preocupada.
—Não, não. Não é nada disso... — Interrompeu-a, sem ser grosseiro.
—Só estou dizendo que se ele estiver, pode pedir ajuda. — O encarou, firme. —E se realmente não for o caso... Você pode encontrar melhores companhias, garoto.
Alevi não soube o que responder. Sem encontrar palavras para tanto, apenas assentiu, forçando um sorriso (que obviamente saiu estranho) antes de seguir seu rumo.
[...]
Os treinos de xadrez aconteciam em uma sala ampla, repleta de mesas redondas, que também servia como pequeno acervo para livros didáticos antigos. Era convidativamente clara, de atmosfera serena, iluminada por janelas bem posicionadas. Por se localizar no andar voltado para bibliotecas, o local se fazia envolto pela quietude perfeita para a prática do esporte.
Thomas Green e sua equipe de cinco pessoas se reuniam ali, jogando em duplas para exercitar as estratégias pré-elaboradas por todos. Entre os participantes, estavam Nickolas Fray (melhor amigo de Jacob) e Ivan Sidorov (o rapaz russo aprovado no teste alguns dias antes).
Então, alguém bateu de leve na porta entreaberta.
—Olá! Desculpa interromper... — Era Madison Vigas. Todos a encararam. —Posso falar com o capitão de vocês?
Thomas pediu licença para Selena, a jovem indiana com quem praticava, indo ao encontro da ruiva.
—Oi! — Ele dirigiu a conversa para fora do cômodo, de forma que esta não atrapalhasse o raciocínio dos demais. —Posso ajudar? — Notou a camiseta do PHS vestida pela linda menina, tendo a estranha sensação de que já a conhecia de algum lugar.
Green tinha ciência de que todo o incidente da festa foi orquestrado pelo colégio rival. Ainda que ressentisse o acontecido, não poderia transparecer seu desgosto. Afinal, ninguém deveria saber que ele esteve no evento, em primeiro lugar. Portanto, para manter as aparências, se sentia obrigado a ignorar as próprias frustrações, e ser prestativo.
—Acho que pode ajudar sim. — Viegas suspirou. —Meu nome é Madison. Sou a capitã do time de xadrez do meu colégio. Aquela é minha equipe... — Apontou para um garoto e uma garota parados no corredor, que acenaram de leve. Green os cumprimentou de volta. —Tem um que está atrasado, mas somos só nós. Estávamos pensando se podíamos usar o material de vocês para treinar um pouco.
—Ah sim! — Se esforçava para lembrar onde a tinha visto. Sem sucesso, desistiu. —Thomas Green. — Sorriu, galanteador, estendendo a mão para um cumprimento que foi logo aceito. —Claro que podem. Entrem, e fiquem a vontade. Estamos usando alguns tabuleiros, mas temos outros para emprestar.
—Muito obrigada! — Sorriu de volta. —É um alívio. Finalmente vamos ter peças de verdade. Ei, pessoal! — Chamou seus colegas. —Podem vir. Mas sabem como funciona, silêncio, tá legal? — Pediu, gentilmente.
A dupla se aproximou, muito tímida. Logo, todos adentraram a sala, e Thomas apresentou os dois grupos. Mesmo sabendo que seriam oponentes no futuro, não houveram atritos maiores do que discretos olhares de desconfiança.
—Vocês podem usar essas daqui... — Green os guiou até duas das mesas redondas. —Vou pegar os tabuleiros.
Como estavam em número ímpar, Madison se deixou sobrar, ficando sem oponente para praticar.
—Normalmente somos quatro, aí dá certinho... — Explicou baixo para Thomas, sem graça. —...Mas, como falei, um deles está atrasado.
O cacheado, percebendo que Selena, a jovem com quem jogava anteriormente, estava ocupada distribuindo conselhos aos colegas de equipe, resolveu entreter Viegas enquanto aguardavam pela chegada do quarto integrante. Mais uma vez, a conduziu até o corredor.
—Então... Esse garoto costuma perder os horários assim sempre? — Tentou puxar assunto.
—De vez em quando... Não é como se desse pra fazer algo a respeito, de qualquer forma. Já temos dois a menos no time, suspender ele só deixaria as coisas mais difíceis. — Deu de ombros.
—Entendo...
—Ainda sim, estou muito feliz que a gente possa praticar um pouco antes de competir. Mais uma vez, muito obrigada por isso.
—Imagina. — A presenteou com um sorriso doce, sem mostrar os dentes. —Vocês não treinaram antes?
—Tentamos... — Olhou para o chão, evidenciando certa mágoa. —Só que sem treinador, sem espaço e sem material, ficou muito difícil. Sei lá quantas vezes tivemos que improvisar peças com coisas aleatórias, borrachas, tampinhas, para poder jogar.
—Caramba...
—O pior é que, se perdermos, a gente já era. Nossa escola nunca vai investir em um clube de xadrez de verdade depois disso. — Suspirou. —E sinceramente... Não temos a menor chance. Só de olhar pra esse lugar isso fica bem claro. Mas está tudo bem. Treinar aqui já vai ser uma experiência e tanto! — Sorriu.
Thomas sentiu pena. Ele mesmo era de uma família muito humilde, que vivia em North Yorkshire, uma grande zona rural da Inglaterra. Sabia como a vida poderia ser difícil quando faltavam recursos, entendendo o quanto era privilegiado por sua bolsa de estudos no Instituto. Não imaginava que a situação do Pinewood High School estava tão precária, embora soubesse tratar-se de uma instituição pública, que certamente não teria muitas regalias a dispor.
—Mas isso não faz sentido... — Começou ele. —Sua diretora deve saber que aqui temos um clube de verdade, com práticas de verdade. Como esperam que vocês vençam?
—Aí que está... Não esperam. — Deu de ombros. —Minha escola mal tem dinheiro para comprar, não sei, bandejas para o refeitório, gastar com um clube é algo bem "utópico". Só que se a gente ganhasse de vocês, que são tão bem treinados, talvez isso mostrasse que temos capacidade de trazer muito mais para o colégio. Quem sabe até mesmo prêmios em dinheiro de outros campeonatos. Mas para entrar em qualquer competição, o PHS teria que realmente reconhecer a gente como um time de verdade. E isso não é muito barato.
Green cruzou os braços, pensativo.
—Olha, os Jogos de Xadrez serão só na penúltima semana. Vocês têm um bom tempo para se preparar.
—É verdade... — Olhou pra baixo. —Mas, sinceramente, não sei se consigo liderar esse pessoal. Só sou capitã da equipe por ser a única com "experiência" no esporte, se é que dá pra chamar jogar casualmente com os avós de experiência. Ainda sim, já faz muito tempo. E nunca tive que ensinar ninguém.
Thomas a olhou de cima (mas não muito, pelo fato de ser uma garota de pernas longas que, usando saltos altos, chegava a um e setenta e oito de altura), ainda refletindo se haviam opções ao seu alcance capazes de auxiliá-la em algo. O fato de a líder do time rival estar deliberadamente assumindo sua fraqueza, gritava um desequilíbrio de forças. No Instituto, os alunos foram submetidos a testes para ingressar na equipe. Apenas os melhores dos candidatos passaram pela seleção. Todos com ampla experiência no esporte, estudando por grande parte da vida com material, espaço e, principalmente, suporte. Aquela disputa, nos termos atuais, seria extremamente desproporcional.
—Independente de quem vencer, queremos um jogo justo. Limpo. — Declarou. —E nas condições que você está descrevendo, as partidas não vão chegar nem perto disso. Podemos agendar práticas regulares com vocês, para irmos treinando. Eu mesmo ensino umas táticas pro seu time, se for o caso. Temos algumas semanas para nivelar as equipes, e eu estou dentro, se vocês toparem.
—O que, vocês vão entregar a competição de bandeja? — Ela riu de leve. —Não precisa sentir pena da gente. Te contei essas coisas porque não quero que vocês pensem que somos "ignorantes" quando perdermos. Para não ser tão humilhante. — Parecia constrangida. —Não para barganhar a vitória.
—Mesmo se eu quisesse entregar... — Brincou. —Sei que meu time não faria isso. Estão muito dedicados aos Jogos. Mas também sei que, para eles, vencer contra uma equipe à altura vai ser muito mais significativo do que ganhar de mãos beijadas.
—Você tem certeza...? Eu não quero criar confusão. Só de vocês emprestarem a sala e o material, já está ótimo. — Ela colocou uma mecha de cabelo ruivo para trás enquanto ponderava as possibilidades.
—Sim, absoluta.
—Bom, tudo bem então, eu acho. — Esboçou um sorriso agradecido. —Muito obrigada pela oportunidade, mesmo.
—Não precisa agradecer. Vai ser bom pra todos. — Sorriu de volta.
Madison permaneceu um tempo ali, encarando-o com os olhos verdes brilhando em uma chama de esperança. Mas precisava checar o que seus colegas de equipe estavam fazendo, e contar as novidades.
—Eu vou lá pra dentro... — Ela mirou um pequeno e delicado relógio prateado atado ao pulso. —Pelo jeito, nosso integrante não vai aparecer. Vou dar uma olhada se meus colegas precisam de mim.
—Claro! Sem problemas. Sinto muito por ele ter furado com vocês.
—Acontece. — Deu de ombros.
A dupla retornou à sala, e Viegas se dirigiu imediatamente até a mesa onde os outros dois integrantes do próprio time praticavam.
No fim, a ausência do quarto membro foi vantajosa.
Mais do que qualquer um dos envolvidos poderia imaginar.
[...]
Alevi chegou ao galpão sem dificuldades. Ele era grande, e podia ser visto de longe. Atualmente, o local servia como um depósito, abrigando coisas antigas e sem utilidade imediata para o Instituto.
A entrada consistia em uma imensa porta de vidro, que se abriu quando cautelosamente deslizada para a direita. A passagem dava lugar a um corredor comprido que, por mais que antigo, estava bastante limpo, já que a área permanecia incluída nas rotinas de limpeza do campus. Entretanto, não dispunha de muita iluminação, deixando-o um tanto sombrio.
Alevi estremeceu, acostumando-se com a estranheza que o local lhe causou. Dali, percebeu a existência de diversas salas. Quase todas pareciam trancadas, com exceção de uma, ao longe, entreaberta.
O garoto caminhou sem pressa, tomando cuidado em cada passo. Sua memória voltava repetidas vezes nas falas preocupadas de Cristina, levando-o a pensar, receoso, sobre a merecida má fama que Kenai carregava nas costas.
Ouviu alguns sons discretos, sem ter certeza de que realmente o encontraria ali. Quando adentrou o cômodo para o qual se movia, fazendo a porta ranger de leve ao ser totalmente aberta, deparou-se com um grande salão. O chão áspero era feito de cimento queimado, e duas das altas paredes brancas contavam com um emparelhado de espelhos atados à elas, em formato de "L". Empilhadas em um canto, viam-se carteiras escolares e caixas de papelão. As janelas mostravam desenhos feitos em mosaico azul, acinzentado a luz natural do ambiente. Também existiam alguns pesos jogados pelos arredores, e uma máquina de supino antiga.
Ao centro de tudo, estava Kenai. Deitado em um colchonete, ele realizava o que aparentava ser uma série de abdominais. Vestia roupas próprias para o exercício, e tinha fones de ouvido sem fio encaixados nas orelhas. Muito concentrado, não percebeu a presença de Alevi, mesmo quando este deu tímidos toques no batente de madeira, tentando anunciar sua presença. Mas não demorou a perceber que estava sendo observado.
—Cai fora. — Tirou um dos fones de ouvido e se levantou com dificuldade, sem apoiar-se no tornozelo machucado. —Não faço ideia do que está fazendo aqui, nem quero saber. Some.
Alevi se viu incapaz de formular uma resposta. Não conseguia sequer justificar com clareza para si mesmo as razões de ter se colocado naquela situação, quanto mais externar o pensamento. Ainda sim, sabia que se virasse as costas, e fugisse, a culpa o consumiria. Preferia tentar compensar as coisas, mesmo que desse errado.
—Eu...
—Eu nada, moleque. Não sei se o imbecil do seu irmão te mandou pra me testar ou algo do tipo, mas acabei de conseguir esse lugar de volta. Você não vai arruinar isso. Vaza.
Alevi soube que tentar se explicar com palavras seria inútil. Então, tirou a mochila das costas, abriu-a, e procurou algo. Quando encontrou o que buscava, puxou os objetos para fora, e os estendeu à sua frente, dando alguns passos em direção ao loiro.
—Que porra é essa?!
—Esse... — Ergueu o vidrinho azul. —...É um anti-inflamatório. O outro é um analgésico. Pro seu tornozelo...
Kenai travou em uma feição confusa. Como o garoto conseguiu aquelas coisas? Reconheceu serem medicamentos fortes. No Instituto, só se podia portar algum remédio caso este fosse comprovadamente essencial. Para tanto, era necessária uma licença assinada pela diretora, responsáveis do estudante e um médico.
Das duas uma: Alevi sofreu uma lesão à altura para tê-los, ou comprou-os ilegalmente (opção que soava pouco provável). Teria ele levado surras de outras pessoas? E por que exatamente resolveu oferecer algo tão valioso a Bullet?! Qualquer atleta machucado que não quisesse parar de treinar mataria por aquelas pílulas. Jogadores lesionados eram imediatamente removidos dos times, sendo essa a principal razão pela qual Kenai não podia solicitar atendimento médico: os enfermeiros (que não iam com a sua cara) certamente o dedurariam.
O pai o intimou a participar ativamente dos Jogos, contrariá-lo estava fora de questão. Seu tornozelo machucado não podia ser descoberto.
—Eu sei que você vai jogar amanhã... Acho que pode te ajudar a segurar a dor. — Alevi fazia questão de olhar direto nas orbes esverdeadas do rapaz. —Já tinha usado um pouco, e também separei uma parte pra mim, mas ainda tem bastante.
Após o ocorrido na floresta, Alevi não conseguiu tirar da cabeça a situação em que colocou o outro. Aos seus olhos, na verdade, Kenai não poderia recorrer a enfermaria pois se o fizesse seria obrigado a contar como se machucou, consequentemente entregando ser um dos jovens que violou as regras do colégio na festa. Sequer passou pela cabeça dele a hipótese de que Bullet poderia simplesmente mentir a respeito. E como tinha em sua posse remédios capazes de ajudá-lo a passar por tal situação (pela qual sentia-se responsável), seria incapaz de descansar enquanto não os entregasse a ele.
—Vai. Embora. — Kenai repetiu, pausadamente. —Não vou pedir de novo.
Alevi recolheu as medicações, confuso. Não esperava que o mais velho recusasse ajuda, já que mostrava dificuldade em lidar com a lesão (no momento, até mesmo mantinha o pé debilitado flutuando um pouco, sem apoiar-se nele). Mas, temendo irritá-lo, apenas assentiu, virando-se e se afastando de volta para o corredor. Ali, diante da porta, parou. Olhou mais uma vez para os remédios em mãos, e soltou um suspiro.
Quando Alevi virou na direção oposta a sua, Kenai notou que as costas da camiseta dele estavam levemente manchadas de vermelho. A visão do sangue o inquietou, mas não o suficiente para que dissesse algo.
Foi difícil recusar a oferta, embora odiasse admitir. Aquelas pílulas serviriam como excelente solução para o beco sem saída em que estava preso. Chegou a procurar as garotas que contrabandeavam medicamentos para dentro do campus, mas elas não possuíam nada que lhe fosse útil. De qualquer forma, não compreendia as motivações de Alevi. Assim, confiar nele seria muito estúpido. Voltou a se concentrar nos exercícios, colocando os fones de ouvido.
Organizou aquela sala do galpão para usar como estúdio particular, já faziam bons anos. Ali, tinha tudo o que precisava para treinar, exceto por um saco de pancadas, que almejava bastante. Fora isso, remontou o aparelho de supino velho que encontrou em meio às tralhas, e reformou pesos e outros itens abandonados no recinto.
Há algumas semanas, fora proibido de usar o lugar após ter desrespeitado um dos treinadores de luta, que o acusou de ser um "garoto irresponsável e prepotente". Então, os coordenadores do campus tiraram de si o privilégio de frequentar o galpão. Mas, após quebrar o nariz daquele babaca no Polo Aquático, as autoridades decidiram que talvez fosse menos problemático se ele tivesse um lugar privado e afastado de outros estudantes para extravasar sua fúria. Quando Kenai se exercitava, mantinha a cabeça ocupada, e o corpo trabalhando. Quanto mais força gastava, menos energia tinha para fazer besteira.
Ao terminar a última série de abdominais, aproximou-se do tambor de ferro em que estava apoiada sua garrafa de água. Enquanto se hidratava, teve a atenção fisgada pela porta. Mais especificamente, pelos dois vidrinhos de remédio, que Alevi deixou discreta e gentilmente ao lado dela.
[...]
A sala de dança do Instituto Ólympus era grande e bonita. Localizada no setor do colégio direcionado para artes, tinha espelhos em duas paredes, barras fixas nas outras e janelas altas. Além de um sistema de som armado nos quatro cantos do recinto, o lugar também contava com um piano de cauda elegante. Próxima a ele, Mackenzie se alongava, sentada no chão de linóleo.
Quando afligida por estresse ou ansiedade, ia até lá praticar um pouco. As extensas dificuldades do Ballet Clássico a obrigavam à focar única e exclusivamente nos próprios movimentos, sem brechas para preocupações externas. Dessa forma, conseguia clarear a mente. Como naquele dia os ensaios do seu time seriam no período noturno, tinha a tarde livre para se ocupar. Então, após o almoço (regado a um clima muito estranho e pesado pela forçada convivência entre ambos os colégios), se arrumou e foi dançar.
A sala estava aposentada, visto que não existia mais nenhuma atividade de dança na escola. Mas, agendando um horário algumas horas antes, qualquer estudante poderia utilizá-la. Dessa forma, felizmente, Mackenzie pôde também ficar sozinha. Ter sua melhor amiga, Vanessa, como colega de quarto era incrível, mas às vezes os dramas da latina acabavam sobrecarregando-a. Ambas estavam horrorizadas com o que houve na festa, e mais transtornadas ainda pela expulsão das seis garotas.
Duas delas eram integrantes da equipe de Cheerleading da qual Mackenzie era capitã. Vê-las partir foi bastante doloroso. Não sabia como processar os recentes acontecimentos, com sentimentos mistos em relação ao colégio rival. Ter empatia se tornava uma tarefa árdua. Em menos de vinte e quatro horas, os convidados foram capazes de orquestrar uma tragédia. Cada vez que pensava nisso, agitava-se por não entender suas motivações. Não era possível que uma dúzia de brigas e provocações online tivessem gerado algo daquela magnitude.
—...Olá? — Uma voz grave masculina soou pela sala, assim como duas batidas na porta, que já estava aberta.
Mackenzie primeiro o mirou pelo espelho, e depois virou-se na direção do intruso, se levantando.
Blake Torrance a olhou de cima a baixo com indiferença, percebendo seu visual atípico. Ainda parecia a Barbie de sempre, mas vestia meia calça e sapatilhas de meia ponta rosas, collant azul claro e uma saia do mesmo tom amarrada na cintura. Os cabelos loiros mantinham-se presos em um coque bem feito, deixando o rosto levemente maquiado e pêssego totalmente à mostra.
Ele bufou baixo, trocando o apoio das pernas.
—Posso ajudar? — Mackenzie perguntou, cruzando os braços e não demonstrando qualquer reação, ainda sem saber ao certo como agir perante os estudantes do PHS.
—Eu reservei essa sala.
—Não, não reservou. Estou marcada pra usar ela até às cinco horas. — Só faltava essa. O que ele podia querer ali?
—Se essa é a sala com um piano... — Ele indicou o piano de cauda com o queixo, segurando a mochila que carregava nas costas com uma das mãos e usando a outra para tirar um papel do bolso da bermuda de moletom, o qual desdobrou com agilidade. —...Então disseram que eu fico com ela até às seis. — Estendeu a folha à sua frente.
Mackenzie fechou os olhos, respirando fundo e pensando em como prosseguir. Podia agir de acordo com a rivalidade entre as escolas, e destratar o garoto em toda a sua revolta contra o que ele e seus colegas fizeram. Mas, se a catástrofe da festa aconteceu em nem vinte e quatro horas de convivência, não conseguia imaginar o que mais os convidados tinham em mente para aprontar. Se o Instituto revidasse fogo com fogo, aquele incêndio incineraria tudo que ambos os lados mais apreciavam. A única maneira de impedir que chegasse a tal ponto, seria se as escolas se entendessem, ou pelo menos concordassem em manter uma trégua. Para tanto, todos precisariam cooperar. E ela não tinha escolha, a não ser em começar essa corrente.
Engolindo toda a sua mágoa e frustração, deu alguns passos em direção ao rapaz, visando enxergar melhor o papel que este carregava.
—Você reservou a sala de música... — Constatou ela. —...Essa aqui é a sala de dança, por mais que tenha um piano. — Explicou.
—Certo. — Blake sentiu-se um pouco envergonhado, sem deixar transparecer.
—Olha... — Tomou a liberdade de se aproximar mais. —Aqui atrás tem um mapa... — Indicou alguns desenhos no verso da folha, parando de frente para o rapaz, que a escutava com atenção. —Estamos aqui. — Apontou para um ponto. —A sala que você procura é... — Deslizou o dedo suavemente pelo papel. —Aqui. É só seguir até o fim do corredor, e virar à esquerda. Terceira porta. Tem uma placa acima dela, pra você ter certeza se está no lugar certo.
Blake franziu o cenho. De qualquer forma, por mais que a loira fosse gentil em lhe ajudar, não podia se esquecer de que ela era parte do problema que enfrentavam.
—Obrigado. — Guardou o mapa.
—Imagina! Esse lugar é um labirinto. — Mostrou um belo sorriso. —Quando cheguei aqui me perdi um milhão de vezes e...
—De novo, agradeço pela ajuda, mas eu preciso ir. — Interrompeu-a.
—Ah, sim. Tudo bem. — Deu alguns passos para trás, com as mãos juntas à frente do corpo, um pouco sem graça.
Torrance forçou um meio sorriso, e foi embora.
[...]
Mackenzie finalizou sua prática. Calçou os tênis brancos, vestiu uma camiseta folgada e shorts jeans por cima do collant, e retirou-se do salão.
O caminho de volta para os dormitórios femininos passava em frente a sala de música. Todo o corredor desta estava envolto por uma melodia muito bonita. O som do piano encantou os ouvidos da garota, que não se conteve, e foi até sua origem, visando prestigiar o músico responsável por aquela maravilha.
A porta estava totalmente aberta, o que a permitiu espiar enquanto se apoiava de lado no batente desta, com os braços cruzados.
Blake, que tocava, fez uma pausa. Então, anotou algo em um caderno apoiado nas pernas.
—Isso está muito bom! — Mackenzie elogiou. —Muito mesmo. — Sorriu.
—Obrigado. — Ele respondeu, já ciente da sua presença, mas sem fazer menção a se virar para ela, ainda escrevendo.
—Você tem talento! Existe algum programa de música na sua escola? — Manteve-se no mesmo lugar, curiosa.
—Tá falando sério? — Agora, o rapaz quis fita-la, com uma sobrancelha arqueada em expressão de sarcasmo.
A loira não entendeu o questionamento, franzindo o cenho e assentindo.
—Mal estamos em pé, Loira. Acha mesmo que teríamos como bancar um negócio desses? — Fez um círculo com o indicador apontado para o teto, referindo-se a todos os instrumentos de primeira categoria posicionados pelo cômodo.
A feição confusa permaneceu intacta no rosto da garota. Seria verdade, ou ele só estava tentando enganá-la de alguma forma? Como, em uma cidade tão feliz economicamente, o colégio público teria dificuldades financeiras? Qualquer que fosse a resposta, certamente não a conseguiria ali, com aquele cara. Assim, intrigada, ela forçou-se a sorrir mais uma vez, dizendo:
—Enfim, espero que tenha gostado do espaço. — E se retirou.
Invadida por uma forte necessidade de checar a veracidade das ditas palavras, Mackenzie, sem saber, encontrava-se prestes a dar os primeiros passos em direção a um precipício de informações desconhecidas.
Informações que iriam frustrá-la.
Que testariam seus limites.
E que a fariam duvidar de todas as suas convicções.
NOTAS FINAIS
Não vou dizer que estou 100% feliz com esse capítulo, talvez eu faça alterações neles, mas estava com saudades de interagir com vocês! Então, o que acharam? Desculpem por qualquer erro de repetição, ortografia, ou mal entendimento! Beijos, e até a próxima!
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