• DESTRUA TUDO | PARTE I • [cap. 11]
Um dia, eu ainda poderia escolher por mim mesma? Ter a vida em minhas mãos e tomar minhas próprias decisões? Escolher a quem amo e não sofrer as consequências?
Desde menina, eu sabia que minha vida seria ditada por outras pessoas. Isso parecia a ordem natural das coisas dentro da Máfia. Nos últimos meses, essas eram as dúvidas que eu carregava comigo. Nos últimos dias, era somente nisso que eu conseguia pensar. O que mais eu poderia fazer para escapar dessa vida, sem que ninguém mais se ferisse? Eu ainda não tinha as respostas.
Eu só sabia que algo havia mudado e isso não era sobre minha liberdade. Era sobre tortura, dia após dia. E mesmo já tendo me machucado de tantas maneiras, era essa tortura que mais me matava. Era sobre não saber o que aconteceria amanhã, o que poderia acontecer hoje. Por que algo havia acontecido para que Papa tenha tirado meu celular e me trancado em casa durante essas três semanas. Nenhuma notícia sobre Gianne, nem Vincenzo. Nenhum passeio com Mavi, nenhuma visita à Giulia. Nem minhas saídas com Domenico eu podia contar mais.
Eu me perguntava quantos dias eram precisos para deixar uma pessoa louca. Aparentemente, vinte e um eram o número suficiente para mim. Aqui estava eu, na estufa, com uma garrafa de gim e um copo de doses roubados da cristaleira da biblioteca. Aos poucos, me convenci que somente assim conseguiria coexistir com as dúvidas que me corroíam. Um pouco de uísque, nas noites quentes, até que eu conseguisse apagar. Um pouco de gim nas tardes de domingo, quando Papa desaparecia de casa, para conseguir passar os dias. Matilde foi mantida longe, assim como Marcelo. Nenhuma testemunha do que estava para acontecer.
Poderia ser loucura ou apenas medo, mas algo me dizia que nada de bom estava por vir. Com todas as promessas que foram feitas, a única coisa que estava à espreita era a morte. Eu só esperava que não fosse a minha ou das pessoas que eu amava.
Fazia dois dias que não tinha notícias de Papa e que não o via em casa. Sua ausência deveria me acalmar, mas isso só fazia tudo piorar. Ele descobriu o plano de Vincenzo? Soube da minha conversa com Gianne? Deus!
— O que mais posso fazer, Mama? – sussurro para a estufa vazia.
Quando tinha quinze anos, descobri por Antonella que Mama não tinha sido assassinada como eu imaginava. Ela tinha cometido suicídio. Entre os sussurros da Famiglia, ouvi que ela sofria de uma depressão severa, acompanhada de sua bipolaridade. Na época, isso me torturou de uma forma diferente, pensar que Mama tinha tirado a própria vida, sem nos dar uma chance de nos conhecer. Hoje, começo a pensar que isso fazia mais sentido do que queria admitir.
Tomo mais uma dose de gim tentando amortecer esses pensamentos. Deve ser minha quinta ou sétima dose, já não sei mais. Os jasmins brancos me cercam como em um funeral particular. Não tive coragem de ficar perto das rosas vermelhas, então hoje admiro as únicas flores que um dia me consolaram, as flores de Serena.
Quanto tempo mais posso aguentar? Esse medo, essa apreensão?
Não muito...
Um som ao fundo me acorda. Tenho baba espalhada por todo meu rosto e braço. Devo ter adormecido, sem perceber. Assim que abro os olhos e tento me levantar, minha cabeça zumbi de uma forma diferente. Quanto eu bebi dessa vez? A garrafa está pela metade, medindo todas as outras vezes que a tomei.
Jesus!
A explosão branca me cega por um tempo até que percebo o meu erro. As luzes foram acesas. Ouço um sapato marcar cada passo enquanto alguém anda até mim, sem hesitar. Meu medo cresce. Quem poderia...?
Uma dor surda se espalha por todo meu couro cabeludo enquanto alguém puxa meu cabelo de uma vez.
— Sua puttana!
O grito de Papa se espalha pela estrutura de vidro, sem medo de que sejamos pegos. Meu desespero aumenta e minha boca seca. Ele me arrasta pela estufa, seus braços me puxando. É uma dor agoniante que se espalha por todo meu corpo. Sapateio desesperada para sair do seu alcance, sujando meu vestido florido de terra enquanto minhas pernas e braços são arrastados.
— Não, não, não, não, não – esperneio mais.
Meu medo é real dessa vez, palpável. Se Leonel está gritando é porque não há testemunhas. E quando não há testemunhas, tudo é sempre pior.
— Papa! – choro e suplico.
Ele me ignora. Seus olhos estão vermelhos, seu terno de alguma forma está manchado de terra também, suas mãos grandes agarram meu cabelo com força. Assim que estamos do lado de fora da estufa, ele para de me arrastar, seus olhos varrendo de um lado para o outro, procurando algo. Quando encontra, ele aponta para frente, seu dedo fino como uma haste envergada dando ordens.
— Traga a porra da garrafa!
Olho em direção onde seu dedo aponta, procurando o soldado que está com ele.
Nicola está em seu terno caro quando corre e entra na estufa atrás da garrafa de gim. O que ele vai fazer com a garrafa? O que ele pode fazer? Meus olhos correm soltos pelo jardim, a procura de alguém ou algo que possa me ajudar... Mas não há ninguém aqui, apenas a imensidão vazia de um jardim bem cuidado, a escada de madeira que dá para a casa e uma estufa de vidro são nossas testemunhas.
Minha visão borra quando vejo Nicola voltar.
As mãos de Papa estão no meu pescoço agora me forçando a olhar para frente, para a garrafa que Nicola traz. Se pior, Nicola parece ainda mais assustador daqui. Sua cicatriz do rosto está maior e vermelha, seus olhos estão fixos na parte inferior do meu pescoço, o sussurro de um sorriso em sua boca... Esforço-me para tentar cobrir seja o que o meu vestido não esteja tampando, mas Leonel bate sua mão sobre minha cabeça com um tapa forte e força meus olhos de volta para a garrafa.
Ele estende a mão e a pega. Leonel se agacha dessa vez, mais perto de mim, sua mão puxando meu cabelo para baixo, meu rosto para o alto.
— Se você bebe como um soldado, figlia, é preciso enfrentar as consequências como um. – ele sussurra em meu ouvido.
Na sequência, ele quebra a pino da garrafa e despeja gim pela minha garganta, que queima e queima, sem parar. Meus olhos ardem e eu engasgo com o líquido indesejado que desce. É deplorável e humilhante, mas meu pai continua sem um fio de arrependimento em seu rosto. Seus olhos crescem e suas mãos apertam meu rosto. Derivo, sem conseguir manter meus olhos abertos, a única coisa que sinto é minha garganta queimando.
O gim deve ter acabado já que ele balança a garrafa em sua mão, tentando despejar o resto em minha boca, não contente com tudo o que já derramou. Nada mais desce sobre meu rosto. Fico ali parada tentando associar as imagens a minha frente. O céu escuro e o rosto morto de um homem que não me ama.
Ele me solta e eu caiu como um peso morto sobre o chão do jardim, cansada demais para reagir.
— Traga os homens e não se esqueça das ferramentas – ele ordena.
Fico deitada esperando seja o que "ferramentas" possam significar.
O que mais eu posso fazer para sair daqui?
Devo ter ficado desacordada, já que me assusto com outro grito vindo de Leonel.
Suas mãos me puxam para que possa ficar sentada. Quando minha cabeça pende para frente, meio fora de mim, ele se agacha de novo. E como se segurasse uma criança pequena, ele prende meus braços e minha cabeça, me obrigando a ver o que está diante de mim.
Um após outro, cada viga de madeira da estufa está sendo derrubada pelas marretas e machados que mais três soldados seguram. Domenico é um deles. Vejo suas mãos grossas carregando um machado, o fino fio de prata cortando a madeira branca. Um choro fino se espalha pelo ar até que eu percebo que está vindo de mim. Não tenho forças para me levantar e nem ao menos gritar. Estou bêbada demais, meu corpo zumbe em desconforto, mas Leonel continua segurando minha cabeça para que eu não perca nada.
Devo chorar por horas, meus dentes trincando dentro da boca de tanta força que Leonel aplica em meu rosto para me manter quieta. Aos poucos, vejo as rosas vermelhas de Mama, os jasmins brancos de Vincenzo e as minhas esperanças sendo destruídas por esses homens que um dia juraram me proteger, pela ordem do homem que deveria me amar.
E cada pessoa que um dia prometeu me cuidar, e cada pessoa que um dia confiei, e cada pessoa que um dia amei... Estão ali, arrancando de mim cada suspiro, cada lágrima, cada flor. Eles me abandonaram aqui, me deixaram para morrer, assim como Mama, eles me deixaram.
Leonel não me diz nada quando me deixa cair sobre a terra molhada. Fico ali com os olhos fechados, sem poder sentir mais nada além dessa dormência estranha do gim.
— Limpe-a e a coloque de volta no quarto.
Leonel simplesmente diz. Posso sentir as mãos de alguém me carregando um tempo depois, mas não tenho forças para saber quem é.
E nem me importo.
Hey, mafiosxs! Capítulo 11 postado! Aquele capítulo que deixa desestruturada, tanto que não consegui terminar de escrevê-lo essa semana. Por isso, decidi dividir em duas partes. Ou seja, vem muito tombo por aí minha gente kkkkk (cada K é uma lágrima). E aí, com vontade de socar o Leonel tanto quanto eu? Aguarde, que muitas surpresas virão UAHAHAHAHA (risada maléfica).
Enão se esqueçam: deixe sua estrelinha, adicione Hereditário na sua biblioteca eme segue no wattpad! Até a próxima!
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