• TENTE DISFARÇAR • [prólogo]
Eu o observo, de longe, enquanto bebe o seu próprio uísque e conversa com Giovanni, Ettore e Papa. Eu espero que ele me veja. Que possa olhar para mim e ver. Ver as marcas, as manchas. E que assim ele possa odiá-lo mais, mas sei que isso nunca irá acontecer. Neste mundo, ser mulher é apenas mais uma forma dos homens nos marcarem como sua propriedade. Seja para nos amar ou para nos machucar. No lado mais doente disso, eu desejava que pudesse pertencer a ele, para que ele me adorasse e me amasse. Porém, como sempre, isso é apenas uma ilusão. Antes, apenas como uma menina, ele poderia ter me guardado e protegido, mas hoje, como mulher, ele apenas me ignora. E isso dói quase tanto quanto cada machucado que tenho em meu corpo.
— Luna... Está tudo bem, querida?
Por um segundo, olho para mão que Gianne pôs sobre meu braço. Ela segura meu pulso de leve, deixando a cicatriz da queimadura em minha mão amostra. Quando volto minha atenção para ela, sei pelo seu olhar que ela notou. Puxo minha mão e cubro a cicatriz com a manga de meu vestido de ceda.
— Sim, claro.
Eu nem sei direito o que respondi. Estou acostumada a mentir sobre isso, mas essa parece ser a primeira vez que alguém não acredita em mim, nas minhas respostas ensaiadas. E o que vejo no rosto claro de Gianne é o que mais me assusta. Eu nunca a entendi, não realmente. Gianne parece ser a típica mulher em nossa sociedade. Ela tem em si o que eu diria que seriam os genes italianos. Sua pele clara combina perfeitamente com seu cabelo loiro escuro, assim como seu corpo esbelto e magro combina muito bem com sua figura longínqua. Suas roupas estão no pacote, sempre em tons brancos e pastéis. Gianne nunca foi vista com roupas que não fossem de grife. Além disso, ela é vista pela alta sociedade como a mulher perfeita: comedida, discreta e requintada. O que nem todos veem, porém, é o que está por trás dessa mulher. A Gianne com olhos de raiva, boca de escarnio e mãos consoladoras. Como agora, essa Gianne está à tona. Ninguém realmente a nota, apenas eu e, às vezes, o seu irmão. Tanto quanto posso me lembrar, ela é a única que considero como minha amiga.
— Claro.
Ela concorda comigo, mas posso dizer pela sua expressão que não vai deixar isso passar. Mas aqui, em meio a mais uma festa da Famiglia, não há nada que eu possa falar e ela sabe disso. Ao invés de me julgar, ela segura minha mão e me conforta.
— Aguente, querida, isso não será para sempre. — Antes que eu possa entender o que está por trás dessas palavras, ela aperta minha mão mais forte e avisa — E tente disfarçar, tudo bem?
Disfarçar?
Então, eu o sinto, o ouço, o cheiro. Ele está bem atrás de mim. Assim, quando Gianne se levanta para cumprimentá-los, eu também o faço. Eu tento arduamente não olhar para ele e observo Gianne abraçar Papa. Mesmo usando seu sorriso mais formidável, sei que Gianne não está sendo cem por cento sincera, mas Papa parece não perceber, ou simplesmente não se importa, apenas continua a elogiando, com olhos pesados no decote de sua "sobrinha". Porém, assim que termina de cumprimentar Gianne pelo belo vestido vermelho, Papa é chamado novamente por Ettore, em outra mesa. Ele pede desculpa aos seus queridos convidados e se vai, sem me olhar uma vez sequer. Não me importo. Se melhor, preferiria que nunca me olhasse. Mas uma única pergunta ainda está em minha mente quando ele caminha até Ettore: como Papa pode me deixar com ele depois de tudo o que aconteceu na última sexta?
— Luna — Vincenzo me cumprimenta.
E simples assim, toda sua atenção está em Gianne. Sei que ele me evita. Depois de nossa pequena interação semana passada na fazenda, imaginei que desta vez poderia ser diferente. Como sempre, estou enganada. Porém, isso não me impede de olhá-lo mais atentamente. Seu terno preto bem cortado o veste bem, até melhor que suas camisas polo pretas. Tem um bom tempo que pude apreciá-lo em um bom terno, um ainda maior que pude vê-lo sem. Por isso, sei que de baixo de todo o terno, colete e gravata, deve haver um corpo ainda mais definido que antes. Pela forma que seu terno puxa em seu braço quando bebe mais uma vez o uísque, sei que anda malhando muito. E se fosse apenas isso... Volto a atenção para ele quando faz um "tcs-tcs" com a boca, uma mania que ele tem quando acha algo exagerado. Não sei sobre o que é, mas daqui posso vê-lo melhor, mais perto. Ele deixou sua barba crescer, não muito, só o suficiente para deixá-lo viril. Ele quase nunca sorri, ou melhor – não sorri mais, mas sua boca nunca deixou de ser tão boa. Seus olhos são os únicos que tento evitar. Tão verdes e claros que sei que se olhá-los eles irão me desarmar, totalmente. Vincenzo De Santis sempre foi um menino bonito, mas como homem ele é extraordinário.
Eles continuam a conversar sobre a festa e sobre Giovanni, irmão de Gianne. Eu continuo a observá-los, não dizendo nada. O que eu poderia dizer? Mas Gianne deve perceber meu desconforto, pois se aproxima e coloca a mão sobre meu ombro.
— Você viu como Luna está bonita hoje?
Sua outra mão passa discretamente na borda de meu decote V, entre os meus seios, e de volta para meu colar. Tenho vontade de me afastar, mas a única coisa que posso ver agora é como os olhos de Enzo me avaliam. Como ele seguiu cada movimento de forma deliberada, sem disfarçar. Tento desacelerar minha respiração, mas não consigo.
— Ouvi dizer que este colar foi um presente seu. É verdade?
Gianne se refere ao colar delicado decorado com pequenos jasmins feitos de esmeralda. Ele se pendura por um fino fio de ouro, bem no vale dos meus seios, como uma lembrança. Uma amarga lembrança de que pertenço a Papa. No entanto, não entendo o porquê de Gianne mencionar isso. Eu já havia dito a ela que fora Papa a me presentear. Então por que?...
— Sim.
Gianne aperta meu ombro como um aviso mudo para que eu controle minhas emoções. Eu tento novamente, mas devo estar falhando, já que Enzo ainda tem os olhos em mim. Ele me enviou colar? Quando? Como? Está tudo lá, em meus olhos, o instigando. Porém, não há nada refletido nos seus.
— Você não se importaria que eu o pegasse emprestado, não é verdade?
Assim que termina a frase, Gianne escova sua mão sobre o meu cabelo, o afastando do pescoço e parte da nuca. Para todos ao nosso redor, Gianne está apenas mostrando o colar para que Enzo possa avaliá-lo, mas eu sei a verdade. O que ela realmente está mostrando é a marca roxa que está na minha nuca. Os olhos de Enzo nunca vacilam, apenas olham. Mesmo com a base cobrindo a marca, eu sei que ele sabe. Momentaneamente, seu queixo puxa e seus olhos estreitam e se eu vi bem, o que percebi ali foi raiva. Mas assim como veio, se foi. Ele volta seus olhos novamente para Gianne e acena.
— Se Luna também estiver de acordo.
O que escuto, mata qualquer esperança minha, pois no tom de sua voz, eu posso notar também o seu descaso, sua indiferença. No fundo, eu imaginei que sua reação poderia ser diferente, mesmo que só um pouco. Um toque amigável, um olhar sincero, qualquer sinal de que ele se importasse. Qual era o ponto de dar-me um colar, se ele me tratava assim? Eu sempre me tornava uma tola quando o assunto era ele. Sempre procurando resquícios do que já tivemos. Como em alguns momentos antes, quando vi em seus olhos uma raiva mal contida. Era realmente raiva ou só minha esperança me iludindo novamente? Não que isso tivesse alguma relevância. Neste mundo, ele nunca iria contra a Famiglia. Nunca.
Ainda com as mãos trêmulas, eu me recuso a demonstrar qualquer emoção em meu rosto e uso minhas desculpas de sempre. Me esquivo da expressão descontente de Gianne e me afasto indo em direção às escadas. Posso sentir os olhos dos dois em minhas costas, mas nesse momento preciso de um minuto ou dois para digerir o que acabei de ver.
Ele não se importa.
Bem-vindos à Hereditário!
Espero muito que vocês gostem da história de Luna e Vincenzo, esse cazalzão perfeição. Deixe sua estrelinha, adicione esse livrinho na sua biblioteca ou lista. E também quero saber: o que acharam do Prólogo? Ansiosos pelos próximos capítulos? Me diga nos comentários! Aproveita e me segue no Wattpad também pra ficar atualizado!
Até o próximo capítulo! :*
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